Capítulo 3 - O passado que sangra

O trovão rasgou o céu como uma lâmina, e a loja tremeu com o impacto. Lisa engoliu em seco quando sentiu a temperatura despencar. As cinzas das flores no chão começaram a se agitar, flutuando como poeira viva.

Darius percebeu primeiro. Seus músculos se tensionaram e sua mão deslizou até a espada na lateral do sobretudo.

— Fique atrás de mim, Lisa.

— O quê? — a voz dela saiu trêmula. — O que está acontecendo?

Antes que ele respondesse, uma sombra surgiu do nada, engolindo o canto da loja. Uma risada grave ecoou, fazendo as vidraças racharem como gelo.

— Darius… — a voz soou como um veneno antigo. — Quantos anos se passaram desde que você tentou me matar?

Lisa girou a cabeça e viu Kael emergir das trevas, agora sem qualquer máscara de humanidade. Chifres negros arqueados para trás, asas enormes que pareciam feitas de fumaça viva, marcas carmesins queimando pelo corpo musculoso. Seus olhos vermelhos brilharam quando encontraram os dela.

— E a pequena flor ainda está intacta… por enquanto.

— Afaste-se dela, Kael, ou vou terminar o que comecei. — Darius deu um passo à frente, a lâmina em punho. Rúnicas vermelhas se acenderam na espada, iluminando a cicatriz no rosto dele.

Kael riu, e a risada reverberou nas paredes.

— Sempre tão arrogante. Mas… — seus olhos deslizaram para Lisa — … pelo visto, você falhou em mantê-la longe de mim.

Lisa franziu a testa, sentindo o coração disparar.

— O que ele quer dizer com isso, Darius?

Darius não olhou para ela.

— Não ouça nada que ele disser. Ele é um manipulador.

Kael inclinou a cabeça, sorrindo com crueldade.

— Manipulador? Oh, Lisa, eu apenas falo verdades que ele nunca vai ter coragem de te contar. Pergunte a ele sobre a noite do fogo. Pergunte… por que parte de mim queima dentro de você.

Lisa sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

— O que ele está falando? Darius…?

— Depois, Lisa! — Darius rugiu, erguendo a espada no instante em que Kael avançou. A lâmina encontrou as garras do demônio em um estrondo que fez o chão rachar.

Lisa caiu de joelhos, protegendo a cabeça dos estilhaços. As asas de Kael cortaram o ar como lâminas negras, mas Darius bloqueou, girando a espada com movimentos rápidos e precisos.

— Você devia ter ficado morto, Kael! — Darius gritou, golpeando com força.

— E você devia ter ficado longe do que nunca foi seu! — Kael rugiu, empurrando-o contra a parede com uma força monstruosa.

Lisa viu Darius ser arremessado contra o balcão, a madeira se partindo sob o impacto.

— Darius! — gritou, correndo até ele.

Ele tossiu sangue, mas segurou a espada com firmeza.

— Lisa… corre. Agora!

— Não! — ela gritou de volta, os olhos brilhando com raiva. — Não vou deixar você lutar sozinho!

As cinzas no chão começaram a se agitar novamente, respondendo à voz dela. Lisa sentiu uma energia subir pelos braços, quente como fogo. Quando Kael avançou para golpeá-la, as cinzas explodiram em chamas vermelhas, formando uma barreira entre eles.

Kael recuou, os olhos se estreitando com surpresa.

— Então é verdade… — murmurou, com um sorriso perigoso. — O coração ainda responde.

Lisa olhou para as mãos, cobertas por um brilho carmesim.

— O que… o que está acontecendo comigo?

Darius se ergueu, apoiando-se na espada.

— Não pense nisso agora! Use isso, Lisa! Lute!

Kael riu baixo, as asas se abrindo até tocar o teto.

— Lute, pequena flor. Vamos ver qual lado do inferno você escolhe.

Com um rugido, ele lançou as sombras contra os dois. Lisa ergueu as mãos instintivamente, e raízes incandescentes brotaram do chão, bloqueando parte do ataque. Darius avançou pela brecha, lâmina erguida, mirando o coração do demônio.

O choque que se seguiu fez a loja inteira explodir em luz e trevas.

O mundo girava em meio à fumaça e ao calor do fogo que consumia a loja. Lisa tossiu, os olhos ardendo, procurando Darius entre os escombros.

— Darius! — gritou, mas a resposta não veio.

Antes que pudesse dar outro passo, algo envolveu sua cintura — frio, líquido, vivo. Uma sombra se enroscou nela como uma serpente, erguendo-a do chão. Lisa gritou, debatendo-se, mas foi inútil.

— Solta-me!

— Shhh… — a voz de Kael soou rente ao ouvido dela, como um veneno doce. — Lutar contra mim é inútil, flor. Você sabe disso.

A escuridão a engoliu antes que pudesse gritar por ajuda. Tudo se dissolveu em trevas e vento, até que Lisa sentiu o chão firme sob os pés novamente. Quando abriu os olhos, estava em um lugar que parecia um templo em ruínas, iluminado por chamas negras que queimavam sem calor. O ar era denso, cheio de ecos, e as paredes pareciam pulsar como carne viva.

Kael estava diante dela, as asas recolhidas, mas sua presença ainda era sufocante. Ele caminhava devagar, os passos ecoando como batidas de um coração doente.

Lisa recuou, tentando manter a voz firme.

— Por que me trouxe aqui?

Kael sorriu, um sorriso lento, perigoso, mas carregado de algo que ela não esperava: dor.

— Porque você… é minha.

— Eu não sou sua! — Ela cuspiu as palavras, com a raiva queimando no peito.

Ele parou diante dela, inclinando-se, os olhos vermelhos brilhando à luz das chamas negras.

— Não? Então por que sente isso? — Kael tocou de leve o peito dela, bem sobre o coração. Lisa arfou, sentindo uma onda quente percorrer seu corpo, como se algo pulsasse ali, respondendo ao toque dele. — Ou vai fingir que não percebeu?

Lisa apertou os punhos.

— O que você fez comigo?

— Eu? — Kael riu baixo, mas havia algo amargo no som. — Ele fez isso. Darius. O caçador perfeito. O herói… que roubou o que era meu e o colocou em você.

Lisa sentiu o estômago revirar.

— Do que está falando?

Kael deu um passo atrás, como se medisse as palavras.

— Há anos, quando ele tentou me matar… não conseguiu. Em vez disso, arrancou uma parte da minha essência. E para manter o equilíbrio, para não ser consumido pelo mesmo poder que roubou… ele colocou essa parte dentro de alguém. Dentro de você.

O coração de Lisa disparou.

— Não…

— Sim, flor. — Kael sorriu, um sorriso triste e cruel ao mesmo tempo. — Você é a lâmina que ele escondeu em um corpo humano. Você é o meu coração perdido.

Lisa sentiu as pernas falharem. Sua mente gritava para negar, mas algo dentro dela ardia em concordância — aquela mesma força que despertara na luta.

— Então… eu sou…

— Metade dele. Metade minha. — A voz de Kael era um sussurro, mas cada palavra pesava como ferro. — E isso… nos torna ligados de uma forma que nem os deuses podem quebrar.

Lisa ergueu os olhos para ele, e por um segundo viu algo diferente naqueles rubis ardentes: dor. Solidão.

— Por que está me dizendo isso? Para me manipular?

Kael se aproximou, as sombras se movendo como se respirassem com ele.

— Não, Lisa. Estou dizendo… porque quero que escolha. Ficar do lado dele… ou entender quem você realmente é.

Ela respirou fundo, o peito queimando, a mente em caos.

— Eu não vou escolher você.

Kael sorriu, aproximando o rosto até seus lábios quase tocarem o ouvido dela.

— Não precisa escolher agora, flor. Mas quando o seu coração gritar… eu estarei ouvindo.

E antes que ela pudesse reagir, as sombras ao redor começaram a se mover, prendendo-a em correntes escuras que brilhavam como obsidiana viva.

— Durma, Lisa. Quando acordar… será hora de decidir.

As sombras se fecharam, e tudo mergulhou no escuro.

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