Sombra e Desejo: O Sangue Que Nos Une
Os ventos que sopravam sobre a cidade de Dérion carregavam mais do que poeira. Carregavam lembranças. Carregavam peso. Carregavam legado.
Kaleb Elekô Kovak Moreau estava sentado no alto do terraço da mansão afastada onde moravam agora, os olhos fixos no horizonte dourado do entardecer. Vestia roupas simples, mas o semblante carregava uma profundidade que poucos de sua idade possuíam. Aos dezoito anos, era alto, de ombros largos, a pele negra iluminada pela luz suave, os cabelos cacheados cortados com precisão. Mas o que mais chamava atenção era o olhar: firme, denso, acostumado a ver e carregar mais do que devia.
Debaixo da varanda, Amaya Vallentina Kovak Moreau corria descalça pelo jardim, agora com treze anos. Seus cachos pulavam com o vento e o vestido lilás flutuava como uma sombra de infância que insistia em permanecer, mesmo que o mundo já não fosse feito de inocência.
Erik observava os dois da porta envidraçada da sala. Ainda era o mesmo homem de antes — olhos cinza, presença dominante —, mas agora com fios prateados na barba e um cansaço nos ombros que só pais que sobreviveram à guerra carregam. Rodrigo, mais calmo, preparava café na cozinha, a camisa branca dobrada até os cotovelos, os olhos atentos a cada movimento de Erik.
— Ele tá sentindo, né? — Rodrigo disse em voz baixa, entregando uma xícara ao marido.
Erik pegou o café sem desviar o olhar de Kaleb.
— Tá. — Respondeu, seco. — Ele sempre sentiu. Só não queria aceitar. Agora não tem mais escolha.
Do lado de fora, Kaleb recebeu uma notificação no celular. Uma mensagem com remetente desconhecido. Abriu com calma. Era uma única frase:
"O trono não espera. O herdeiro deve se apresentar."
Junto à mensagem, uma imagem antiga: Erik em trajes cerimoniais mafiosos, rodeado por símbolos da Velha Guarda. Kaleb franziu o cenho. Não era a primeira vez que recebia algo assim nos últimos meses, mas essa mensagem... não era um aviso. Era uma convocação.
Desceu do telhado com a leveza de quem estava acostumado a escapar da altura. Ao entrar na sala, encontrou Erik já sentado, os olhos nele como se já soubesse.
— Recebi outra mensagem. — Kaleb falou direto.
— Eu sei. — Erik respondeu, firme. — Eu autorizei o envio.
O silêncio engoliu a sala. Rodrigo ergueu os olhos da bancada. Amaya parou na porta da cozinha, encarando os três.
— Como assim você autorizou? — Kaleb se aproximou. — Você me testou?
— Eu preparei o mundo, Kaleb. Não posso proteger vocês pra sempre. — Erik se levantou. — Você carrega nosso nome. Nosso sangue. E agora, precisa carregar o resto também.
— Você me prometeu uma vida longe disso. Você me criou como filho, não como soldado.
— E você é meu filho. Por isso mesmo, eu te dei todas as armas: morais, emocionais e reais. Mas agora, chegou a hora de decidir o que fazer com elas.
Rodrigo colocou a mão no ombro de Kaleb.
— A gente não quer que você viva o que a gente viveu. Mas o mundo... ainda respira máfia. E estão esperando que o herdeiro se levante.
Kaleb se afastou, as mãos na cabeça.
— E a Amaya?
— Ela não vai passar por isso — Erik disse, firme. — É você que vai impedir.
O nome de Amaya calou qualquer rebeldia. Kaleb olhou para a irmã que agora o observava em silêncio, olhos grandes, confiantes. Ela não compreendia tudo, mas sabia que algo estava mudando. E confiava nele. Sempre confiou.
No dia seguinte, Kaleb foi levado por Erik até um galpão antigo, escondido entre os portos de uma cidade vizinha. Lá dentro, o ar era pesado. Um salão imenso, repleto de velhos símbolos e objetos de cerimônias mafiosas, muitos que Kaleb só havia visto em fotos. No centro, uma cadeira de madeira escura, com detalhes em ferro e couro. O Trono.
— Isso não é só um assento. — Erik apontou. — É um pacto. Se você sentar aí, o mundo volta a enxergar a máfia Moreau como ativa. E vão vir atrás de você. Você vai ter que liderar, julgar, proteger. Matar, se for preciso.
— E se eu não sentar?
— Eu te entendo. E aceito. Mas aí... alguém vai ocupar esse trono no seu lugar. E talvez esse alguém decida que Amaya não merece ser livre.
Kaleb fechou os olhos. Respirou fundo. Era jovem, sim. Mas dentro dele moravam fantasmas que não deixavam sua alma descansar. Não conseguia ver sua irmã sendo vendida, usada, obrigada a casar como tantas outras. Não depois de tudo o que sua família havia construído.
Ele caminhou até a cadeira. Olhou para Erik, que apenas assentiu. Com um movimento firme, Kaleb sentou. O assento parecia vivo. As paredes pareciam respirar com ele. O legado estava ativado. O herdeiro tinha sido coroado.
Erik se aproximou e colocou sobre seus ombros um casaco escuro.
— Bem-vindo de volta à guerra, filho.
—
Na mansão, Amaya assistia tudo por uma tela escondida. Rodrigo estava ao seu lado, em silêncio.
— Ele vai ficar bem, né? — Ela perguntou, insegura.
Rodrigo olhou para a filha, depois para a imagem de Kaleb no trono.
— Vai. Porque ele tem por quem lutar.
E o mundo... nunca mais seria o mesmo.
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Atualizado até capítulo 31
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