A luz do sol entrou pelas frestas da cortina, cortando meu rosto com uma laranja tímido e frio.
Me virei na cama, ainda meio tonta da madrugada mal dormida. Ao meu lado, só Manu.
Letícia não estava ali.
A princípio, não pensei nada. Talvez estivesse no banheiro. Talvez tivesse descido pra beber água de novo. Talvez tivesse ido embora cedo sem avisar.
Mas...
Algo estava estranho.
Sentei na cama. O colchão no chão ainda estava revirado onde Letícia havia dormido, mas os lençóis estavam frios demais pra quem tivesse saído há pouco tempo. Manu dormia profundamente, com a boca entreaberta e os braços esticados como uma criança.
Não me incomodei em acordá-la.
Fui até o banheiro, fiz minhas necessidades, lavei o rosto devagar, observando meu reflexo.
Meus olhos estavam inchados, mas não era de choro. Era de peso. De sentimentos demais guardados em um espaço muito pequeno.
Voltei pro quarto e vesti uma sainha curta preta, com uma blusa cinza larga e caída no ombro. Meu cabelo estava bonito naquela manhã — ondulado, solto, do jeito que ele ficava quando secava naturalmente.
Desci as escadas com passos lentos, o coração batendo num ritmo estranho. Não sei por quê.
Talvez soubesse.
Quando cheguei ao meio do corredor, algo me fez parar.
Um som.
Um gemido.
Baixo.
Mas claro.
Feminino.
E ecoando no silêncio da casa.
Meus pés congelaram.
A respiração prendeu no peito, como se de repente o ar tivesse sido arrancado da sala. Senti o estômago virar, o coração bater alto demais nos ouvidos.
Eu conhecia aquele som.
Não pelo que era — mas pelo que significava.
E eu sabia, instintivamente, de onde vinha: do escritório.
O mesmo onde Jones passara a noite.
Meus olhos se encheram de algo que eu me recusei a chamar de lágrimas. Não era tristeza.
Era raiva.
Era nojo.
Era... ciúmes?
Não.
Não podia ser.
Ele não é meu.
Ele nunca foi meu.
Mas mesmo assim…
Ver Letícia descendo ontem com aquele olhar de quem não aceitou rejeição, e agora ouvir aquele som vindo de dentro da casa onde eu moro, me fez sentir... traída.
Por ela.
Por ele.
Por mim mesma.
Apertei os olhos, respirei fundo e voltei dois passos antes que alguém me visse ali.
Não queria explicações.
Não queria confirmar.
Não queria saber se era verdade — porque já era.
Subi devagar, sem pressa. O mundo parecia mais frio, mais falso, mais sujo.
E a única coisa que ecoava dentro de mim era uma pergunta que eu nunca ousaria dizer em voz alta:
"Por que isso doeu tanto?"
***Jones***.
Eu sabia que ela era atrevida, mas não esperava por aquilo.
Letícia apareceu no corredor do escritório logo cedo, ainda com aquele short minúsculo e um sorriso que me causava mais irritação do que atração. Eu estava com dor de cabeça e há dias não dormia direito.
— Bom dia, Jones — disse, se encostando na porta, com uma falsa naturalidade que não enganava ninguém.
— Bom dia — respondi sem nem tirar os olhos dos papéis.
— Dormiu bem?
Ignorei a pergunta.
Ela se aproximou mais. Devagar. Como se cada passo fosse calculado pra provocar alguma reação em mim. Só que provocação nunca me comoveu — não quando vinha vazia.
— Tá trabalhando de novo? Logo cedo?
— Sempre — respondi, seco. — Precisa de alguma coisa?
Ela sorriu. Um sorriso forçado, plastificado.
— Na verdade… — disse, caminhando até a frente da mesa — eu acordei meio… carente.
Foi quando ela tentou me tocar.
Esticou os dedos na direção do meu peito. Eu me levantei na mesma hora.
— Letícia. Não.
— Ah, Jones… — ela riu, forçando sensualidade — ninguém precisa saber…
Segurei o braço dela com firmeza, mas sem machucar.
— Eu pedi pra você sair.
Ela puxou o braço de volta de forma exagerada, encenando dor, e soltou um gemido alto — provocativo, falso, como se quisesse que alguém ouvisse. Como se fosse... uma armadilha.
— Você é um idiota mesmo — ela cuspiu, e saiu com raiva.
Fiquei parado por um instante, respirando fundo.
Não sei quanto tempo se passou até eu voltar a me sentar. Só sei que me sentia sujo — mesmo sem ter feito nada. O cheiro do perfume barato dela ainda pairava no ar, e aquilo me dava náusea.
Foi quando ouvi passos suaves no corredor lá em cima.
E então percebi o pior:
Maria.
Será que ela...?
Puta merda.
Fechei os olhos com força.
A ideia de Maria ter escutado aquele som me atingiu como um soco no estômago.
E o que ela deve estar pensando agora?
Ela deve achar que...
Não.
Não posso deixar isso assim.
Mas eu também não posso ir até ela.
Não agora.
Ela é jovem, sensível, e já carrega um mundo de emoções engasgadas.
E o que mais me apavora… é o quanto isso me afeta.
O que me destrói não é Letícia ter tentado me provocar.
É o olhar da Maria, se por acaso, viu ou ouviu algo que a machucou.
Porque o que eu mais queria — e mais odeio querer — é que ela não se afastasse de mim.
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Atualizado até capítulo 26
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