Assim que entrei no quarto, me deitei devagar no colchão do chão, como se o corpo ainda estivesse tentando entender o que a cabeça se recusava a aceitar.
Mas era tarde.
O som ainda ecoava dentro de mim.
O gemido.
Baixo, provocante. Feminino.
Dela.
Letícia.
E ele... Jones.
Fechei os olhos, tentando apagar tudo. Mas não consegui.
Aquela imagem — mesmo que eu não tenha visto — estava marcada na minha mente como uma queimadura.
Eu sabia que não tinha o direito de sentir isso.
Ele nunca me prometeu nada.
Mas o fato de ser ela... debaixo do mesmo teto…
Me corroía por dentro.
Foi então que Manu se virou na cama, espreguiçando.
— Ugh… que horas são? — perguntou, com a voz sonolenta.
Não respondi. Apenas me sentei na cama, sentindo o peito apertado.
Ela percebeu na hora.
— O que foi, Maria?
Demorei. Mas falei.
— Eu ouvi um… gemido.
Ela me encarou, confusa.
— Gemido?
Assenti.
— Lá embaixo. Do escritório.
— E você acha que...?
— Que a Letícia tava lá com ele? Acho. — respondi, cortante.
Manu se calou por alguns segundos. Depois se aproximou, se sentando ao meu lado.
— Amiga… isso te abalou?
Engoli em seco.
— Claro que não — menti. — Só… achei nojento. Aqui em casa? Depois do velório da minha mãe?
Ela arqueou uma sobrancelha. Ela me conhece melhor do que qualquer um.
— Então por que tá com essa cara de quem levou um tapa sem encostar o rosto?
Fiquei em silêncio.
Manu, é claro, sorriu. Aquele sorriso safado que aparece quando ela tem uma ideia.
— Quer um conselho?
— Não.
— Ótimo, vou dar assim mesmo. Quando vocês dois estiverem sozinhos, você provoca.
Olha nos olhos.
Senta perto.
Passa por ele com uma sainha dessas aí que você ama usar.
Faz ele ver o que tá perdendo.
— Manu…
— Maria. Você acha que ele dormiu com a Letícia? Faz ele querer você. E se ele quiser… bom, ele que lide com isso.
Por um segundo, a ideia me pareceu absurda.
No outro… pareceu certa demais.
Talvez eu quisesse vingança.
Talvez só quisesse saber se ele sentia alguma coisa por mim também.
— Vem — Manu disse, puxando meu braço. — Vamos descer tomar café. Ver se a “santa” ainda tá aqui.
Descemos com passos lentos. Eu respirava fundo, tentando parecer indiferente. O estômago revirava, mas o orgulho me empurrava.
Na cozinha, lá estava Letícia, já vestida com uma calça jeans colada e uma blusinha branca. Cabelo preso, maquiagem refeita. Como se nada tivesse acontecido.
— Bom dia — ela disse, com um sorriso falso.
— Dormiu bem? — perguntei, sarcástica.
— Uma maravilha — respondeu, cheia de veneno.
Jones não estava na cozinha.
— E Jones? — Manu perguntou, natural.
— Subiu. Disse que ia tomar banho. Já tô indo embora — Letícia respondeu, pegando a bolsa.
Ela passou por mim, e por um instante, me olhou com aquele ar de desafio.
Mas eu não desisti do olhar.
Apenas sorri.
Frio.
— Que bom que se divertiu — sussurrei.
Ela arqueou a sobrancelha, e saiu. A porta bateu com um clique seco.
Manu se virou pra mim com um sorriso travesso.
— Agora é a sua vez.
E naquele momento, eu decidi:
Se ele vai brincar com fogo… então vai sentir a queimadura certa.
Jones.
Demorei mais do que o necessário no banho.
A água quente escorria pelas costas, mas não levava embora o incômodo no peito.
Desde que Letícia saiu daquele escritório — depois da provocação ridícula e do gemido encenado — meu corpo carregava um peso estranho.E pior: Maria deve ter ouvido.
Não sei o que ela pensou. Mas sei como soou.
E sei o tipo de imagem que deve ter se formado na mente dela.
Mesmo que nada tenha acontecido… só a possibilidade de ela achar que aconteceu, me incomoda num nível que eu não consigo explicar.
Quando finalmente desci, vesti uma camiseta simples e calça jeans.
A casa estava em silêncio.
Mas, ao me aproximar da cozinha, ouvi risadas abafadas.
— Bom dia — murmurei, tentando soar neutro.
As duas estavam sentadas à mesa: Maria e a amiga, Manu.
As duas pararam de rir na mesma hora.
Maria nem me olhou.
— Bom dia — Manu respondeu animada.
Maria manteve os olhos na xícara, como se eu nem estivesse ali.
Mas eu vi.
Eu senti.
A saia curta.
A blusa caída no ombro, revelando parte do colo.
O cabelo solto, ondulado, com um brilho natural que fazia parecer que ela tinha saído de um filme.
Ela estava linda.
E completamente distante.
— Dormiram bem? — perguntei, tentando parecer casual enquanto me servia de café.
— Dormimos — disse Manu, olhando de Maria pra mim.
Maria continuou em silêncio.
A única coisa que fez foi morder um pedaço de pão com uma calma que me provocou mais do que deveria.
Ela não estava me ignorando por acaso.
Estava fazendo de propósito.
E eu não sabia por quê.
— Letícia já foi? — perguntei.
— Já — respondeu Manu. — Tava com pressa.
— Hum.
Maria empurrou a cadeira devagar e se levantou.
— Vou subir — disse, ainda sem olhar pra mim.
— Maria... — chamei.
Ela parou. De costas.
— O que foi?
A voz dela estava fria. Cortante.
— Aconteceu alguma coisa?
Ela se virou devagar. O olhar finalmente encontrou o meu. Mas não havia doçura ali. Nem raiva.
Era pior:
Indiferença fingida.
— Não. Nada aconteceu, Jones.
Absolutamente… nada.
E subiu. Sem dizer mais nada.
Fiquei parado, com a xícara na mão e o estômago virado.
Manu me observava com aquele sorriso irritante de quem sabe mais do que diz.
— Tá tudo bem com ela? — perguntei.
— Ah, ela tá ótima — respondeu, irônica. — Só cansada de certas... decepções.
— Eu não fiz nada.
— Às vezes, Jones, a gente não precisa fazer nada pra machucar alguém.
— E você tá dizendo que eu machuquei?
Ela deu de ombros.
— Pergunta pra ela. Ou melhor… presta atenção. Ela já tá respondendo, só que você não tá ouvindo.
Fiquei quieto.
Porque eu sabia que era verdade.
E o pior: eu queria ouvir. Queria entender. Queria consertar.
Mas a única coisa que eu sentia, no fundo, era medo.
Medo de descobrir que o que Maria sentia por mim… era o mesmo que eu estava tentando negar sentir por ela.
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Atualizado até capítulo 26
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