Kaleb caminhava pelos corredores longos da mansão com o maxilar travado. Amaya estava dormindo no quarto do andar de cima, com a perna engessada, cercada por médicos particulares que ainda faziam exames e ajustes no curativo. Desde a queda na escada, seu coração não tinha descansado um minuto. Aquilo não havia sido apenas um acidente. Ele sentia isso.
Horas antes, com a irmã ainda chorando de dor, Kaleb reuniu discretamente três dos homens mais confiáveis que tinham servido a Erik no passado. Deu ordens curtas e diretas:
— Alguém sabia que ela estaria ali. Quero análise das câmeras, rastros de sabotagem, qualquer presença estranha. Silenciosamente. Não quero que causem alarde. E não parem até me darem uma resposta.
Os três assentiram e desapareceram no corredor como sombras.
Agora, naquela mesma noite, Kaleb organizava algo que não podia adiar. Um jantar. Formal. Diplomático. Com a família Milano.
Dacaria Milano. A única filha — ou como o próprio pai descrevia, o herdeiro que nasceu mulher. Kaleb ainda ouvia a voz de Rodrigo em tom de brincadeira: "Ela é uma arma. Perfeita pra você. Só não sei se você sobrevive a ela". Ele mesmo achava que não.
Dacaria era diferente de todas. Não usava saltos, não ria demais. Tinha um ar de soldado disfarçado, mesmo quando tentava parecer cortês. No baile, ela chamara atenção ao usar um terno escuro e coturnos, enquanto todas as outras estavam enfeitadas como bonecas de porcelana. Kaleb se interessou no mesmo segundo.
E agora, ali estava ele. Ajustando a gola da camisa, parado no topo da escadaria principal, pronto para recebê-la.
O jantar foi instalado no salão de inverno. O ambiente era acolhedor, luzes suaves, pratos refinados e garçons silenciosos. A família Milano era composta por poucas pessoas — o patriarca severo, a mãe de sorriso forçado e Dacaria... que naquela noite, para surpresa de todos, estava de vestido longo.
Um vinho bordô, fenda lateral e um decote discreto, mas audacioso entre os seios. Kaleb quase arquejou ao vê-la.
Rodrigo e Erik trocaram um olhar cúmplice do outro lado da mesa. Rodrigo sussurrou:
— Ele vai ter trabalho com essa aí.
— Ou ela que vai ter trabalho com ele — Erik completou com um sorriso.
O jantar foi cordial. Tenso, mas contido. Negociações veladas, perguntas políticas disfarçadas de curiosidade familiar. A cada olhar trocado entre Kaleb e Dacaria, uma faísca silenciosa surgia.
Após a sobremesa, Kaleb se levantou e, com um gesto leve, convidou Dacaria para caminhar no jardim. Ela assentiu, erguendo o vestido com cuidado.
— Se eu tropeçar e cair como sua irmã, não quero médicos da máfia cuidando de mim — ela disse, sarcástica.
— Se você tropeçar, eu seguro — Kaleb respondeu, com um meio sorriso.
Caminharam sob as luzes tênues dos postes antigos e o perfume das flores noturnas. O silêncio entre eles era carregado de subtexto.
— Então — ela começou, olhando para o próprio decote com desdém —, gostou da produção de hoje?
— Confesso que me pegou de surpresa — ele respondeu. — Mas o terno e os coturnos combinam mais com você.
Ela sorriu pela primeira vez naquela noite, um sorriso pequeno, mas genuíno.
— Meu pai me obrigou a usar isso. Disse que preciso parecer "apresentável" se quiser algum dia casar com o herdeiro de Erik Moreau.
Kaleb arqueou uma sobrancelha.
— E você quer isso?
— Usar vestidos ridículos? Claro que não. — Ela olhou diretamente nos olhos dele. — Casar com você? Ainda estou decidindo. Você não parece completamente inútil. Só meio.
Kaleb riu. Era a primeira vez em dias que conseguia rir sem esforço.
— Já é mais do que algumas disseram de mim. Acho que estou no lucro.
Pararam diante de uma fonte de pedra. Dacaria passou os dedos pela água, depois se virou de frente para ele.
— Olha, Kaleb... se esse jantar todo for uma formalidade pra decidir se a gente vai casar ou não, te aviso logo: eu não sou boneca de vitrine. Não vou sorrir pra fotos nem parir herdeiros em silêncio. Se você quer uma parceira... eu posso ser. Mas nunca vou ser uma sombra sua. Nem de ninguém.
Kaleb ficou em silêncio por alguns segundos. Depois respondeu:
— Eu não quero sombras. Quero alguém que não precise que eu salve o tempo todo. Alguém que lute ao meu lado. Alguém que, se preciso, me desafie.
Ela o olhou por um momento mais longo. Um relâmpago brilhou ao longe no céu.
— Bom. Então talvez... a gente tenha uma chance.
Voltaram para dentro quando a noite começou a esfriar. Kaleb a conduziu até a porta. Antes de entrar novamente no salão, Dacaria se inclinou e murmurou no ouvido dele:
— Ah, e aproveita essa última visão minha com decote. Da próxima vez, vai ser colete tático e munição nos bolsos.
Kaleb apenas sorriu.
A noite terminou sem mais alarde, mas no fundo de sua mente ele sabia: uma nova guerra já havia começado. E talvez Dacaria fosse sua maior aliada... ou seu maior desafio.
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Atualizado até capítulo 32
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