Parte 4 – De quem menos Esperava.
Amanhecer
O sol entrou tímido pela janela do apartamento. O frio da madrugada ainda grudava nas paredes, mas dentro do quarto, um calor morno permanecia entre os lençóis bagunçados. Vitor dormia profundo, os músculos relaxados, respiração pesada. Ao lado da cama, sobre a cômoda, havia uma caneca de café ainda quente e um bilhete perfumado com o cheiro inconfundível de Larissa.
Ele acordou com o aroma.
Passou a mão pelo papel dobrado, leu lentamente e um sorriso sincero escapou do seu rosto, coisa rara nos últimos tempos.
“Agora o vira-lata achou uma dona.”
Dobrou o bilhete com cuidado, o guardou no bolso interno do casaco, próximo ao coração. Depois se vestiu rapidamente. A missão do dia não permitia distrações, por mais doces que fossem.
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23h — Praia do Recreio
A noite caíra sem lua. A praia estava deserta, cortada apenas pelo som das ondas e o barulho abafado de passos na areia.
Vitor chegou atrasado de propósito. Gostava de ver os movimentos antes de se expor. Estacionou seu carro em uma trilha escondida, caminhou pelo mato baixo e observou de longe os outros três homens à espera: Alvarenga, Tota e Jansen. Todos antigos no jogo. Todos, teoricamente, leais.
Mas naquela noite, nada era certo.
Horas antes, Vitor havia recebido uma mensagem curta e direta:
“Prepare-se. Hoje o X9 será revelado e executado.”
Enquanto caminhava devagar em direção ao grupo, seus olhos registravam os detalhes. A posição de cada um, os gestos, o nervosismo contido. Ele já sabia que algo estava errado — sentia no ar, como um cheiro de sangue antes da primeira bala.
— Demorou, Vitor — disse Alvarenga, acendendo um cigarro. — Achei que não vinha.
— Aprendi que o último a chegar tem mais chance de sair vivo — respondeu, frio, encarando Tota e Jansen.
O grupo se reuniu em torno de um círculo improvisado na areia. Havia uma caixa térmica com cerveja, armas disfarçadas em mochilas, e uma pasta com papéis e esquemas de rotas para o transporte de cocaína vindo da Bolívia.
Negócios foram tratados com palavras curtas. A tensão subia a cada minuto. Até que Jansen jogou a isca:
— Sabem o que dizem… tem alguém aqui que anda falando demais.
Um silêncio pesado caiu. Todos fingiram surpresa. Todos, menos Tota.
Ele deu um sorriso torto, puxou uma pistola da cintura e apontou para os dois:
— A brincadeira acabou. Eu sei que vocês receberam a mesma mensagem. “X9 será executado.” Mas o plano era outro… Vitor e Alvarenga seriam os mortos hoje.
Vitor já se movia antes do último ponto final.
Um grito. Um disparo. O primeiro tiro acertou Alvarenga de raspão no abdômen. Outro tiro — agora no braço. Ele caiu, mas conseguiu se arrastar até o carro, disparando para afastar Jansen.
Vitor girou para o lado e abaixou, sacando sua Glock como se o tempo desacelerasse. Atirou em Tota primeiro — o tiro pegou no pescoço. Tota caiu de joelhos, sufocando o sangue com as próprias mãos.
Jansen tentou correr, mas Vitor foi mais rápido. Três tiros secos. Dois no peito, um na cabeça.
Tudo durou menos de um minuto.
O som dos tiros se apagou, e só as ondas voltaram a preencher o espaço. Vitor ficou de pé, com o ombro sangrando de raspão. Respirava fundo, tentando entender quem armara tudo. E por quê.
Todos estavam cientes. Ele e Alvarenga eram os alvos.
Alvarenga já havia sumido, fugido para algum lugar seguro — se é que isso existia.
Vitor correu até seu carro, suado, ofegante, o casaco escuro manchado com sangue. Precisava sair dali. Mas antes… pensou nela.
Larissa.
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00h54 — Ilha do Governador
Ele parou o carro na frente do prédio dela, subiu as escadas correndo, ignorando a dor no ombro. Bateu forte na porta. Uma, duas, três vezes.
Ela abriu, assustada, com a camisola caída e os olhos arregalados.
— Vitor?!
— A gente precisa sair da cidade. Agora. — Ele entrou, já fechando a porta atrás de si. — Eles sabem. Todo mundo sabe. Não posso mais confiar em ninguém aqui.
— Como assim?! É minha vida, meu trabalho, meus amigos… tá tudo acabando assim? — ela perguntou, as mãos tremendo. — Que porra tá acontecendo, Vitor?
Ele a segurou pelos ombros, olhos fixos nos dela.
— Larissa, se você ficar… eles vão te usar pra me alcançar. Você corre perigo agora.
Ela ficou alguns segundos muda. Depois respirou fundo, virou-se rápido e começou a jogar algumas peças de roupa numa mochila.
— Então vamos. Eu vou com você. — Olhou nos olhos dele. — Seja lá o que for… não tem mais volta, né?
— Não. Não tem.
Ela pegou seus documentos, uma muda de roupa, celular, carregador. Vitor já esperava no corredor.
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Durante a fuga — 2h15 da madrugada
Rodavam pela estrada que saía da cidade. O silêncio entre eles era tenso, cheio de perguntas engolidas. Ela não aguentou mais.
— Me conta, Vitor. Eu mereço saber. Você disse que eu tava em perigo. Por quê?
Ele manteve os olhos na estrada, mas falou:
— Você viu a matéria no Jornal Nacional. Eu sei que viu.
— Vi… sobre o Fantasma.
— Então. — Ele virou brevemente o rosto para ela. — Eu sou ele. O Fantasma.
Ela fechou os olhos e sentiu o mundo girar.
— Eu sabia. No fundo… eu sabia.
— Tentei não te envolver. Mas… quando tentei sair, me marcaram. Meus próprios irmãos de guerra quiseram me executar hoje. Me traíram. E agora… eu sou caça.
— E eu sou tua isca — sussurrou ela, a voz embargada.
— Não… você é a única que me fez pensar em ter paz. Por isso… eu preciso te tirar disso.
Ela respirou fundo, olhou pela janela, vendo a cidade ficando para trás.
— Vitor… eu não sei o que vai acontecer. Mas se você correr… eu corro com você.
Ele apertou a mão dela sobre o câmbio.
— Então, a partir de agora… nós dois somos fantasmas.
E a estrada seguiu, fria, escura, enquanto o mundo atrás deles começava a ruir.
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Atualizado até capítulo 55
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