Capítulo 4 – Noite Sem Rostos
A noite parecia igual a todas as outras, mas Alicia sabia que cada vez que passava por aquela porta de vidro espelhado da boate de luxo, mais um pedaço dela ficava ali dentro. O salto doía, o rabo de cavalo puxava demais, e o batom vermelho nos lábios secos já não parecia tão vibrante. Mas ela continuava. Porque precisava. Porque não havia outra escolha.
Assim que entrou no vestiário das funcionárias, trocou a roupa simples por aquele uniforme provocante que odiava — vestido preto colado, decote estratégico, salto alto. Limpou a maquiagem da manhã e reaplicou a maquiagem da noite. O espelho lhe devolveu um reflexo cansado, mas firme. Ela estava viva. Estava lutando. Isso bastava.
— Alicia! — chamou Beatriz, a supervisora, apressada. — Hoje você vai ficar atenta à mesa 9. Não tem ninguém lá agora, mas o segurança disse que, se o dono aparecer, é pra ser você a atendê-lo. Ninguém mais.
Alicia ergueu uma sobrancelha.
— O dono?
— É. Ou alguém próximo dele. Não ficou claro. Só disseram que era pra ser você. E que não quer confusão, nem garota dando em cima, nem conversa demais. É pra ser discreto e profissional. Ouviu?
— Sempre fui, Beatriz — respondeu Alicia, com firmeza.
Beatriz revirou os olhos, talvez com um pouco de inveja. Alicia era a única que não se rebaixava, e mesmo assim — ou talvez por isso — chamava atenção. Sem mostrar pele demais, sem jogar charme, sem sorrisos forçados. Ela apenas fazia o trabalho. E fazia bem.
O salão estava cheio. Celebridades, empresários, filhos de políticos. Homens que cheiravam a dinheiro e luxúria. Mulheres lindas, moldadas, prontas para serem escolhidas como troféus.
Alicia caminhava entre as mesas como quem atravessa um campo minado. Um copo de uísque, duas taças de vinho, três risos forçados que ela ignorava. O som alto da boate, as luzes girando, o cheiro de perfume caro misturado com cigarro escondido nos corredores. Era outro mundo. E ela só queria sair dali inteira.
Olhou discretamente para a mesa 9. Vazia. As taças limpas, o balde de gelo esperando, como se o tal cliente fosse aparecer a qualquer momento. Mas o tempo passava, e nada. Nenhum segurança se aproximou. Nenhuma movimentação.
No fundo, ela torcia para que fosse mais um boato, mais uma ordem que não daria em nada. Não queria lidar com mais um homem rico se achando dono do mundo. Já bastavam os que tentavam agarrá-la quando ela virava de costas.
— Tô achando que ele não vem hoje — comentou Letícia, uma das garçonetes, parando ao lado de Alicia enquanto ajeitava o decote. — Mas se vier... mulher, te prepara. Dizem que esse cara é puro veneno. Manda e desmanda até nos donos da casa.
Alicia apenas deu de ombros.
— Eu só sirvo bebida. Nada mais.
Letícia soltou uma risada debochada.
— Por isso mesmo que ele pediu por você, né?
A noite continuou. O relógio marcava três da manhã. A mesa 9 continuava vazia.
E Alicia... exausta.
O último pedido que entregou foi um coquetel sem álcool para uma moça elegante que parecia mais entediada do que embriagada. Depois, recolheu algumas taças, limpou uma bandeja, pegou a bolsa no armário do vestiário e saiu pela porta dos fundos.
O ar frio da madrugada bateu em seu rosto como um alívio. Respirou fundo e sentiu os ombros relaxarem pela primeira vez em horas. A rua estava vazia, silenciosa, com aquele clima quase irreal das madrugadas grandes demais para os corações pequenos.
Alicia andou a passos rápidos até o ponto de ônibus. O salto nas mãos, os pés no asfalto. A maquiagem borrada. O cheiro de bebida e fumaça ainda grudado na pele. Era como se voltasse a ser ela mesma só quando o uniforme saía.
Sentou-se no banco de concreto, esperando o coletivo que só passava de hora em hora. Pegou o celular. Nenhuma mensagem. Nenhuma ligação. Nenhum “boa noite”. Já não esperava por isso. E tudo bem. Ela havia aprendido a ser o seu próprio colo.
Lembrou do que disseram sobre o dono da boate. Que ele poderia aparecer a qualquer momento. Que queria ser atendido apenas por ela. Mas... por quê? Quem era ele? E por que Alicia?
Essas perguntas ecoaram na mente dela enquanto o ônibus finalmente surgia no fim da rua. Subiu, sentou na janela, encostou a cabeça e fechou os olhos.
Lá dentro, em silêncio, sentia que algo estava por vir. Algo grande. E talvez perigoso.
Mas por enquanto... ela só queria dormir.
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Atualizado até capítulo 38
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