O peso da coroa e a sombra de Helena

A bomba havia sido lançada. A quietude forçada do Palácio de Évora explodira em um turbilhão de choque e fúria, e no centro de tudo, Lívia Lancaster, a princesa "descartável", emergia com uma ousadia que ninguém jamais vira. A mentira da gravidez, proferida com tal convicção, não era apenas um ato de desespero; era o grito de uma alma aprisionada por anos, um grito pela liberdade que a realeza jamais poderia lhe dar. O porquê de tanta audácia, de tamanha decisão de abandonar o palácio, era uma teia complexa de sentimentos e experiências que o leitor precisava desvendar.

    A Sombra de Helena: Uma Vida de Segundões

Lívia era a filha mais nova, a "outra" princesa, sempre ofuscada pela primogênita, Helena. Desde a infância, Helena era o epítome da perfeição real: graciosa, obediente, sempre com a postura impecável e a resposta certa na ponta da língua. Era Helena quem brilhava nos eventos, quem recebia os elogios dos chefes de estado e quem, desde cedo, era preparada para seu destino real. Lívia, por outro lado, era a artista, a sonhadora, a que preferia os estábulos à sala de baile, os livros de aventura aos tratados de diplomacia. Essa diferença, embora sutil, criou uma lacuna intransponível em seu relacionamento com os pais.

Para o Rei e a Rainha, Lívia era uma preocupação constante, uma figura rebelde que ameaçava a imagem impecável da monarquia. Seus talentos artísticos eram vistos como "distrações" e suas opiniões independentes, como "teimosia". Enquanto Helena recebia aulas de protocolo e diplomacia, Lívia era discretamente direcionada para "passatempos adequados", sempre com um lembrete velado de seu lugar secundário.

   O Casamento de Helena: A Deixa Final

O anúncio do casamento de Helena foi o catalisador que empurrou Lívia para o limite. Era um evento grandioso, o ápice da estratégia real de seus pais, que viam na união de Helena uma aliança política e econômica crucial. Cada detalhe da vida de Helena era celebrado, cada vestido, cada prova, cada encontro com o noivo era manchete. Lívia se viu reduzida a uma mera dama de honra, um acessório, sem voz ou importância real em sua própria casa. Ela não era consultada sobre nada, suas opiniões eram ignoradas, e sua própria existência parecia ser uma inconveniência em meio ao esplendor da irmã.

A festa da noite anterior, onde ela conheceu Jean, não foi apenas tediosa; foi um lembrete doloroso de sua própria insignificância. Todos os olhares estavam em Helena, em seu futuro brilhante, em sua "perfeita" vida arranjada. O desdém de seus pais, antes velado, tornara-se quase explícito. Eles a viam como um peso, um risco, alguém que precisava ser "guardada" para evitar qualquer escândalo.

          A Fuga e a Prova de Valor

Sair do palácio, encontrar Jean, e a noite de paixão e o contrato impulsivo, foram a manifestação de um desespero profundo por ser vista, por ser importante para alguém. A decisão de casar-se com Jean, e a audácia de inventar a gravidez, não era sobre amor à primeira vista, mas sobre a chance de se redefinir. Ela estava farta de ser a "reserva", a "princesa menor". Ao casar-se com um bilionário poderoso como Jean Wincher – um homem que, surpreendentemente, a via e a ouvia – Lívia estava, em sua mente embriagada e exausta, finalmente tomando as rédeas de seu próprio destino. Ela estava provando que não era descartável, que tinha valor, e que poderia forjar seu próprio caminho, mesmo que isso significasse uma saída barulhenta e escandalosa do casulo real que a sufocava.

Ela não estava apenas fugindo do palácio; estava fugindo de uma vida inteira de sombras, de comparações, e de uma existência sem propósito próprio. Jean, na sua impulsividade e inesperada cumplicidade, oferecia uma porta, uma chance de recomeçar onde ela não seria apenas "a irmã da rainha", mas a sua própria pessoa.

    O Ultimato Real e a Fuga Planejada

O silêncio chocado que se abateu sobre o Salão de Desjejum, após a bomba de Lívia sobre a suposta gravidez, foi rapidamente substituído por uma nova onda de fúria – mas não a que Lívia esperava. O Rei, com o rosto ainda pálido, e a Rainha, tremendo, não demonstraram a consternação que se esperaria de pais diante de uma notícia tão escandalosa. Não, a preocupação deles era outra.

O Rei, retomando o fôlego com dificuldade, bateu na mesa. "Gravidez?", ele bufou, um som de desdém que cortou o ar. "Isso é... é um detalhe irrelevante agora! Uma distração!" Ele olhou para Jean com uma urgência que beirava o desespero. "Senhor Wincher, eu exijo que leve a Princesa Lívia deste palácio o mais rápido possível."

A Rainha, que antes parecia prestes a desmaiar, recuperou a compostura com uma velocidade assustadora, a máscara de frieza real se repondo. "Isso não pode atrasar os preparativos do casamento de Helena!", ela sibilou, os olhos faiscando para Lívia. "Este escândalo... esta distração inoportuna... não pode ofuscar o grande dia de sua irmã."

Lívia sentiu um golpe no estômago, mais forte do que qualquer ressaca. A probabilidade de uma gravidez – real ou inventada – era uma preocupação secundária para eles. Sua existência, e agora seu "escândalo", era apenas um obstáculo aos planos cuidadosamente arquitetados para Helena. Ela não era uma filha em apuros; era um empecilho. A frieza de seus pais era um balde de água fria na pouca esperança que ainda tinha de serem "pais" e não apenas "monarcas". O que quer que sentisse pela noite anterior, agora sabia que sua "fuga" era mais justificada do que nunca.

Jean, que observava a cena com uma mistura de surpresa e cálculo, percebeu a profundidade da dinâmica familiar. O sorriso ousado em seu rosto se suavizou um pouco ao ver a expressão ferida de Lívia. Ele compreendeu que sua nova "esposa" não estava apenas sendo rebelde; ela estava lutando por sua própria dignidade.

"Compreendo, Vossa Majestade", Jean respondeu, sua voz calma e controlada, em total contraste com a histeria real. "A Princesa Lívia e eu partiremos imediatamente para uma das minhas residências. Providenciarei os arranjos para o casamento civil e, é claro, a cerimônia oficial que considerarem apropriada para a realeza, assim que os detalhes forem acertados."

Ele se virou para Lívia, estendendo a mão para ela com um gesto que era ao mesmo tempo de apoio e posse. "Princesa Lívia, creio que temos um casamento para planejar. E um novo lar para você."

Lívia olhou para a mão estendida de Jean, depois para os rostos impacientes de seus pais, que já pareciam estar mentalmente afastando-a de suas preocupações. Sem uma palavra, ela pegou a mão de Jean, um silêncio eloquente entre eles. Era o fim de sua vida no palácio, e o início de algo completamente desconhecido.

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