Capítulo 2 - Ecos do Inferno

Lisa ainda ofegava no chão, as cinzas das flores brilhando ao seu redor como brasas adormecidas. O silêncio após a tempestade parecia pesado demais, mas dentro dela algo gritava, algo que não sabia nomear. Poder. Fúria. Medo. Tudo misturado.

Então, a porta da loja, que estava destruída, rangeu. Um passo firme ecoou pelo piso molhado. Lisa ergueu os olhos, ainda tremendo, e viu uma sombra alta cruzar a soleira.

Um homem entrou, vestindo um sobretudo escuro encharcado pela chuva. O capuz escorreu, revelando cabelos negros como a noite, caindo em mechas pesadas sobre um rosto marcado por uma cicatriz que cortava do supercílio até a mandíbula. Seus olhos — frios como lâminas — percorreram o caos da loja antes de pousarem nela.

Por um instante, Lisa sentiu que aquele olhar atravessava sua alma.

— Você o encontrou… — disse ele, a voz grave, carregada de uma fúria contida. — Ou melhor… ele encontrou você.

Lisa tentou se erguer, mas suas pernas falharam. O estranho avançou com passos longos, parando diante dela. Sua presença era tão intensa quanto a do demônio, mas diferente: sólida, afiada, como aço.

— Quem… quem é você? — sussurrou Lisa, ainda segurando as mãos queimadas pelo poder que despertara.

Ele agachou-se, fitando-a de perto. O brilho frio de seus olhos contrastava com a cicatriz que lhe dava um ar perigoso.

— Meu nome não importa agora. O que importa… é que você está viva. E isso significa duas coisas: ou você fez um pacto… ou… — Seus olhos percorreram as cinzas no chão. — … você é mais forte do que eu imaginava.

Lisa engoliu em seco, sentindo um arrepio na espinha.

— Por que está aqui?

Ele se ergueu, caminhando lentamente entre os destroços da loja. Seu sobretudo revelava um coldre com armas estranhas — lâminas negras, gravadas com símbolos, e algo que parecia uma arma antiga, mas pulsante como se fosse viva.

— Estou caçando esse demônio há anos, — respondeu, a voz baixa, quase um rosnado. — E pelo que vejo… agora ele está interessado em você.

Lisa apertou os punhos.

— Ele tentou me matar… ou me usar. Mas eu lutei.

O homem se virou, a cicatriz destacando-se quando um relâmpago iluminou o ambiente.

— Então você é a chave. — Ele deu um passo à frente, a sombra dele cobrindo-a por inteiro. — Se quer viver… vem comigo.

Do lado de fora, a tempestade rugia outra vez, e algo — um sussurro, um riso distante — cortou o ar. O demônio ainda estava por perto. Observando. Esperando.

Lisa olhou para o estranho. Sabia que sua vida tinha acabado de mudar. Mas será que podia confiar nele.

O trovão partiu o céu, iluminando por um instante as paredes quebradas da loja. Lisa sentiu o ar ficar pesado novamente, como antes, mas desta vez ainda mais denso, quase sólido, sufocante.

Darius parou, a mão indo instintivamente para a lâmina na lateral do casaco. Seus olhos endureceram, fitando o vazio atrás dela.

— Ele está aqui.

Antes que Lisa pudesse reagir, o vidro estilhaçado na porta tremeu, como se uma explosão silenciosa atravessasse o ar. Então, sombras invadiram a loja como tentáculos, deslizando pelas paredes e pelo chão, envolvendo tudo.

Uma voz ecoou, profunda, carregada de uma raiva antiga:

— Caçador… quantos anos se passaram?

Do meio da escuridão, ele surgiu. Kael. A mesma presença esmagadora, mas agora sem qualquer máscara humana. Chifres curvados reluziam sob a luz fraca dos relâmpagos, asas negras abertas como um manto vivo. Seus olhos, duas brasas ardentes, cravaram-se em Darius.

Lisa recuou, sentindo as cinzas das flores tremerem no chão como se respondessem à chegada dele.

Darius sorriu, um sorriso frio, letal.

— Kael. Ainda vivo. Uma pena.

O demônio riu, e a risada soou como ferro arranhando pedra.

— E você ainda insiste em me caçar… depois do que fez? Depois do que arrancou de mim?

Lisa piscou, confusa.

— O que… o que ele está dizendo?

Kael avançou um passo, a madeira do piso queimando sob seus pés.

— Pergunte a ele, pequena flor. Pergunte a esse herói quebrado o que esconde atrás dessa cicatriz.

O olhar de Lisa se virou para Darius, mas ele não desviou os olhos do demônio. Sua mão segurava firme a espada, cuja lâmina agora brilhava com runas carmesins.

— Não a envolva nisso, monstro. Essa é a nossa guerra.

Kael ergueu as asas, e as sombras ganharam forma, transformando-se em lâminas vivas, serpentinas escuras prontas para atacar.

— Nossa guerra? — rugiu. — Você arrancou minha alma das chamas e a dividiu! Você roubou o que era meu, Darius!

O caçador deu um passo à frente, e por um segundo, Lisa viu o brilho frio de algo muito além da raiva: culpa.

— Eu faria de novo. Quantas vezes fosse preciso.

Antes que qualquer palavra pudesse ser dita, o chão tremeu. As sombras dispararam como lanças em direção a Darius, que ergueu a espada, criando uma barreira de luz vermelha. O impacto fez as paredes explodirem em estilhaços, o teto ceder parcialmente.

Lisa foi lançada contra o balcão, o coração disparado, tentando entender o que estava acontecendo. Do meio da fumaça, viu Darius girar a lâmina e lançar um golpe contra Kael, que desviou com uma velocidade impossível, sua asa cortando o ar como uma foice.

— Você não vai levá-la, — rugiu Darius.

— Ela já é minha, — respondeu Kael, com um sorriso cruel. — Sempre foi.

Os dois colidiram novamente, luz contra trevas, e cada golpe fazia o chão rachar. As flores queimadas no chão começaram a brilhar, reagindo ao caos. Lisa sentiu uma energia subir pelo corpo, como se algo dentro dela fosse acordado pelo conflito.

Então, a voz de Kael ecoou mais uma vez, como um sussurro na mente dela:

— Lisa… você quer saber por que sente isso? Pergunte a ele… o que fez com o meu coração.

A lâmina de Darius encontrou as garras do demônio, faíscas voando no ar. Lisa olhava para os dois, o sangue pulsando nas têmporas. A loja não ia aguentar por muito tempo. Mas no meio da destruição, uma certeza queimava dentro dela:

Esse não era apenas um duelo entre caçador e demônio. Era sobre ela. Sobre algo que corria em suas veias.

E talvez… algo que não deveria despertar.

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