Parte 3 – O Retorno
Semanas se passaram desde aquela noite diante da televisão. As chuvas deram trégua, mas o inverno parecia decidido a punir o Rio de Janeiro. O vento gelado cortava a pele, e as madrugadas ficavam longas demais.
Larissa tentava distrair a mente — séries, livros, longos banhos quentes — mas nada preenchia o vazio que ele tinha deixado. Cada vez que passava por um homem alto de casaco escuro, seu coração disparava num susto tolo. Todas as noites, deitava lembrando o cheiro dele na sua pele. E todas as manhãs, acordava sozinha.
Eu fui só mais uma?
A pergunta voltava sempre que ela fechava os olhos.
Naquela noite, o aeroporto estava quase tão vazio quanto seu peito. Era tarde, o último plantão antes de uma folga que ela esperava ansiosa. Quando bateu o ponto, colocou o fone de ouvido e deixou a voz suave da MPB preencher seus pensamentos.
O vento frio varria a calçada do ponto de ônibus. Ela ajeitou o cachecol no pescoço, distraída, quando passou por um homem recostado numa mureta, tragando um cigarro. O casaco preto parecia caro, diferente dos que via por ali. O cheiro do fumo misturado ao perfume dele bateu em sua memória antes mesmo da voz.
— Não sentiu minha falta?
O coração dela quase pulou para fora. O frio virou calor instantâneo. Virou-se devagar. Ele estava ali. Vitor. A mesma postura calma, os olhos castanhos profundos, o rosto sério e bonito iluminado pelos postes.
— Vitor… — sussurrou, sentindo o peito apertar.
Ele sorriu de canto. Deixou o cigarro no chão, pisou em cima e foi até ela. O abraço veio sem hesitação — e durou longos segundos, quentes, como se o tempo todo ele tivesse pertencido àquele espaço entre os braços dela.
Quando ela se afastou, tinha lágrimas brilhando nos olhos. Num ímpeto, começou a bater de leve no peito dele, entre riso e choro.
— Seu filho da mãe… Por que você sumiu? — disse, a voz embargada.
Ele levantou uma das mãos e segurou o rosto dela com delicadeza.
— Era pra você sentir saudade — respondeu, sério, mas com um brilho divertido nos olhos.
Ela riu, fungando, e passou os braços em volta do pescoço dele.
— E conseguiu. Conseguiu, seu idiota…
Ele encostou a testa na dela.
— Eu sei. — Seus dedos roçaram o contorno da boca dela. — E eu também senti.
Sem pressa, a guiou até o Corolla preto parado logo adiante. O carro parecia silencioso, discreto. Quando ela hesitou, ele abriu a porta do passageiro e roçou os lábios nos dela.
— Hoje você vai ser minha de novo.
O frio virou calor de novo. Ela sentiu medo — não dele, mas do quanto precisava dele. E mesmo assim, entrou no carro.
O motorista arrancou sem perguntar destino. Parecia que tudo já estava combinado.
Ela ficou olhando o perfil dele no banco ao lado, tentando decifrar qualquer detalhe. Aquele silêncio cheio de coisas não ditas pesava no peito dela.
— Vitor… onde você tem estado? Onde você… mora? — perguntou, forçando a voz a sair calma.
Ele apoiou o cotovelo na porta e olhou pela janela.
— Eu não estou hospedado em lugar nenhum. Não gosto de ficar muito tempo no mesmo canto.
— Então… — ela sorriu, querendo aliviar o peso da resposta. — Você é tipo um vira-lata sem dono?
Ele virou o rosto devagar e deixou escapar um riso baixo.
— Sim. Exatamente isso. — O olhar dele pousou no dela com uma intensidade que fez seu corpo arrepiar. — Mas… se você quiser… posso sempre voltar pra sua porta.
Ela engoliu seco, desviando os olhos.
— Você sempre fala como se não fosse ficar. — O tom dela saiu mais triste do que pretendia.
Ele não respondeu. Apenas estendeu a mão e entrelaçou os dedos nos dela.
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O restaurante era pequeno, discreto, quase vazio. Ficava ao lado de uma viela mal iluminada, perto de uma comunidade, mas lá dentro tudo era limpo, calmo, com cheiro de comida fresca e boa música instrumental.
Sentaram perto da janela, dividindo uma garrafa de vinho. Durante alguns minutos, só trocaram olhares silenciosos, como se as palavras fossem desnecessárias.
Quando a primeira taça esvaziou, Larissa criou coragem:
— Me conta… — disse, apoiando o cotovelo na mesa, o rosto inclinado na direção dele. — O que você faz, de verdade?
Ele girou o vinho no copo, pensativo.
— Eu… ajudo pessoas a resolver problemas. Alguns problemas são grandes demais pra serem resolvidos por métodos… convencionais.
— Isso não é resposta — ela insistiu, com um sorriso nervoso. — Eu não sei nada sobre você.
Ele ergueu o olhar, sério.
— Às vezes, não saber é mais seguro, Larissa.
— Seguro pra mim ou pra você?
— Pros dois. — Ele respirou fundo. — Mas se você quiser… eu conto alguma coisa. Desde que não pergunte tudo de uma vez.
Ela passou a mão no cabelo, suspirando.
— Tá. Então me responde só uma. — O coração batia tão forte que ela precisou fazer força pra manter o tom leve. — Você… é perigoso?
Vitor inclinou-se até o rosto dele quase tocar o dela.
— Isso depende de quem pergunta. E de quem responde.
Ela riu, um riso tenso.
— Você é péssimo em tranquilizar uma mulher, sabia?
— Eu não vim aqui pra tranquilizar ninguém. Vim porque senti saudade. — O polegar dele roçou a palma da mão dela. — E porque… eu pensei em você mais do que devia.
Por alguns instantes, ficaram só se olhando. Até ela soltar um suspiro derrotado.
— Então… já que você é um vira-lata sem dono, hoje você vai dormir na minha casa.
Ele sorriu, calmo, como se aquilo já fosse parte do plano.
— Foi exatamente o que eu pensei.
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No apartamento, não precisaram de muito para que tudo pegasse fogo de novo. Ele encostou a porta, largou o casaco no chão e a puxou para si. O beijo foi urgente, cheio de saudade acumulada.
Larissa sentiu o corpo dele colado ao dela, quente, pesado. Quando ele a ergueu no colo, ela entrelaçou as pernas na cintura dele, rindo e chorando ao mesmo tempo.
— Eu devia te odiar… — sussurrou contra a boca dele.
— Mas não odeia — ele devolveu, roçando os lábios nos dela. — Porque você é minha.
O sexo veio como uma explosão. Não havia espaço para vergonha, só fome. Ele a despiu devagar, como quem desfaz um presente. Quando a penetrou, ela gemeu alto, segurando seus ombros. Cada estocada era firme, profunda, carregada do desejo que semanas de distância haviam fermentado.
— Eu senti falta disso… — ele disse entre os dentes. — De você… inteira.
— Eu também… Eu… — ela mal conseguia falar, a voz entrecortada pelos gemidos.
Os corpos se encontravam num ritmo que parecia antigo, conhecido. Ela gozou primeiro, tremendo inteira, e ele continuou, sem pressa, até também se desfazer nela.
Caíram exaustos sobre o lençol. Ele respirava pesado, o rosto enterrado no pescoço dela.
— Vitor… — ela começou, com a voz rouca — eu ainda tenho muitas perguntas.
Ele ergueu a cabeça, passando os dedos pelos cachos dela.
— Eu sei.
— E você vai me contar… algum dia?
O olhar dele era escuro, insondável.
— Talvez. — Ele sorriu de leve. — Quando você estiver pronta.
Ela fechou os olhos, sentindo o peito apertar.
Mas será que algum dia estaria?
Enquanto o inverno gelava a cidade lá fora, dentro do quarto os dois corações ardiam — e Larissa sabia que, por mais que quisesse respostas, nada no mundo a impediria de abrir a porta outra vez.
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Atualizado até capítulo 55
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