...Charlotte ...
Desde o momento em que ela entrou na sala... algo quebrou dentro da ordem perfeita que eu havia construído.
Ela. Mei Kurisu.
Alto controle emocional. Passos calculados. Nenhum traço de hesitação no olhar. Eu vejo pessoas todos os dias — dezenas, centenas. Alunos tentando provar algo, se exibir, se esconder. E normalmente, em cinco segundos, eu sei exatamente quem são.
Com ela, não.
Ela entrou com um silêncio tão pesado que a sala pareceu encolher. Olhos pretos como se não refletissem nada. E ao mesmo tempo... eu senti algo. Um impulso.
Instinto.
Poder.
Talvez até mais do que o meu.
E o mais estranho… foi que ela não fez nada.
Ela apenas ignorou meu nome, minha posição, meu status. Eu, Charlotte Taylor, a mais forte da escola, a presidente do conselho, filha do dono da academia… fui tratada como qualquer outra figurante. Ou pior — como nada.
Fiquei olhando ela se sentar no fundo, sozinha, como se aquela sala não tivesse importância alguma. O jeito que ela posicionou a mochila, que abriu o livro, que simplesmente ignorou o mundo. Foi fascinante.
Durante a aula, eu continuei observando de relance. Suas expressões não mudavam. O olhar não vacilava. Ela não tentava impressionar ninguém. Mas era justamente isso que a fazia chamar atenção.
E então, no intervalo, eu vi as garotas se aproximarem. Claro que iriam. Curiosas. Fofoqueiras. Sempre querendo se aproximar de tudo que é novo.
E ela?
Ela cortou as três com uma frase.
> “Por que minha vida importa pra vocês? Me deixem em paz.”
Foi seco. Frio. Cruel até.
Eu deveria ter achado grosseiro.
Mas em vez disso… eu sorri.
Me levantei, ainda no intervalo, e fui até a porta da sala. Parei ali. Só observei. Queria ver se ela levantava. Se me notava. Se dizia algo.
E ela notou.
Quando nossos olhos se encontraram, senti o mesmo que senti quando era criança e enfrentei um tornado com as próprias mãos pela primeira vez. Perigo. Caos. Desconhecido. Mas também… um tipo estranho de admiração.
Ela falou primeiro.
> “Se você está aqui pra perguntar de onde eu vim, ou tentar me encaixar em algum rótulo da sua cabeça… pode parar por aqui.”
Eu quase ri. Não por desprezo. Por surpresa.
Ela não tem ideia de quem eu sou.
Ou pior — ela sabe.
E não se importa.
Quando ela passou por mim, senti um arrepio. Não de medo.
De curiosidade.
Mei Kurisu era um erro no meu sistema.
E erros… eu não ignoro.
Meu nome é Charlotte Taylor. E ao contrário do que todos acham, eu não nasci forte.
Fui moldada.
Criada como uma arma.
Projetada para ser perfeita.
Nasci no berço da elite inglesa, filha única de um dos homens mais poderosos da Europa — o diretor desta escola e CEO de metade das corporações tecnológicas do continente. Meu pai sempre fez questão de lembrar que não podia ter filhos fracos. Ele dizia que, no nosso mundo, ou você domina... ou é esmagado.
Minha mãe morreu quando eu era pequena. Nunca soube direito do quê. Tudo foi silenciado, abafado pela influência da família. Tudo o que me restou dela foi um colar quebrado que guardo até hoje, e uma frase que ouvi uma vez, quando eu ainda nem entendia o que significava:
> “Você não precisa ser como eles.”
Mas eu fui.
Porque não tive escolha.
Aos sete anos, meu poder despertou. Não foi bonito, nem mágico. Foi destrutivo.
Toda a ala leste da mansão explodiu numa onda de luz branca. O jardim virou cinzas. Metade da ala de segurança precisou de semanas de recuperação. Meu pai assistiu à cena em silêncio... e então, sorriu.
Era isso que ele esperava. Um poder “divino”. O dom que nenhuma outra linhagem Taylor teve antes. E a partir daquele dia, minha vida virou um treinamento constante.
Controle absoluto.
Emoção mínima.
Excelência obrigatória.
Nunca tive amigos. Tive aliados.
Nunca tive descanso. Tive resultados.
Entrei na escola com doze anos e assumi a presidência do conselho aos catorze.Agora com dezoito anos.Desde então, ninguém ousa me questionar. Nem os professores. Nem os filhos dos ministros. Nem os mimados herdeiros que se acham especiais por controlar água, vento ou ferro.
Eu sou a base dessa escola.
Sou o topo.
E é por isso que Mei Kurisu... me irrita.
Ela não me desafia.
Ela não me reconhece.
Como se o meu nome, minha posição e meu poder… fossem irrelevantes.
Eu estudei todos aqui. Cada novo aluno, cada transferência, cada família envolvida.
Mas Mei não aparece em lugar nenhum.
Zero registros na rede do colégio antes da matrícula.
Zero antecedentes de atividades extracurriculares.
Zero envolvimento político, social, ou familiar.
É como se ela tivesse surgido do nada.
Mas então… algo me chamou atenção.
Ontem à noite, por impulso, abri os arquivos privados da escola — os que nem mesmo o conselho estudantil pode acessar. Usei a autorização do meu pai, escondida, como sempre.
E lá estava.
Kurisu Mei.
Nome verdadeiro. Nacionalidade japonesa.
Parentesco... Jade Kurisu e Jinu Kurisu.
Meus olhos se arregalaram.
Eles estudam aqui há dois anos. São praticamente celebridades internas.
E mesmo assim... ela os ignorou.
Ela escolheu não dizer que é irmã deles.
Ela escolheu se esconder.
E agora, eu quero saber o porquê.
No dia seguinte, vesti o uniforme como sempre: perfeitamente alinhado, gravata justa, blazer sem uma dobra fora do lugar. O emblema da presidência do conselho sobre meu peito cintilava sob a luz. A maioria usava aquilo com orgulho. Eu usava como uma lembrança constante: poder exige controle.
Mas algo estava diferente naquela manhã.
Minha mente, mesmo entre cálculos de relatórios, discussões estratégicas do conselho e reuniões de evento, não saía dela.
Mei Kurisu.
Ela ainda não havia dito mais do que duas frases desde que chegou. Mas era como se falasse o tempo todo com o silêncio. E eu... nunca soube lidar com silêncio assim.
Entrei na escola com o habitual passo firme. Alunos se afastaram quando me viram. Alguns acenaram com um sorriso forçado. Outros apenas abaixaram os olhos. Eu gostava daquilo. Da ordem. Do respeito. Do reconhecimento.
Mas nada disso parecia importar quando olhei para o fundo do pátio e a vi sentada sozinha — de novo.
Com o mesmo livro. A mesma expressão.
Como se o mundo inteiro fosse pequeno demais pra merecer atenção.
As meninas do conselho estavam ao meu lado. Sabrina, Ava e Millie — três das mais influentes alunas do campus. Bonitas, inteligentes, e... rasas. Eu as tolerava porque me serviam.
“Elas estavam falando da nova garota ontem na minha aula de feitiologia,” disse Millie, com um tom afetado. “Aquela... Mei. Parece que ela foi extremamente grossa com umas garotas no intervalo. Quase fez uma delas chorar.”
“Dizem que ela é metida,” completou Ava, jogando o cabelo pro lado. “E que ignora todo mundo porque se acha superior.”
“Ou talvez ela só seja antissocial e estranha mesmo,” Sabrina riu. “Você viu o jeito que ela olha? Parece que quer matar alguém.”
Elas riram. Eu não.
Continuei olhando para Mei ao longe. O jeito como ela virava a página devagar. Como ela sequer parecia ouvir o barulho à sua volta. Como se tivesse criado uma bolha onde ninguém podia entrar.
Não era arrogância. Não era presunção.
Era... defesa.
“Charlotte?” Ava cutucou. “Você tá ouvindo?”
“Estou,” respondi, seca.
“Então você também acha que ela é estranha, né?”
Não respondi.
Continuei observando Mei enquanto as outras falavam dela como se fosse uma mancha fora de lugar num vestido caro. Como se ela fosse algo a ser eliminado.
Mas a verdade era outra.
Elas têm medo.
Mesmo sem saber por quê, elas sentem que Mei carrega algo que ninguém ali entende. Algo que pode destruir tudo o que elas acham que controlam.
E eu?
Eu também sinto.
A diferença é que eu não fujo disso. Eu quero entender.
No intervalo seguinte, eu não fui para o salão do conselho como de costume. Também não segui as garotas até a parte VIP da cafeteria.
Fiquei no corredor do segundo andar, no ponto exato de onde dava pra ver o pátio central. Mei estava no mesmo banco de antes. A postura reta. O livro apoiado nas pernas. A expressão... inabalável.
Era quase irritante.
Eu não estava acostumada a não ser notada. Não mesmo. A maioria das pessoas fazia questão de me agradar, me bajular, ou pelo menos me temer.
Mas ela? Ela simplesmente... não reagia.
Eu podia sentir que aquilo me afetava mais do que deveria.
“Você vai ficar observando a esquisita todos os intervalos agora?”
A voz de Millie soou atrás de mim. Irritante como sempre.
“Isso tá virando obsessão, Charlotte.”
Eu a encarei por um segundo — só um segundo. Ela engoliu em seco e saiu sem dizer mais nada.
Silêncio. Paz de novo.
Voltei meu olhar para baixo, onde Mei ainda lia seu livro de economia como se fosse a única coisa que existia no planeta. O mais engraçado era que, apesar do desprezo aparente por qualquer interação humana, ela parecia estar sempre... alerta.
Como se tudo fosse parte de um plano maior.
E então, como se o universo estivesse testando os limites dela... alguém se aproximou do banco.
Um garoto alto, bonito, expressão relaxada e confiante. Famoso. Desejado.
Jinu.
Eu o reconheceria até de longe. O controle de fogo mais refinado da escola. Um dos queridinhos do público, sempre cercado de atenção. Mas ali... ele parecia hesitar. Como se tivesse esquecido como se aproximar de alguém.
Mei nem levantou o olhar.
Jinu coçou a nuca, claramente desconfortável.
“Você... tá bem?” — ele perguntou, como se as palavras fossem proibidas.
“Saia daqui,” ela respondeu, fria. “Agora.”
A resposta foi tão seca, tão cortante, que ele parou por um segundo. Mas não foi surpresa. Foi culpa. Foi... algo mais.
“Você podia pelo menos fingir que não odeia a gente,” ele sussurrou.
Mas Mei apenas virou a página do livro. Como se ele fosse o vento. Invisível.
“Vocês aceitaram o jogo. Eu não. Agora suma antes que alguém perceba.”
Perceba o quê?
Que ela era irmã dele?
Eu senti minha mente disparar. Eles eram mesmo irmãos — e ela estava escondendo isso com unhas e dentes.
Mas por quê?
Jinu recuou, derrotado, voltando para a parte movimentada do pátio com a cabeça baixa.
Mei ficou. Inabalável.
Como sempre.
E eu…
Eu desci as escadas.
Sem dizer nada.
Ela ia me ver de perto, mais cedo ou mais tarde.
E agora, eu queria que fosse logo.
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Atualizado até capítulo 162
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