Capítulo 3.

A luz do sol entrou pelas frestas da cortina, cortando meu rosto com uma laranja tímido e frio.

Me virei na cama, ainda meio tonta da madrugada mal dormida. Ao meu lado, só Manu.

Letícia não estava ali.

A princípio, não pensei nada. Talvez estivesse no banheiro. Talvez tivesse descido pra beber água de novo. Talvez tivesse ido embora cedo sem avisar.

Mas...

Algo estava estranho.

Sentei na cama. O colchão no chão ainda estava revirado onde Letícia havia dormido, mas os lençóis estavam frios demais pra quem tivesse saído há pouco tempo. Manu dormia profundamente, com a boca entreaberta e os braços esticados como uma criança.

Não me incomodei em acordá-la.

Fui até o banheiro, fiz minhas necessidades, lavei o rosto devagar, observando meu reflexo.

Meus olhos estavam inchados, mas não era de choro. Era de peso. De sentimentos demais guardados em um espaço muito pequeno.

Voltei pro quarto e vesti uma sainha curta preta, com uma blusa cinza larga e caída no ombro. Meu cabelo estava bonito naquela manhã — ondulado, solto, do jeito que ele ficava quando secava naturalmente.

Desci as escadas com passos lentos, o coração batendo num ritmo estranho. Não sei por quê.

Talvez soubesse.

Quando cheguei ao meio do corredor, algo me fez parar.

Um som.

Um gemido.

Baixo.

Mas claro.

Feminino.

E ecoando no silêncio da casa.

Meus pés congelaram.

A respiração prendeu no peito, como se de repente o ar tivesse sido arrancado da sala. Senti o estômago virar, o coração bater alto demais nos ouvidos.

Eu conhecia aquele som.

Não pelo que era — mas pelo que significava.

E eu sabia, instintivamente, de onde vinha: do escritório.

O mesmo onde Jones passara a noite.

Meus olhos se encheram de algo que eu me recusei a chamar de lágrimas. Não era tristeza.

Era raiva.

Era nojo.

Era... ciúmes?

Não.

Não podia ser.

Ele não é meu.

Ele nunca foi meu.

Mas mesmo assim…

Ver Letícia descendo ontem com aquele olhar de quem não aceitou rejeição, e agora ouvir aquele som vindo de dentro da casa onde eu moro, me fez sentir... traída.

Por ela.

Por ele.

Por mim mesma.

Apertei os olhos, respirei fundo e voltei dois passos antes que alguém me visse ali.

Não queria explicações.

Não queria confirmar.

Não queria saber se era verdade — porque já era.

Subi devagar, sem pressa. O mundo parecia mais frio, mais falso, mais sujo.

E a única coisa que ecoava dentro de mim era uma pergunta que eu nunca ousaria dizer em voz alta:

"Por que isso doeu tanto?"

***Jones***.

Eu sabia que ela era atrevida, mas não esperava por aquilo.

Letícia apareceu no corredor do escritório logo cedo, ainda com aquele short minúsculo e um sorriso que me causava mais irritação do que atração. Eu estava com dor de cabeça e há dias não dormia direito.

— Bom dia, Jones — disse, se encostando na porta, com uma falsa naturalidade que não enganava ninguém.

— Bom dia — respondi sem nem tirar os olhos dos papéis.

— Dormiu bem?

Ignorei a pergunta.

Ela se aproximou mais. Devagar. Como se cada passo fosse calculado pra provocar alguma reação em mim. Só que provocação nunca me comoveu — não quando vinha vazia.

— Tá trabalhando de novo? Logo cedo?

— Sempre — respondi, seco. — Precisa de alguma coisa?

Ela sorriu. Um sorriso forçado, plastificado.

— Na verdade… — disse, caminhando até a frente da mesa — eu acordei meio… carente.

Foi quando ela tentou me tocar.

Esticou os dedos na direção do meu peito. Eu me levantei na mesma hora.

— Letícia. Não.

— Ah, Jones… — ela riu, forçando sensualidade — ninguém precisa saber…

Segurei o braço dela com firmeza, mas sem machucar.

— Eu pedi pra você sair.

Ela puxou o braço de volta de forma exagerada, encenando dor, e soltou um gemido alto — provocativo, falso, como se quisesse que alguém ouvisse. Como se fosse... uma armadilha.

— Você é um idiota mesmo — ela cuspiu, e saiu com raiva.

Fiquei parado por um instante, respirando fundo.

Não sei quanto tempo se passou até eu voltar a me sentar. Só sei que me sentia sujo — mesmo sem ter feito nada. O cheiro do perfume barato dela ainda pairava no ar, e aquilo me dava náusea.

Foi quando ouvi passos suaves no corredor lá em cima.

E então percebi o pior:

Maria.

Será que ela...?

Puta merda.

Fechei os olhos com força.

A ideia de Maria ter escutado aquele som me atingiu como um soco no estômago.

E o que ela deve estar pensando agora?

Ela deve achar que...

Não.

Não posso deixar isso assim.

Mas eu também não posso ir até ela.

Não agora.

Ela é jovem, sensível, e já carrega um mundo de emoções engasgadas.

E o que mais me apavora… é o quanto isso me afeta.

O que me destrói não é Letícia ter tentado me provocar.

É o olhar da Maria, se por acaso, viu ou ouviu algo que a machucou.

Porque o que eu mais queria — e mais odeio querer — é que ela não se afastasse de mim.

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