O segundo ano do ensino médio tava acabando, e eu sentia que minha paciência também.
Era uma avalanche de provas finais, trabalhos acumulados, seminários quilométricos e aquela pressão insuportável de parecer madura quando tudo que eu mais queria era jogar tudo pro alto e sair correndo sem rumo.
Naquela manhã quente de novembro, entre o som irritante do ventilador velho da sala e os cochichos abafados sobre a prova de matemática, entrei jogando minha mochila no canto com força e suspirei alto, como se isso pudesse aliviar o peso de tudo.
— Mel: Ai, que saco! Duas semanas no sufoco. Eu só queria sumir.
— Manu: Também, mana! Mas vai dar certo. Não é à toa que a gente passou em sétimo e oitavo no vestibular!
Ela falou com aquele sorrisinho debochado de "nem sei como sobrevivemos", e eu ri. Era aquele riso de cansaço misturado com alívio, como se ríssemos só pra lembrar que ainda estávamos vivas.
— Mel: Juro que até hoje não sei como a gente passou. Acho que foi milagre mesmo.
— Manu (rindo): Ou só desespero bem administrado!
Fechamos aquele ciclo na base do café e do desespero, mas também com garra. E no fundo, mesmo exaustas, havia uma sensação boa, aquela pontinha de orgulho silencioso de quem deu tudo de si.
Como prêmio merecido, fomos comemorar no rancho da família. Piscina gelada, música no último volume, churrasco no fogo, zoeira entre primos, sol batendo forte no rosto… Era aquele tipo de dia que parece ser feito pra lavar a alma.
Era aniversário do nosso primo Rafael, e ele tava no maior clima de festa com a namorada dele, a Aninha — que a gente já considerava irmã. Ela era daquelas pessoas que encantam só de chegar: doce, divertida, com uma risada gostosa que preenchia o ambiente.
Foi lá que eu conheci… o Cadu.
Melhor amigo do meu primo Tarcísio, ele chegou quieto, meio na dele, usando um boné torto que escondia metade do rosto. Tinha um sorriso tímido, quase envergonhado, e um jeito desajeitado que de algum modo me chamou atenção. Era mais novo. Uns três anos abaixo da minha idade.
Eu tinha acabado de fazer 18. Ele ainda estava terminando o oitavo ano. Oitavo. Ano.
— Mel (pensando): Sério, universo? Mais novo?
Mas... verdade seja dita: idade nenhuma segura jogo.
Começamos jogando truco, depois sinuca, depois vôlei de areia... e adivinha? Eu passei o trator neles.
— Mel (fingindo humildade): Ah, eu nem sei jogar direito...
— Tarcísio: Aham. Nem sabe jogar. E fez a gente de bobo na sinuca!
— Heitor: Só faltou a mesa te aplaudir, Mel.
— Cadu (rindo): Essa daí é perigosa, véi. Fala manso, mas humilha bonito.
— Mel (provocando): Chora que dói menos, garotos.
— Mel: Se não aguenta, não desce pro play!
E assim viramos uma mini gangue do rancho: eu, Cadu, Tarcísio e Heitor.
Ficamos o dia todo rindo alto, disputando tudo, jogando sujo no truco e debochando uns dos outros com carinho. Era como se o tempo tivesse desacelerado só pra gente aproveitar aqueles momentos. Foi leve. Foi livre. Foi bom demais.
Quando o sol já começava a cair no horizonte e o céu ganhava tons alaranjados, alguém jogou no ar:
— Tarcísio: Bora brincar de "Verdade ou Desafio"?
Ai, o clássico.
Sabia que dali podia sair coisa, e meu coração já deu aquela batidinha ansiosa.
Antes de começar, Tarcísio me puxou de lado, meio rindo, meio sério.
— Tarcísio: Ô Mel, ajuda o Cadu aí… ele nunca beijou ninguém. Cê tá ligada, né?
— Mel (surpresa): Sério?
— Tarcísio (rindo): Sério mesmo. Dá essa moral pra ele. Ele é gente boa.
Eu ri, mas fiquei com aquilo na cabeça. O jogo foi seguindo, e as perguntas foram esquentando. Um revelava uma vergonha, outro pagava uma prenda. Até que chegou o momento.
— Heitor: Cadu, verdade ou desafio?
— Cadu: Desafio.
— Heitor: Beija a Mel.
A roda caiu em silêncio. Um silêncio cheio de expectativa.
Cadu ficou vermelho até a raiz do cabelo.
Meu coração acelerou do nada. Tentei aliviar o clima com um sorriso gentil.
— Mel: Tá tranquilo… não precisa se preocupar.
— Cadu (quase gaguejando): É… é que... eu nunca… tipo…
— Mel (sorrindo de leve): Relaxa.
E então nos beijamos.
Foi um beijo leve, doce, meio desajeitado. Mas tinha uma ternura ali, uma sinceridade tão crua, que dava pra sentir que era o primeiro dele.
Não era pelo jeito que ele beijava. Era o nervosismo nos olhos. A respiração acelerada. O silêncio depois.
Aquele beijo ficou. Não só na boca. Mas guardado num cantinho do meu peito.
O tempo passou. A vida seguiu seu curso. E no Natal daquele ano, no meio da bagunça da ceia, das risadas dos primos e das músicas de fundo, ele me chamou pra conversar num cantinho do quintal.
Veio com uma cartinha dobrada nas mãos, escrita com uma letra pequena e trêmula.
— Cadu: Eu... queria te pedir em namoro. Tipo... sério.
— Mel (sorrindo): Sério?
— Cadu (olhando pro chão): É que eu gosto de você de verdade. Não sei explicar. Só gosto.
Meu coração apertou com aquele jeitinho puro e nervoso.
Eu disse sim.
Namoramos por quase um ano.
Foi leve. Foi sincero. Foi nosso.
Era simples. Cheio de primeiras vezes. Primeira ligação de madrugada. Primeiro “eu te amo” escrito em papel. Primeiro ciúme bobo. Primeiro mundo compartilhado.
Terminamos na época das formaturas. Eu do terceiro, ele do nono.
Foi tranquilo. Natural. Como se o ciclo tivesse se encerrado no tempo certo.
Mas ficou.
Ficou a doçura do primeiro sentimento correspondido.
Ficou a cartinha dobrada com palavras sinceras.
Ficou o primeiro beijo dado no meio de uma brincadeira de verão.
Ficou a certeza de que o amor, quando chega, pode ser simples e bonito.
E quando vai…
Não precisa ser dor.
Às vezes, ele só abre espaço…
Pra algo ainda maior.
Oiee, tudo bem?
A próxima história que criarei será inspirada nos dois, espero que gostem!
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Atualizado até capítulo 34
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