As paredes do antigo templo ainda vibravam com a energia despertada na noite anterior. Rayhna não retornou ao castelo. Ficou ali, entre as ruínas e os ecos de um passado que ainda sangrava sob a pedra. Havia algo que só ela podia ouvir: sussurros que se escondiam nas rachaduras do chão, que deslizavam pelas colunas partidas, que respiravam junto com o vento que soprava do leste.
Ela não precisava vê-los. Sabia que estavam ali.
Sussurros.
Chamados sem voz.
Verdades que recusavam o silêncio.
Lucien retornou ao templo ao amanhecer. Trazia consigo um objeto envolto em veludo negro: o relicário que encontrara escondido sob o assoalho da Casa Morta. Rayhna o encarou antes mesmo que ele falasse. Seus olhos estavam vermelhos, intensos, como se não tivesse dormido. Mas não havia cansaço em sua expressão. Havia algo mais sombrio: lucidez.
— Onde encontrou isso? — perguntou ela, sem tocar no relicário.
— Ele me chamou — respondeu Lucien. — Como se soubesse que eu estava pronto para lembrar.
Rayhna finalmente estendeu a mão e abriu o tecido. O relicário era de prata antiga, em forma de olho. No centro, uma pedra escura pulsava, como se fosse feita de sombra viva.
— Isso não é um objeto qualquer — disse ela. — É um dos três selos.
Lucien respirou fundo.
— Selos de quê?
— De contenção. Cada selo prende uma parte daquilo que foi separado da Deusa. Coração. Voz. Visão. Este... é a visão.
Ele sentiu a pulsação do relicário através do tecido. A pedra escura o observava, mesmo sem pupilas. E quanto mais a encarava, mais lembranças vinham — memórias que não eram inteiramente suas.
Rayhna afastou-se do objeto.
— Você precisa decidir se quer ver. Porque uma vez que se enxerga o que está escondido, não há como desver.
Lucien, teimoso como sempre, pegou o relicário. Quando o fez, seu corpo enrijeceu. Seus olhos se voltaram para trás, e a sala pareceu recuar. O templo desapareceu. As colunas sumiram. Tudo foi substituído por uma escuridão líquida, onde olhos pairavam como estrelas em um céu invertido.
Ele viu Nyx.
Não como ela era agora, mas como havia sido. Antes da ruptura. Antes de escolher a neutralidade.
Ela estava ajoelhada diante de um altar de ossos. Suas mãos estavam cobertas de sangue. Seus olhos, vazios. Atrás dela, três sombras assistiam em silêncio. E no centro, onde o altar ardia com fogo branco, havia uma criança.
Rayhna o puxou de volta.
Lucien caiu de joelhos, arfando. Sangue escorria de seu nariz. Mas ele não largou o relicário.
— É uma chave — sussurrou. — E também é uma ameaça.
Rayhna assentiu. Sua expressão estava pesada.
— Precisamos esconder isso. Antes que os sussurros encontrem uma forma de gritar.
Nyx apareceu horas depois. Como sempre, como se nunca tivesse partido.
— Não era hora de abrir o selo — disse ela, com um olhar mais sombrio que o habitual. — Mas já que abriram... precisam saber:
Ela se aproximou. O ar ao redor esfriou.
— Existem olhos em corpos vivos, e olhos em corpos mortos. Mas os mais perigosos são os que espreitam por dentro.
Ela olhou para Rayhna.
— E os seus já começaram a mudar.
Rayhna recuou um passo. Nyx tocou levemente o rosto dela. Foi como se um espelho se partisse dentro da vampira. Fragmentos de memória, sangue e tempo caíram entre elas.
— Estão tentando acordar a visão completa. E se conseguirem, ela verá os filhos.
Lucien interrompeu.
— Não! Eles estão protegidos. Longe de qualquer portal, de qualquer vestígio.
Nyx o olhou, séria.
— Enquanto os selos estiverem intactos, sim. Mas agora falta só dois.
Rayhna estava imóvel. Sua mente tentava conter os fragmentos que explodiam dentro dela. As vozes, os ecos, os nomes antigos que voltavam com força.
— Onde estão os outros selos? — ela perguntou.
Nyx sorriu, enigmática.
— Um está em um lugar onde ninguém quer voltar. O outro... dentro de alguém que ainda não sabe o que carrega.
O templo estremeceu levemente. O relicário vibrou nas mãos de Lucien.
Sussurros se intensificaram nas paredes.
E todos sentiram o mesmo arrepio: estavam sendo vigiados de dentro para fora.
Porque agora, os olhos que nos observam... estavam acordando.
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Atualizado até capítulo 28
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