O quarto que Letícia recebeu era enorme, elegante e impessoal. As janelas altas deixavam entrar uma luz suave que não aquecia, e os móveis, embora luxuosos, pareciam dispostos de forma ensaiada, como um cenário montado para impressionar, não para acolher. Tudo era excessivamente organizado — os lençóis perfeitamente esticados, o armário já abastecido com roupas novas do seu tamanho, todas etiquetadas e dobradas com precisão. Nem nos tempos de luxo na casa dos pais ela tivera algo tão meticulosamente preparado.
E, ainda assim, ela se sentia uma intrusa.
Célia, a funcionária encarregada de acompanhá-la, era uma mulher de cinquenta e poucos anos, de voz calma, mãos ágeis e olhos que pareciam enxergar mais do que deveriam. Apesar da aparência austera, havia algo no modo como falava com Letícia que transbordava cuidado disfarçado de formalidade.
— Se precisar de qualquer coisa, basta me chamar. Meu quarto fica no fim do corredor. A porta estará entreaberta.
Letícia assentiu com um leve movimento de cabeça. Não queria parecer ingrata, mas também não sabia o que dizer. Estava exausta, mas não queria dormir. Estava faminta, mas o estômago se recusava a aceitar qualquer coisa.
— Célia… — chamou, antes que a mulher saísse.
— Sim?
— Há quanto tempo trabalha aqui?
Célia a olhou por um instante mais longo do que o necessário.
— Tempo suficiente para saber que essa casa tem mais segredos do que portas — respondeu, enigmática. — Mas também tempo suficiente para saber que nem tudo o que começa de forma errada precisa terminar assim.
E saiu, deixando Letícia com a mente fervilhando.
Nas horas seguintes, ela caminhou pela casa tentando entender o território em que havia sido jogada. O silêncio era quase absoluto, quebrado apenas por algum relógio distante ou o som abafado de passos. Passou pela biblioteca, pelo jardim interno, por corredores extensos que pareciam não levar a lugar algum. Percebeu que poucos cômodos tinham sinais de uso real. A mansão era habitada, sim, mas não vivida. Como se Heitor estivesse ali por obrigação, não por desejo.
No fim do corredor leste, encontrou uma porta entreaberta. Havia algo de diferente no ar — um cheiro suave de lavanda e livros antigos. Bateu suavemente antes de espiar.
— Pode entrar — disse uma voz feminina, enfraquecida, mas gentil.
Letícia entrou devagar. O quarto era acolhedor. As janelas estavam abertas, deixando o vento brincar com as cortinas. Sobre a cama, uma senhora de cabelos brancos e feições delicadas sorria para ela.
— Você deve ser a nova esposa do meu neto.
Letícia corou.
— Ainda não somos casados oficialmente… — respondeu, sentindo o peso daquelas palavras. — Eu sou Letícia.
— Eu sou Odete. Mas pode me chamar de vovó, se quiser. Faz tempo que ninguém me chama assim com afeto.
Aquela frase a tocou mais do que esperava. Letícia se aproximou, puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama.
— A senhora mora aqui há muito tempo?
— Desde que Heitor perdeu os pais. Fui mãe da madrasta dele. Ela me trouxe pra cá quando ele tinha doze anos.
Letícia hesitou antes de perguntar:
— E… a senhora gosta dele?
Odete sorriu de forma triste.
— Heitor é um homem bom. Só que esqueceu como se ama. Foi moldado no rigor, no silêncio, na dor. A mãe dele morreu muito cedo, e a mulher que veio depois… bom, digamos que ela não foi feita para ser mãe de ninguém.
Letícia engoliu em seco. O olhar da idosa era terno, mas carregava um cansaço acumulado por décadas.
— Ele não é um monstro, Letícia. Só está preso a uma armadura. E quando a gente veste uma armadura por tempo demais… esquece onde termina o aço e começa a pele.
A jovem abaixou os olhos. Não sabia o que sentia por Heitor ainda. Ódio? Raiva? Curiosidade? Talvez tudo ao mesmo tempo. Mas uma coisa era certa: por mais que se sentisse uma prisioneira ali, ele também parecia ser.
— Ele te tratou bem? — Odete perguntou de repente.
Letícia pensou por alguns segundos antes de responder.
— Ele foi educado. Frio, mas… direto.
— Então isso é um começo. Nessa casa, minha querida, até a frieza é uma forma de proteção.
Naquela noite, Letícia ficou deitada por horas sem conseguir dormir. As palavras de Célia, o olhar de Odete, o silêncio cortante de Heitor — tudo se misturava como peças de um quebra-cabeça que ela ainda não sabia montar.
Olhou para o envelope com o contrato pré-nupcial sobre a escrivaninha. Poderia rasgá-lo. Poderia fugir. Poderia explodir.
Mas não.
Ela precisava ser inteligente. Astuta. Sutil. Não ia se render, nem aceitar passivamente o papel que escreveram para ela.
Se Heitor Moretti achava que havia comprado uma garota submissa, ele logo descobriria que havia trazido para dentro de sua casa uma mulher disposta a lutar — mesmo que em silêncio. Mesmo que com as armas que ainda nem sabia usar.
E no escuro do quarto, enquanto a casa dormia, Letícia prometeu a si mesma:
Ela não seria apenas mais um nome num contrato. Ela faria daquela prisão, o começo da sua liberdade.
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Atualizado até capítulo 67
Comments
lua 🌙
gostando muito dos primeiros capítulos autora
2025-07-18
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lua 🌙
gostando muito dos primeiros capítulos autora
2025-07-18
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