Capítulo 2.

Ficar sozinha dentro daquela casa estava me sufocando.

As paredes pareciam ecoar a ausência da minha mãe… e a presença do Jones. E era exatamente isso que me deixava inquieta: ele ainda estava ali.

Desde o velório, não nos falamos de novo. Ele ficou no escritório o dia inteiro, e eu subi pro meu quarto como se fosse uma fuga. Mas o peso no peito não passou.

Foi então que peguei o celular e mandei mensagem pra única pessoa que ainda me fazia sentir um pouco de normalidade:

"Vem pra cá, Manu. Dorme comigo hoje."

Ela respondeu em menos de um minuto:

"Tô indo. Levo brigadeiro ou fofoca?"

Sorri pela primeira vez em dias.

Emanuelle chegou com uma mochila, um pote de brigadeiro e mais energia do que eu estava preparada pra aguentar.

— Você tá com cara de quem viu um fantasma — ela disse, largando a mochila no chão do meu quarto e se jogando na cama como se morasse ali.

— Eu tô com cara de quem perdeu a mãe.

— E ganhou um viúvo bonito na casa — ela respondeu rindo, me lançando um olhar malicioso.

Revirei os olhos.

— Manu...

— O que foi? Eu só tô dizendo o que todo mundo pensa. Aquele homem é bonito, tá? E não é mais seu padrasto. A real é que vocês nunca foram família de verdade...

Fiquei em silêncio. Não porque concordava. Mas porque… talvez concordasse.

— Enfim! — ela bateu palmas. — Tive uma ideia. Vamos fazer uma festa do pijama aqui. Só a gente. Coloca música, besteira, pipoca…

— Só nós duas?

— Podemos chamar a Letícia.

Letícia. A mesma garota que acha que pode ter qualquer homem com um rebolado e um sorriso. Ela já tinha olhado pro Jones antes. Como se ele fosse um prêmio e não uma pessoa.

Hesitei.

— Tá bom, chama — respondi por impulso, só pra não parecer estranha.

Mais tarde...

Letícia chegou toda produzida, mesmo que o tema fosse "pijama". Vestia um short curto demais e uma blusa que mal cobria a barriga. E lógico, estava maquiada como se fosse pra uma balada.

— Nossa, que casa linda — ela disse, passando a mão nos móveis como se estivesse avaliando o preço.

— Jones tá? — foi a próxima frase, sem nem tentar disfarçar.

— Tá no escritório — respondi seca.

Manu ligou a música e começamos a brincar de “eu nunca” com refrigerante. Rimos, falamos besteira, e por alguns minutos, me senti leve. Mas Letícia, claro, teve que estragar.

— Vou pegar água lá embaixo. Vai que dou de cara com o homem da casa…

Manu olhou pra mim e levantou uma sobrancelha. Eu só balancei a cabeça. Fingir que não me importava era mais fácil do que admitir o que eu estava sentindo.

Uns cinco minutos depois, Letícia voltou, bufando.

— Aff, que grosso! Nem me olhou direito. Só disse “a cozinha é pra lá” e continuou escrevendo.

— Ele não é muito sociável — Manu disse, rindo.

Mas eu sorri por dentro. Jones a ignorou. E por que aquilo me deixou tão... satisfeita?

Já passava de uma da manhã. Manu e Letícia dormiam no colchão no chão, enquanto eu estava deitada na cama, encarando o teto. O som do relógio da parede preenchia o silêncio. Me levantei devagar e desci as escadas, descalça, sentindo o chão frio sob os pés.

A luz do escritório ainda estava acesa.

Me aproximei devagar, só pra espiar. A porta estava entreaberta.

Jones estava sentado, de óculos, lendo algo impresso. Tinha uma xícara ao lado, o paletó pendurado na cadeira. Ele parecia... cansado. Mas bonito de um jeito que eu odiava perceber.

Ele olhou pra porta no exato momento em que eu pensava em voltar.

— Maria?

Congelada. Droga.

— Eu... só vim pegar água — menti.

Ele assentiu, mas seus olhos não desviaram.

— A festa do pijama terminou?

— Tá todo mundo dormindo já — respondi.

— E você?

— Eu nunca durmo cedo — sussurrei.

Houve um silêncio. Mas não era o mesmo de antes. Esse tinha outra coisa no ar. Algo que eu não sabia nomear. Ou talvez soubesse, mas fingia que não.

— Boa noite, Maria — ele disse, com a voz mais baixa do que eu esperava.

— Boa noite, Jones.

Mas eu não me mexi. Só depois de alguns segundos, me forcei a ir pra cozinha. Peguei um copo d’água mesmo sem sede. E só voltei pro quarto depois que ouvi a porta do escritório se fechar.

Deitei entre Manu e Letícia, mas o corpo ainda estava quente.

E a mente... ainda presa naquele olhar.

***Jones***.

Quando ouvi passos leves descendo a escada, soube que não era Maria.

A batida dos pés era diferente. Aquele tipo de passo que quer ser notado.

Nem precisei olhar pra saber que era uma das amigas dela.

Levantei o olhar por cima dos óculos só por educação. E lá estava ela: a tal Letícia, com pouca roupa e um olhar cheio de intenções baratas.

— Oi… — ela disse, arrastando o som. — Tá ocupado?

— Sim. — Fui direto. Nem sorri.

Ela se aproximou da porta do escritório sem ser convidada. Os olhos dela percorriam tudo, mas sempre voltavam pra mim.

— Que lugar bonito… sua casa é linda.

— Obrigado.

— Você sempre fica sozinho aqui embaixo? — perguntou, apoiando-se no batente da porta, fazendo questão de empinar o corpo.

Parei de digitar e a encarei.

— O que você quer?

Ela piscou devagar.

— Água — respondeu, como se a palavra tivesse duplo sentido.

— A cozinha é pra lá — apontei com a cabeça e voltei a encarar a tela.

Silêncio.

Ela ficou ali parada por uns segundos, esperando alguma reação que não viria. Depois suspirou, frustrada, e sumiu no corredor.

Meus dedos voltaram a digitar, mas o foco já tinha ido embora.

A presença dela me irritou. Não porque ela tentou se insinuar — isso eu já sabia lidar. Mas porque ela era… errada.

Superficial.

Forçada.

E o pior…

Ela me fez pensar em Maria.

Em como o olhar da Maria é completamente diferente.

Mais quieto. Mais verdadeiro.

Mais perigoso.

Ela não tenta chamar atenção.

Ela chama. Sem esforço. Só por existir ali, andando pela casa com aqueles olhos cansados e aquele jeito de quem guarda o mundo inteiro por dentro.

Eu não deveria pensar nela assim.

Mas penso.

Mais tarde, quando ouvi passos leves outra vez, achei que fosse Letícia de novo.

Mas era ela.

Maria apareceu na porta do escritório como um sussurro. Vestia um short largo e uma camiseta simples, mas não sei por quê… aquilo pareceu mais íntimo do que deveria.

Ela hesitou quando me viu.

— Maria? — chamei, surpreso.

— Eu… só vim pegar água.

Assenti. E por alguns segundos, ficamos nos encarando. Ela ali, na penumbra da porta. Eu aqui, tentando me agarrar à sanidade.

— A festa do pijama terminou? — perguntei, quebrando o silêncio.

— Tá todo mundo dormindo já.

— E você?

Ela deu de ombros.

— Eu nunca durmo cedo.

O silêncio voltou. Mas não era vazio. Era denso.

Pesado.

Cheio de coisas que nenhum de nós ousava dizer.

— Boa noite, Maria — falei, sem tirar os olhos dela.

— Boa noite, Jones.

Ela não se mexeu. E eu também não.

Por alguns segundos, jurei que ela ia entrar. Que ia se aproximar.

Mas então, ela se virou. Caminhou até a cozinha, e eu fiquei ali, sentado, com o coração batendo no ritmo errado.

Meu corpo pedindo pra correr atrás dela.

Minha mente implorando pra que eu não fosse tão estúpido.

Fechei os olhos e respirei fundo.

Ela é jovem.

É filha da mulher que fui casado.

É vulnerável.

E eu não sou um monstro.

Mas aquele olhar dela…

Aquele jeito que ela me encara, como se me visse de verdade…

Está começando a me destruir por dentro.

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