Rosa passava pelos corredores da casa-grande com os olhos baixos e o coração apertado. Desde a volta dos filhos do coronel, algo dentro dela havia mudado. Não apenas pela presença deles, que agora eram homens e mulher formados, mas pela forma como a olhavam. Principalmente Pedro Afonso.
Ele, que antes dividia mangas com ela à sombra da mangueira, agora a tratava com frieza. E pior — com desprezo.
— Preste atenção, Rosa — disse ele certo dia, quando ela esqueceu uma peça de roupa na varanda. — Isso aqui não é brincadeira de criança. Aqui você serve. É só isso que é. Entendeu?
As palavras cortaram mais do que chicote. Não pelo tom — seco e duro —, mas pelo olhar. Não havia raiva. Havia repressão. Havia um silêncio sufocado, como se ele lutasse contra algo que o corroía por dentro. Algo que ele não ousava admitir nem a si mesmo.
Rosa apenas baixou a cabeça e assentiu. Sua dignidade sangrava por dentro, mas ela não daria a ele o prazer de vê-la ferida. Não mais.
O único que ainda lhe oferecia algum tipo de ternura era Eduardo, o irmão mais novo. Com olhos sensíveis e voz mansa, ele costumava conversar com ela enquanto ela regava o jardim ou costurava na varanda dos fundos.
— Rosa, lembra de quando a gente fazia barquinho de folha no riacho? — perguntou certo dia.
Ela sorriu, tímida.
— Lembro, sim. Você sempre deixava o seu afundar primeiro só pra me deixar ganhar.
— É que seu sorriso fazia o meu dia inteiro valer a pena.
Ela se emocionou, mas ficou em silêncio. Sabia que qualquer laço afetuoso com “os de cima” podia custar caro.
Naquela noite, o coronel chamou Pedro Afonso para uma conversa reservada no escritório. O cheiro de charuto preenchia o ar, misturado ao som distante das cigarras.
— Vejo que anda olhando demais pra aquela Rosa — disse o coronel sem rodeios, com uma risada debochada. — Tá ficando homem, finalmente?
Pedro Afonso ficou em silêncio, olhando o líquido âmbar dentro do copo de cristal.
— Ela é bonita, tenho que admitir — continuou o pai, tragando com gosto. — Tem o sangue da casa, afinal. Mas não se engane, meu filho... Rosa é escrava. Escrava. Serve pra te divertir, e só. Se der problema, a gente vende. Como qualquer outra.
Aquela fala caiu como pedra no estômago de Pedro. Ele queria protestar. Queria dizer que Rosa não era “qualquer uma”. Mas em vez disso, ergueu o copo e bebeu tudo de uma vez, engolindo junto o nó que subia em sua garganta.
Na manhã seguinte, Rosa lavava os degraus da varanda quando Pedro passou. Em vez de ignorá-la como nos dias anteriores, parou e a observou.
— Cuidado pra não sujar o que já limpou — disse com desdém.
— Sim, sinhô — respondeu ela sem olhar.
Mas algo em sua voz o feriu. Era firme. Digna. E bela.
Ele deu dois passos para longe, mas olhou de lado e a viu se erguendo, a água escorrendo pelos braços, os cabelos negros presos num lenço simples. Uma escrava, sim — mas a mulher mais bonita que ele já tinha visto.
E isso o enfurecia.
Porque Rosa era tudo o que ele não podia querer.
Mas tudo o que desejava.
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Atualizado até capítulo 75
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