Capítulo 4 – Onde o Silêncio Fala

O sol já beijava o horizonte quando Helena chegou ao lago.

O caminho até ali era estreito, ladeado por árvores de galhos longos, que balançavam suavemente ao sabor do vento. O mundo parecia mais lento, como se cada segundo estivesse sendo estendido para que ela pudesse respirar com calma — algo que há muito tempo não fazia.

Usava um vestido simples, azul-claro, e cabelos presos de forma displicente. Nada de rendas, joias ou maquiagem. Apenas ela, inteira. Pela primeira vez desde que chegara àquele universo literário, não se sentia fingindo.

O lago era tão bonito quanto nas descrições do livro, mas ao vivo, era mais… real. As águas refletiam o céu em tons dourados e rosados, e os juncos à margem balançavam como se dançassem com a brisa. E ali, encostado numa velha árvore, ele a esperava.

Alexander Monteiro.

Com a jaqueta militar pendurada no ombro, camisa branca aberta no colarinho, as mangas arregaçadas e o olhar perdido nas águas. Por um segundo, ele parecia… jovem. Quase vulnerável.

Helena parou a poucos passos e esperou que ele notasse sua presença.

Ele virou-se devagar, como se já soubesse que ela viria.

— Pensei que poderia mudar de ideia — disse ele, com aquela voz baixa e firme que sempre parecia carregar mais do que dizia.

— Pensei também — respondeu ela, aproximando-se devagar. — Mas estou cansada de fugir.

Ele apontou para uma pedra larga à beira do lago, onde ela se sentou. Ele permaneceu em pé, como se hesitasse em se permitir o conforto da proximidade. Mas depois de alguns segundos, cedeu. Sentou-se ao lado dela, com os olhos ainda voltados para o espelho d’água.

— Este lugar — começou ele — era onde eu vinha quando precisava me lembrar de quem eu era… antes.

— Antes da guerra?

— Antes de tudo. Antes de perder.

O silêncio se acomodou entre eles, mas não era desconfortável. Era um silêncio cheio. Denso. Carregado de histórias que ainda não haviam sido contadas.

— Eu sei o que é perder — disse Helena, baixinho. — Só que as minhas guerras foram diferentes. Menos sangrentas. Mas igualmente devastadoras.

Ele a olhou de lado, como se a visse pela primeira vez.

— Você é tão diferente, Elisa.

Ela não corrigiu. Apenas devolveu o olhar.

— Talvez porque finalmente me tornei quem sempre fui. A versão de mim que estava presa, sufocada… silenciada.

Alexander respirou fundo.

— E por que está me envolvendo nisso?

— Porque o senhor é o único nesta história que nunca quis ser lido — respondeu ela, sem hesitar. — E eu… eu sempre quis saber o que havia por trás da armadura.

Por um instante, algo no rosto dele se quebrou. Uma rachadura na expressão controlada. Um lampejo de dor real.

— Eu amava minha esposa — disse ele, sem encarar Helena. — E quando ela morreu… a parte boa de mim morreu com ela. O resto… virou pedra.

— Isso é o que o senhor acredita — ela disse, suavemente. — Mas eu não vejo uma pedra. Vejo um homem cansado de fingir que não sente nada.

Ele a encarou, tenso.

— E se eu não tiver nada a oferecer além de escombros?

— Então que sejam escombros sinceros. Prefiro isso a castelos de mentiras.

A resposta dela o atingiu em cheio. Ele virou o rosto, como se fugisse do que sentia. Mas não disse nada. E naquele silêncio, Helena sentiu que havia ganhado algo raro: a confiança dele. Ainda não era amor. Ainda não era entrega. Mas era o primeiro tijolo de uma ponte.

A luz do sol começou a desaparecer por trás das árvores, lançando sombras longas sobre o lago. A brisa ficou mais fria. Helena se levantou devagar.

— Não vou pedir que confie em mim agora. Nem amanhã. Mas quero que saiba que não vim para consertar o senhor. Vim para caminhar ao lado. Se me deixar.

Alexander também se levantou. Estava perto agora. O suficiente para que ela sentisse o calor da respiração dele.

— Não sei como… lidar com isso. Com alguém como você. Alguém que parece saber demais.

— Eu não sei tudo — respondeu ela. — Mas sei como essa história termina… se nada mudar.

Ele franziu o cenho.

— Termina mal?

— Para mim, sim. Para o senhor… nem sequer há final. Só ausência.

Alexander ficou em silêncio. Por fim, deu um passo atrás.

— Então mude. A história. Comece você.

Helena assentiu. E, com um sorriso breve, se virou e caminhou de volta pela trilha, deixando o general às margens do lago — parado, observando não só a água, mas a si mesmo, como se a enxergasse pela primeira vez.

E em algum lugar, entre o céu e a terra, entre o que estava escrito e o que podia ser reescrito, algo se moveu.

Algo mudou.

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Comments

New Biana

New Biana

lindo esse cara.

também quero saber suas idades

2025-07-27

0

Rafaela Braga

Rafaela Braga

qual sãos as idades deles?/Doubt//Doubt//Doubt/

2025-07-14

0

New Biana

New Biana

Interessante

2025-07-27

0

Ver todos
Capítulos
1 Capítulo 1 – A Página em Branco
2 Capítulo 2 – A História que Eu Já Li
3 Capítulo 3 – Feridas que Não Sangram
4 Capítulo 4 – Onde o Silêncio Fala
5 Capítulo 5 – A Resistência do Papel
6 Capítulo 6 – Entre Ruínas e Promessas
7 Capítulo 7 – O Estilhaçar do Nome
8 Capítulo 8 – A Guerra que Nunca Terminou
9 Capítulo 9 – A Primeira Batalha
10 Capítulo 10 – Vozes Queimadas Não se Calam
11 Capítulo 11 – Escreva Até Que Eles Não Possam Apagar
12 Capítulo 12 – As Coisas Que Não Foram Ditas
13 Capítulo 13 – Aquilo Que Ninguém Consegue Desfazer
14 Capítulo 14 – Onde as Palavras Criam Raízes
15 Capítulo 15 – E Se Ninguém Mais Falar?
16 Capítulo 16 – A Mulher Que Veio do Inverno
17 Capítulo 17 – O Dia em Que Quiseram Nos Apagar
18 Capítulo 18 – Quando a Voz Vira Eco
19 Capítulo 19 – Quando a Verdade Vira Tempestade
20 Capítulo 20 – O Dia em Que o País Leu em Voz Alta
21 Capítulo 21 – A Cidade Onde a Voz Ganhou Eco
22 Capítulo 22 – A Caminho das Vozes
23 Capítulo 23 – Cortes e Enredos
24 Capítulo 24 – Quando Virei Outra
25 Capítulo 25 – O Dia em Que Me Tornei Múltipla
26 Capítulo 26 – Vozes Que Escrevem de Pé
27 Capítulo 27 – Quando a Voz Vira Tiro
28 Capítulo 28 – A Carta que Veio de Mim
29 Capítulo 29 – A História Que Nunca Quis Ser Manchete
30 Capítulo 30 – A Menina Que Não Sabia Ser Filha
31 Capítulo 31 – A Viagem Que Me Inventou de Novo
32 Capítulo 32 – A Voz Que Já Não É Só Minha
33 Capítulo 33 – Vozes Que Não Precisam Gritar
34 Capítulo 34 – O Dia em Que o Silêncio Virou Palco
35 Capítulo 35 – O Livro Que Começa no Vazio
36 Capítulo 36 – O Mundo Escutando Devagar
37 Capítulo 37 – O Lugar Para Onde Voltamos Quando Precisamos
38 Capítulo 38 – A Menina Que Gritava o Que Sentia
39 Capítulo 39 – Aquilo Que Volta Só Quando Está Pronto
40 Capítulo 40 – O Nome que Escolhi Pra Mim
41 Capítulo 41 – O Livro Que Eu Nunca Tive Coragem de Escrever
42 Capítulo 42 – A Carta Que Veio de Volta
43 Capítulo 43 – A Última Oficina
44 Capítulo 44 – Onde Terminam as Palavras
45 Epílogo – O Caderno Esquecido
Capítulos

Atualizado até capítulo 45

1
Capítulo 1 – A Página em Branco
2
Capítulo 2 – A História que Eu Já Li
3
Capítulo 3 – Feridas que Não Sangram
4
Capítulo 4 – Onde o Silêncio Fala
5
Capítulo 5 – A Resistência do Papel
6
Capítulo 6 – Entre Ruínas e Promessas
7
Capítulo 7 – O Estilhaçar do Nome
8
Capítulo 8 – A Guerra que Nunca Terminou
9
Capítulo 9 – A Primeira Batalha
10
Capítulo 10 – Vozes Queimadas Não se Calam
11
Capítulo 11 – Escreva Até Que Eles Não Possam Apagar
12
Capítulo 12 – As Coisas Que Não Foram Ditas
13
Capítulo 13 – Aquilo Que Ninguém Consegue Desfazer
14
Capítulo 14 – Onde as Palavras Criam Raízes
15
Capítulo 15 – E Se Ninguém Mais Falar?
16
Capítulo 16 – A Mulher Que Veio do Inverno
17
Capítulo 17 – O Dia em Que Quiseram Nos Apagar
18
Capítulo 18 – Quando a Voz Vira Eco
19
Capítulo 19 – Quando a Verdade Vira Tempestade
20
Capítulo 20 – O Dia em Que o País Leu em Voz Alta
21
Capítulo 21 – A Cidade Onde a Voz Ganhou Eco
22
Capítulo 22 – A Caminho das Vozes
23
Capítulo 23 – Cortes e Enredos
24
Capítulo 24 – Quando Virei Outra
25
Capítulo 25 – O Dia em Que Me Tornei Múltipla
26
Capítulo 26 – Vozes Que Escrevem de Pé
27
Capítulo 27 – Quando a Voz Vira Tiro
28
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29
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30
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31
Capítulo 31 – A Viagem Que Me Inventou de Novo
32
Capítulo 32 – A Voz Que Já Não É Só Minha
33
Capítulo 33 – Vozes Que Não Precisam Gritar
34
Capítulo 34 – O Dia em Que o Silêncio Virou Palco
35
Capítulo 35 – O Livro Que Começa no Vazio
36
Capítulo 36 – O Mundo Escutando Devagar
37
Capítulo 37 – O Lugar Para Onde Voltamos Quando Precisamos
38
Capítulo 38 – A Menina Que Gritava o Que Sentia
39
Capítulo 39 – Aquilo Que Volta Só Quando Está Pronto
40
Capítulo 40 – O Nome que Escolhi Pra Mim
41
Capítulo 41 – O Livro Que Eu Nunca Tive Coragem de Escrever
42
Capítulo 42 – A Carta Que Veio de Volta
43
Capítulo 43 – A Última Oficina
44
Capítulo 44 – Onde Terminam as Palavras
45
Epílogo – O Caderno Esquecido

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