Cap. 4

— E quem seria essa pessoa?

A pergunta veio como um estalo. Seca, atravessando o ar abafado da sala.

Não me virei para ver quem havia perguntado. Não importava.

Meus olhos estavam fixos nas tábuas antigas do chão, gastas pelo tempo e pelas histórias que jamais foram ditas em voz alta. Respirei fundo. Levantei lentamente o queixo, sem pressa, como se carregasse o peso de todas as palavras que viriam a seguir. E então, com um tom calmo, quase indiferente, deixei a resposta escapar como quem revela uma sentença irrevogável:

— Tio Adam.

Aquelas duas palavras não soaram como um nome. Soaram como um golpe.

O ambiente congelou. O ar pareceu mais denso, difícil de respirar. Um segundo inteiro se esticou até se tornar eterno, antes que o som se espalhasse por todos os cantos da sala. E então, o silêncio — mas não o mesmo de antes. Este carregava espanto, tensão. Era um silêncio com peso, com forma.

Alguém soltou um suspiro audível, como se tivesse levado um susto. Outro riu brevemente, de nervoso, querendo acreditar que eu estava brincando, que aquilo era apenas um lapso. Mas não era.

As bocas se abriram, olhos se arregalaram. Ninguém conseguia esconder o choque. O nome de Adam era um fantasma naquela casa — e eu acabara de trazê-lo de volta, em carne e osso.

Foi minha avó quem rompeu o torpor. Ela não gritou. Nem precisou.

Sua voz cortou o ar com uma frieza cirúrgica. Uma frieza que doía mais do que qualquer berro:

— Aquele homem não sabe como criar uma criança, não seja imatura, Aria!

"Imatura."

A palavra bateu em mim com força, mas não pelo motivo que talvez ela esperasse. Não doeu por ser injusta. Doeu por ser reveladora.

Ali, na frente de todos, minha avó deixou escorregar sua verdadeira face. A máscara de matriarca zelosa, de mulher que lutou por todos — caiu. O verniz da bondade se rachou. Restou só o controle, a autoridade em ruínas. A urgência de quem sente o chão ceder e tenta, em desespero, agarrar o pouco poder que lhe resta.

— Ele é instável. Imprevisível. Nunca teve uma família!

Agora ela se inclinava à frente, os olhos cravados nos meus, a boca trêmula de tensão.

— Você está se deixando levar por sentimentos… infantis. Isso não é um jogo!

Havia mais gente na sala, mas era como se só nós duas estivéssemos ali, presas num duelo silencioso. Ainda assim, os outros reagiam. Alguns balançavam a cabeça em apoio, outros se entreolhavam, confusos. Um ou outro franzia a testa, tentando entender se havia escutado certo. “Tio Adam?” era uma frase que ainda ecoava em pensamento, desacreditada.

Ninguém sabia como reagir.

O nome dele quebrava todas as estruturas invisíveis daquela família — e isso os apavorava.

Mas eu…

Eu permanecia firme.

Não por orgulho, mas por certeza.

Tio Adam.

O homem que não estava presente — talvez justamente por isso ainda não tivesse me tratado como propriedade.

Ele era o erro da família, o desvio da linha que todos se esforçavam tanto para manter reta. O parente ausente, cujas decisões eram julgadas às escondidas… ou nem tanto. Mas, ao contrário de todos ali, ele nunca me moldou. Nunca me cobrou afeto. Nunca me pediu que eu fosse nada além de quem eu já era.

Ele apenas existia.

E me olhava como se realmente me visse.

Fechei os olhos por um instante, sentindo o peso do momento. Abri-os novamente e encarei minha avó, agora com uma serenidade que não combinava com minha idade.

— Ele não é perfeito — falei, devagar, fazendo cada palavra cravar fundo.

— Mas não mente sobre quem é.

Aquilo não era só uma resposta. Era uma ruptura.

A frase ecoou entre as paredes como um desafio, como uma verdade nua lançada num salão de verdades enfeitadas.

Foi dita para todos ali: os que me julgavam, os que me subestimavam, os que fingiam me proteger enquanto protegiam apenas a si mesmos.

Ela foi uma lâmina, cortando o teatro de herdeiros e lealdades forçadas.

Ninguém respondeu de imediato. Porque não havia o que dizer.

Só restava o incômodo. O desconforto de quem presencia algo verdadeiro, sem saber onde se esconder.

Minha avó apertou os lábios. As mãos tremiam levemente sobre o colo.

O orgulho ferido, refletido no brilho molhado dos olhos que se recusavam a ceder.

Mas eu não recuei.

Ali, naquele instante, eu me tornei algo que ela jamais esperava:

Incontrolável.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!