O salão do restaurante “Dom Vittorio” era um refúgio de luxo e discrição. Lustres de cristal filtravam uma luz suave sobre mesas elegantemente postas, afastadas umas das outras por painéis de madeira escura. O som dos talheres e o murmúrio discreto das conversas compunham uma sinfonia sutil de poder e influência.
Isadora chegou pontualmente às vinte horas, envolta em um vestido vinho de seda, justo na medida para destacar sua postura firme e elegante. O cabelo ruivo estava preso em um coque sofisticado, deixando livres os brincos finos que reluziam sob a iluminação.
Vinícius já a aguardava, sentado à mesa com uma taça de vinho na mão. Era um homem na casa dos cinquenta, experiente, calculista e há anos fiel a Augusto — pelo menos até onde Isadora sabia.
— Boa noite, doutora Vasconcellos — disse ele ao se levantar, educado, mas com a arrogância típica de quem acreditava saber tudo sobre o jogo.
— Boa noite, Vinícius — respondeu com um leve sorriso. — Agradeço por aceitar meu convite.
Ele esperou que ela se sentasse e serviu vinho para ambos.
— Fiquei curioso. Jantares com conselheiros não são muito o estilo da nova geração.
— Talvez a nova geração esteja apenas aperfeiçoando o estilo antigo — rebateu com um leve arquejo de sobrancelha. — Prefiro entender com quem estou lidando... olho no olho.
O jantar avançou entre entradas refinadas e diálogos cuidadosos. Vinícius, inicialmente desconfiado, logo se viu enredado pela segurança de Isadora, pela forma como ela articulava cada argumento sem jamais parecer agressiva. Era sedutora, mas não no sentido óbvio — seduzia com inteligência, com a promessa de que, ao lado dela, ele teria mais poder do que jamais teve sob o comando de Augusto.
— A empresa precisa mudar, Vinícius. Precisa de renovação. Você é um nome forte no conselho. Mas ficar do lado errado da história pode te custar essa força.
Ele apertou os olhos, avaliando.
— E qual seria exatamente... o lado certo da história?
Ela ergueu a taça, os olhos fixos nos dele.
— O que eu estou escrevendo.
Na mesma noite, a poucos quilômetros dali, Gael se reunia com Sofia em um bar discreto. A assistente, visivelmente desconfortável, olhava ao redor antes de falar.
— Você me chamou aqui pra quê, Gael?
— Quero entender por que ela voltou — disse direto, com o copo de uísque na mão. — E não venha me dizer que é só pelos negócios. Isadora voltou com sede de algo maior... e não é lucro.
Sofia hesitou.
— Você quer que eu a traia?
— Não. Só quero compreender o que está por trás de tanto sangue frio. Ela está jogando um jogo perigoso. E se você estiver no meio, Sofia, vai acabar sendo usada.
— E você acha que não está sendo usado também? — rebateu, afiada. — Isadora é mais inteligente do que todos vocês juntos. Inclusive você.
Gael sorriu de lado, como se gostasse da provocação.
— É isso que me fascina... E o que me irrita.
Horas depois, Isadora voltou para casa sozinha. O jantar havia sido produtivo. Vinícius saíra confuso, mas balançado. Era o primeiro passo.
Ela subiu as escadas em silêncio e, ao entrar em seu quarto, se permitiu tirar os saltos, soltar os cabelos e, por um instante, respirar.
Mas antes que pudesse relaxar, a campainha soou.
Ela franziu o cenho. Já passava da meia-noite.
Descendo até o hall de entrada, encontrou Gael parado à porta, com as mãos nos bolsos e o olhar indecifrável.
— O que está fazendo aqui? — perguntou, mantendo a porta entreaberta.
— Você está se movendo rápido demais, Isa. E quando alguém se move rápido, é porque está tentando fugir de alguma coisa.
Ela cruzou os braços, impassível.
— Talvez eu esteja correndo na direção certa. Você deveria tentar.
Gael deu um passo à frente. A tensão entre eles era quase palpável, como eletricidade no ar antes de uma tempestade.
— Ou talvez esteja fugindo de mim. Porque no fundo, sabe que ainda existe algo aqui.
Isadora o encarou em silêncio. Uma batida passou, depois outra. Ela poderia ter fechado a porta. Poderia ter dito algo cortante. Mas em vez disso, apenas o olhou — com raiva, com dúvida, com uma pontinha de algo mais... perigoso.
— Boa noite, Gael.
E fechou a porta devagar, sem pressa, deixando no ar a mensagem clara: ele não estava no controle.
O som abafado da porta se fechando ecoou no hall silencioso da mansão. Do lado de fora, Gael permaneceu parado por alguns segundos, encarando a madeira como se pudesse atravessá-la com o olhar. Ele não bateu de novo. Não insistiu. Apenas se virou devagar e caminhou até o carro, com os pensamentos fervilhando.
Dentro da casa, Isadora encostou-se à porta, os olhos fechados, tentando controlar a inquietação que a presença de Gael sempre despertava. Era como se cada palavra dita por ele tivesse um duplo significado, como se cada silêncio carregasse algo que ela não queria — ou não podia — decifrar.
Ela subiu novamente até seu quarto, abriu uma pasta sobre a escrivaninha e puxou o dossiê de Vinícius. O jantar havia sido apenas o primeiro de muitos passos que ela teria que dar cuidadosamente. Cada movimento precisava ser calculado com perfeição cirúrgica. Ainda assim… o imprevisto de Gael era uma variável que continuava escapando ao seu controle.
"Ele ainda sente algo por mim", pensou. "E isso pode ser a minha ruína... ou minha vantagem."
No dia seguinte, Isadora foi à empresa mais cedo. O sol mal havia nascido quando ela entrou no edifício envidraçado, acompanhada apenas do som dos próprios passos ecoando no piso de mármore. O escritório da presidência ainda era de Augusto, mas ela já planejava reformas — não só estéticas, mas estruturais. O legado dele precisava ruir aos poucos, como um castelo sendo demolido por dentro.
Ela abriu seu notebook e digitou uma sequência de comandos. Tinha acesso a quase tudo agora. Mas uma pasta, em especial, permanecia bloqueada: "Códigos Rubros".
Era ali que Augusto escondia seus segredos mais obscuros. E ela estava determinada a descobrir o que havia ali antes que alguém mais chegasse perto.
— Tentando invadir os fantasmas do seu pai? — a voz de Gael soou atrás dela, baixa, firme.
Ela se virou devagar. Ele estava na porta, de braços cruzados, apoiado no batente com aquele maldito olhar cínico de quem sabia exatamente como irritá-la.
— Você deveria aprender a bater antes de entrar — disse, fechando o notebook com calma.
— E você deveria aprender que tem coisas que não precisam ser abertas — rebateu ele, entrando. — A "Códigos Rubros" é protegida por uma camada de segurança que nem o próprio Augusto confiava aos advogados.
Ela sorriu, mas seus olhos estavam gélidos.
— Isso só aumenta minha curiosidade. Se Augusto escondeu tanto, é porque tinha medo. E eu gosto de saber o que homens como ele temem.
Gael se aproximou, parando em frente à mesa. Seus olhos azuis se fixaram nos dela.
— Você está brincando com cobras, Isadora.
— E você ainda não percebeu que eu sou o tipo de mulher que sabe como arrancar o veneno delas.
Eles se encararam por longos segundos, em silêncio. Havia tensão. Não só a tensão de dois líderes disputando espaço, mas algo mais profundo, quase físico, que os puxava para perto mesmo quando tudo dizia que deveriam manter distância.
— Vinícius já começou a balançar, não é? — ele perguntou, mudando de assunto.
— Está mais perto de mim do que jamais esteve de Augusto — respondeu sem pestanejar.
— E você acha que isso é poder?
— Isso é só o começo — disse com um sorriso frio. — O poder mesmo, Gael, é saber usar as peças certas antes que o tabuleiro desmorone.
Ele a observou por um momento, depois se inclinou sobre a mesa, bem perto dela.
— Só não esqueça, Isa… às vezes, quando a gente começa a derrubar castelos, acaba soterrado junto com eles.
Ela sustentou o olhar dele, firme.
— Eu não fui feita para ruir. Fui feita para resistir.
Gael sorriu. Um sorriso lento, quase orgulhoso… mas também perigoso.
— Então vamos ver até onde você consegue ir.
Horas depois, Isadora voltou para casa com a mente cheia de planos e dúvidas. O nome "Códigos Rubros" ecoava como uma ameaça silenciosa. Aquilo era mais do que arquivos… era uma bomba esperando para explodir.
Ela tirou os sapatos, caminhou até a varanda do quarto e olhou para o horizonte. A noite começava a cair, tingindo o céu de tons alaranjados.
Seu celular vibrou.
Uma mensagem.
Número desconhecido:
“Nem tudo o que Augusto construiu morreu com ele. E você está se aproximando de algo que deveria deixar enterrado.”
Isadora leu a mensagem duas vezes. Seu coração acelerou — não por medo, mas por pura adrenalina.
Ela sorriu de leve, como se recebesse um convite para dançar em um campo minado.
E respondeu:
“O problema é que eu sempre gostei de desenterrar verdades.”
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Atualizado até capítulo 51
Comments
Vanildo Campos
😬😬😬😬😬😬😬😬
2025-07-21
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