Parte 5 – Novos Aliados
O dia já clareava no horizonte. O céu ganhava um tom pálido de laranja, e a estrada parecia não ter fim. Larissa acordou devagar, sentindo a nuca dolorida de tanto tempo encostada no vidro. Seu corpo doía — e não só pelo cansaço. Doía por dentro, pela confusão que remoía seu peito.
Abriu os olhos e olhou para Vitor. Ele mantinha as mãos firmes no volante, os olhos concentrados na estrada deserta. Parecia não piscar. Não respirar.
Ela passou a mão no rosto, tentando organizar os pensamentos.
— Porra, cara… — a voz dela saiu rouca — por favor… me fala ao menos onde estamos indo.
Vitor respirou fundo, como se estivesse ponderando se valia a pena falar.
— Estou indo encontrar um antigo aliado do meu pai. — O tom dele era baixo, controlado. — Ele sempre foi muito fiel à nossa família. Desde que eu era moleque, me disse que, se um dia tudo desse errado, era pra eu procurá-lo. Pois bem… hoje é o dia.
Ela soltou uma risada nervosa, cruzando os braços.
— Você pode, sei lá, parar de falar em código? Não tem roteiro de filme aqui, Vitor. Eu sou só… eu. Eu não aguento mais esse suspense, essa merda toda.
Ele virou o rosto apenas o bastante para que ela visse o olhar sério, pesado de quem já tinha matado e quase morrido.
— Larissa… só confia em mim. Vai se resolver. — E baixou o tom, quase como um carinho na voz. — Por favor. Se acalma.
Ela bufou, largou o corpo de volta no encosto e ficou em silêncio, mordendo o lábio. A estrada seguiu em linhas retas por horas.
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Fim da tarde — Interior do Rio de Janeiro
A caminhonete preta virou numa estrada de terra batida, ladeada por cercas antigas. À frente, uma pequena fazenda isolada. Uma casa simples, pintada de branco e azul, com a varanda larga e um galpão ao lado. Um cachorro velho dormia perto do portão.
Vitor parou o carro. Desceu primeiro. Antes de abrir a porta dela, lançou um olhar rápido ao redor — instinto de quem nunca relaxava. Só então ele estendeu a mão para Larissa.
— Vem.
Ela desceu devagar, sentindo o cheiro de mato úmido e lenha queimada. Um homem de cabelos grisalhos e bigode espesso surgiu na varanda. As rugas fundas no rosto não disfarçavam a presença firme que ele carregava.
— Senhor Antônio… — Vitor disse, tirando o boné.
— Menino… — O homem sorriu de leve e desceu os degraus com passos lentos. — Então chegou a hora que teu pai sempre dizia que chegaria.
Os dois se abraçaram como velhos companheiros de guerra. Larissa ficou parada, insegura, até ele olhar para ela.
— E essa moça?
— É… quem tava do meu lado quando ninguém mais tava. — Vitor falou sem hesitar. — Larissa.
O senhor Antônio fez um gesto de respeito com a cabeça.
— Aqui vocês têm meu teto. Minha palavra. Minha história com teu pai não foi pouca, Vitor. E agora é minha vez de pagar meus favores. — Ele apontou para o galpão. — Tenho um jatinho. A gente vai sumir daqui antes que teu rastro esfrie.
Vitor assentiu, aliviado pela primeira vez em dias.
— Obrigado.
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Viagem de jatinho — madrugada
Larissa nunca tinha entrado num avião tão pequeno. O motor roncava alto, e ela se agarrou ao braço de Vitor quase o tempo todo. Mas o medo do futuro superava o medo de altura.
Horas depois, pousaram numa pista de terra em meio a um descampado. Um letreiro antigo indicava o nome do município — estavam no Mato Grosso do Sul.
— Aqui é terra da minha sobrinha mais nova — disse Antônio, enquanto fechava a porta do jatinho. — O nome dela é Luna. Você vai encontrá-la. Ela vai te ajudar com tudo: segurança, suprimentos, armas. O que precisar.
Vitor balançou a cabeça, firme.
— Se eu puder contar contigo até reorganizar meus contatos, já é metade do caminho.
O velho colocou a mão pesada no ombro dele.
— Você é família. Tudo que precisar… conta comigo.
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A fazenda da Luna
O carro subiu uma ladeira estreita de terra vermelha. Lá em cima havia outra casa simples, mas muito bem cuidada, cercada de flores e galinhas soltas no quintal. Na varanda, uma mulher morena, cabelos lisos presos num rabo de cavalo, camiseta justa, calça jeans e botas de couro. O sol do início da manhã dourava o rosto bonito, sério.
Quando Vitor saiu do carro, ela sorriu, largou a enxada que segurava e veio até ele. O abraço foi rápido, quase formal.
— Luna. Quanto tempo. — Ele disse com um meio sorriso.
— Desde que você era só um moleque metido a durão. — Ela riu baixinho, mas o olhar tinha firmeza. — Chegou no dia certo. Tem quarto pronto, comida, tudo que precisar.
Larissa ficou de lado, meio sem jeito. Luna a observou, de cima a baixo, e depois estendeu a mão com educação.
— Sou Luna. Fica tranquila, aqui vocês estão seguros.
— Obrigada… — Larissa murmurou, apertando a mão dela.
Dentro da casa, Luna mostrou tudo com objetividade: o galpão de armas e munição, o pequeno escritório com computadores e rádios, e o quarto limpo onde eles ficariam.
Vitor largou a mochila e se virou para ela:
— Eu preciso entrar em contato com o Felipe, na Bolívia. Tenho que reorganizar as rotas. Essa pasta… — apontou para a maleta que carregava — tem tudo que tava na reunião. O que sobrou dos meus negócios.
— E eu vou ajudar — Luna garantiu. — Mas antes… — virou o olhar firme para Larissa — essa moça aqui vai aprender a se defender.
— Eu? — Larissa arregalou os olhos.
— Você. — Luna sorriu de canto. — Faixa preta em jiu-jitsu. Não vou deixar mulher nenhuma ficar indefesa nessa confusão.
Vitor se aproximou, passando a mão nos cabelos dela.
— Eu quero que você aprenda, Larissa. Eu… não sei quanto tempo vai durar essa calmaria.
Ela suspirou, sentindo o peso do destino que não tinha escolhido — mas que agora era seu.
— Tá bom. Me ensina.
E enquanto Luna mostrava onde ficavam os coletes, os rádios e os fuzis, Vitor ficou parado à porta, com o sol do Mato Grosso do Sul queimando seu rosto cansado.
Ali, entre o cheiro de terra e pólvora, ele entendeu que aquele era o começo de outra vida — uma vida que ele teria que lutar por cada dia.
E que, por mais que quisesse, não havia como voltar atrás.
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Atualizado até capítulo 55
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