...Felipe...
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Na manhã seguinte, o barulho do celular de serviço despertou Felipe antes mesmo do sol nascer. Ele passou a mão pelo criado-mudo, atendeu sem nem abrir os olhos, ainda estava de ressaca da noite passada, a qual havia se divertido muito.
— Fala, Douglas.
— Levanta daí, seu preguiçoso. O delegado quer a gente cedo hoje, reunião urgente - disse seu amigo.
Felipe resmungou, passou a mão pelo rosto e por seu cabelo, logo sentou na beira da cama, ainda acordando.
— Já tô indo.
Enquanto se arrumava, desceu para a cozinha para terminar de colocar a farda e se surpreende ao ver que Laura já estava lá preparando café, com o cabelo preso em um coque bonito, ela havia soltado mechas e faziam contorno em seu rosto.
— Bom dia — ela disse, sem virar completamente.
— Bom dia — Ele puxou uma cadeira e acendeu um cigarro. — Tem pão?
— Sim — Ela colocou um prato à frente dele. — Mas não precisa se preocupar, eu cuido do café da manhã.
Ele deu um meio sorriso
— Quem disse que eu tô preocupado? Eu só quero comer.
Laura o olhou de lado, balançou a cabeça e serviu o café
— Já vai sair cedo? — ela perguntou, quase num sussurro.
— Delegacia nunca espera. — Ele levantou, pegou a jaqueta. — Se precisar de algo, fala com a Cida.
Laura assentiu, e ele saiu sem olhar para trás terminando de comer seu pão e tomar o café.
...
Na delegacia, o clima era outro. Douglas estava encostado na mesa, com a xícara de café, e Henrique mexia em alguns papéis.
— Até que enfim, doutor herdeiro — Douglas debochou. — Dormiu bem com a camareira?
Felipe estreitou os olhos. — Cuidado com o que fala, Douglas.
Henrique riu, entrando na provocação. — Ih, pegou na veia. Esse aí tá é defendendo.
Felipe jogou a pasta sobre a mesa. — Se não tem nada útil pra falar, fica calado -- Fala como se tivesse zangado, mas na verdade ainda estava brincando.
O delegado entrou, encerrando a palhaçada, no exato momento os três se indireitou. Ele entregou uma pasta com fotos de um assalto violento no bairro vizinho.
— Quero vocês três nisso. Tem suspeita de ligação com a mesma quadrilha que atua no morro.
Felipe folheou as fotos, reconhecendo símbolos pichados nos muros e sentiu a sua tensão crescer cada vez mais.
...
O dia tinha sido longo na delegacia. Mais um caso sem solução rápida e uma pilha de relatórios esperando sobre a mesa. Felipe estacionou a caminhonete na frente da casa e respirou fundo antes de descer. Gostava de silêncio, mas desde que Laura começara a trabalhar ali, a casa já não parecia tão vazia.
Entrou pela sala e ouviu o barulho de pratos na cozinha.
— Já voltou? — a voz dela ecoou, sem levantar os olhos quando ele apareceu na porta.
Felipe apenas assentiu, pendurando o paletó na cadeira. Observou-a por um instante, em pé diante da pia, os cabelos presos de qualquer jeito, os braços cobertos de sabão. Trabalhava rápido, como se quisesse terminar tudo antes mesmo da hora.
— Não precisa lavar agora — murmurou ele, mais sério do que pretendia. — Pode deixar para amanhã.
Laura secou as mãos no pano de prato e ergueu os olhos.
— Prefiro adiantar — respondeu, firme.
Felipe não retrucou. Havia algo no jeito dela que sempre parecia uma defesa, como se esperasse ser questionada a cada movimento.
Sentou-se à mesa, abriu alguns papéis da pasta que trouxera e tentou se concentrar. Mas o som dos talheres sendo guardados insistia em distrair sua atenção e começou a encarar ela, Laura, ao notar o olhar, desviou rapidamente e fechou o armário.
— Boa noite, senhor — disse seca, caminhando em direção à porta.
Ele apenas fez um leve aceno com a cabeça.
Quando a porta se fechou, ficou sozinho com os relatórios espalhados. Mas não leu uma linha sequer.
Por que essa menina me incomoda tanto? pensou, passando a mão pelo rosto. Não era interesse — não podia ser. Era outra coisa. Talvez por estar sempre em alerta, talvez pelo silêncio carregado de mistérios que ela trazia junto dela.
Bufou, empurrou os papéis para o lado e se levantou. Precisava descansar, não pensar.
Ainda assim, ao deitar, a última imagem que veio à sua mente foi a de Laura na cozinha, os olhos firmes e distantes.
....
O despertador tocou às cinco em ponto. Felipe nunca precisou de muito sono, mas naquela noite havia demorado mais que o normal para pegar no sono. Virava de um lado para o outro, a mente voltando sempre para a mesma cena que o atormentava a anos.
Levantou, fez café forte e se arrumou para mais um dia de trabalho.
Ao descer para a sala novamente depois de algumas horas e encontrou a mesa já organizada e o cheiro de pão fresco que já enchia o ambiente.
Laura estava ali, dobrando guardanapos.
— Bom dia, senhor.
Ele respondeu apenas com um aceno, como sempre. Mas seus olhos a seguiram por alguns segundos antes de se sentar.
— Está cedo — comentou ele, bebendo o café.
— Gosto de terminar antes. Assim sobra tempo para outras coisas.
Felipe franziu o cenho.
— Outras coisas?
Ela desviou o olhar.
— Nada importante.
Ele não insistiu, mas ficou pensando no que “outras coisas” significava.
O silêncio se instalou entre eles. Só o barulho da xícara sendo pousada sobre o pires quebrava o clima.
Felipe ajeitou a gravata e se levantou.
— Não precisa se apressar tanto.
Laura parou o movimento, surpresa com a frase.
— Estou apenas cumprindo meu trabalho.
— Eu sei — respondeu, firme, caminhando até a porta. — Mas não quero ninguém se esgotando aqui.
Ela não retrucou. Apenas ficou ali, observando-o sair.
No carro, a caminho da delegacia, Felipe se pegou batendo os dedos no volante, incomodado. Não entendia por que sentira necessidade de dizer aquilo. Nunca se importou com empregados, além da Cida ou com o ritmo que mantinham
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Atualizado até capítulo 37
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