4 - Decisões e sonhos universitários

Era como se o fim do terceiro ano gritasse nas nossas costas.

Uma voz invisível, meio ansiosa, meio desesperada, perguntando o tempo todo:

“E agora? Qual caminho vocês vão seguir?”

A escola parecia menor, mais apertada. Os corredores que antes eram cheios de risadas agora carregavam um certo peso.

Os professores falavam com mais seriedade, os colegas evitavam conversas profundas — talvez com medo de encarar o futuro que já batia na porta.

Eu e Manu, por outro lado, estávamos cada vez mais coladas uma na outra.

Passávamos tardes inteiras largadas no colchão do quarto dela — aquele mesmo colchão no chão, meio velho, com lençol desbotado de florzinha e o ventilador barulhento girando lento no canto do cômodo.

Ali, o tempo parecia parar.

E, no silêncio cúmplice, a gente falava sobre tudo. E sobre nada.

— Mel (olhando pro teto): Será que faculdade é tudo isso mesmo? Tipo… será que é lá que a vida começa, de verdade?

— Manu (esticando as pernas, com o braço atrás da cabeça): A vida acontece quando o boleto chega, mana. Faculdade é só o comecinho do caos.

— Mel (rindo): Eita, animadora você, hein? Vou já correr pro sofá e desistir.

— Manu: Tô só preparando seu psicológico. Você acha que vai estudar Contábeis e já vai estar nadando em dinheiro no segundo semestre?

— Mel (fazendo pose dramática): Lógico! Eu escolhi Contábeis por dois motivos bem nobres: gosto de número… e gosto de dinheiro. Não tem erro!

Ela gargalhou alto, daquelas risadas gostosas que enchem o ambiente.

— Manu: E eu que escolhi Direito por causa das séries de tribunal! Eu nem vi The Good Wife, mas me senti a própria protagonista resolvendo tudo com um salto alto e um argumento afiado.

— Mel (brincando): A diferença é que você vai estar de tênis, sublinhando apostila e com olheiras até o queixo.

— Manu: Mas pelo menos o curso é na nossa cidade. Vou estudar a três quarteirões de casa. Ponto pra mim.

— Mel: Verdade. Eu vou pra cidade vizinha. Quarenta minutos de busão todo dia. Já tô prevendo meu colapso emocional se o wi-fi não funcionar.

— Manu: Ah, mana… se tiver café decente, já é vitória.

— Mel (sorrindo): E se tiver uns boys bonitos, melhor ainda.

— Manu (levantando a sobrancelha): Ui! Aí você já tá sonhando alto demais, hein.

As duas rimos. Aquele tipo de riso que vem com alívio, como se por alguns minutos o futuro pudesse esperar.

Depois veio o silêncio.

Não um silêncio desconfortável, mas daquele tipo que diz tudo.

O tipo que só se compartilha com quem conhece até o tom da nossa respiração.

— Mel (baixinho): É estranho, né? Parece que a gente tá saindo de uma infância que se esticou até aqui… e agora é sério. Faculdade, profissão, vida adulta. Tudo de verdade.

— Manu (virando o rosto pra mim): Sabe o que me deixa doida? A gente tem 18 anos. E já querem que a gente escolha o que vai fazer pro resto da vida.

Tipo… ontem a gente tava colecionando figurinhas do RBD.

— Mel: E hoje a gente coleciona boletos. Evoluímos.

— Manu (suspirando): Crescer é uma cilada.

**

Na semana seguinte, resolvemos tentar ser responsáveis.

Nos sentamos no quintal da minha casa, com uma mesa improvisada feita de caixote e duas cadeiras de plástico.

Tínhamos papéis rabiscados, canetas coloridas e um sol tímido de fim de tarde aquecendo nossas pernas.

— Mel (anotando): Beleza. Pra eu fazer Contábeis lá, preciso:

Transporte

Mensalidade

Uma mochila nova, porque a minha tá abrindo o zíper por pena.

— Manu: Coloca aí também: coragem, café e paciência pra explicar pra sua mãe que você vai viver no busão.

— Mel: E você?

— Manu: Direito vai ser puxado, mas vou estudar aqui pertinho. Já é um alívio. Mas eu preciso criar casca, sabe? Porque esse curso é pauleira, e eu sou só um pudim ainda.

— Mel: Ah, mas a gente vai continuar fazendo nossas festas do pijama, né? Toda sexta. Sem falta.

— Manu (determinada): Toda sexta. Vai ser nosso ritual sagrado de sanidade mental.

— Mel (selando com a mão): Fechado. E se faltar uma, paga o lanche da próxima.

— Manu: Combinado!

E assim, com listas rabiscadas, planos incertos e promessas bobas, a gente começou — meio sem saber — a escrever nosso futuro.

**

O dia da matrícula chegou mais rápido do que a gente imaginava.

Meu estômago parecia um liquidificador.

As mãos suavam. O coração parecia sussurrar: “É agora.”

Cheguei na faculdade com a papelada em mãos e os joelhos meio bambos.

Assinar aquele contrato foi como mergulhar num mar desconhecido.

Mas eu assinei.

Curso: Ciências Contábeis

Cidade: vizinha

Status: morrendo de medo, mas sorrindo por fora.

Do outro lado da cidade, Manu também estava fazendo a matrícula dela.

Nos encontramos por acaso, no final da tarde, no ponto de ônibus.

Ela vinha com um papel dobrado nas mãos e um sorriso vitorioso no rosto.

— Manu (exibindo o papel): Feito! Agora sim… doutora em construção.

— Mel (mostrando o meu): Economista em processo. Vambora.

Nos abraçamos ali mesmo, no meio da rua, sem nos importar com quem olhava.

Foi um abraço forte.

Daqueles que carregam medo, alívio, orgulho e um pedacinho de saudade antecipada.

A verdade era que a gente não fazia ideia do que vinha pela frente.

Mas mesmo assim, havia um brilho nos nossos olhos.

Como quem sabe que está prestes a viver algo grande — mesmo que o grande ainda seja desconhecido.

O mundo podia até parecer assustador.

Mas com Manu ao meu lado… eu tinha certeza:

Mesmo as decisões difíceis podem ser divididas.

E quando a gente compartilha o peso…

Tudo fica mais leve.

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Comments

Mưa buồn

Mưa buồn

Bom começo, não pare aí.

2025-07-11

1

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