Capítulo 3 – Parte 1 – Estrategicamente Cego
Me chamo Gael Ramírez. Tenho trinta e dois anos.
Muita gente me vê como um cara de sucesso. CEO de uma multinacional mexicana, dono de uma rede de suplementos e equipamentos que está se expandindo para o Brasil e Europa. Mas, honestamente? Nem eu tenho certeza se isso tudo foi mesmo escolha minha.
Nasci na Cidade do México, filho do homem mais exigente que conheço: Francesco Ramírez.
Ele é o presidente da VitalShape e, mesmo agora, com seus sessenta anos, comanda tudo como se tivesse trinta.
Enquanto eu tô aqui, em lua de mel, é ele quem tá segurando as rédeas da empresa.
Meu pai é um daqueles homens que acreditam em sacrifício, meritocracia e trabalho duro. Me treinou desde pequeno pra ser o sucessor.
Minha mãe, Leonor, é o oposto dele: delicada, calma, sensível. Uma mulher de fé, que acalma os nossos dias com chá de camomila e orações antes de dormir.
Meus irmãos, Alejandro e Camila, seguem a mesma linha: fortes, determinados, mas apaixonados pelo que fazem.
Cresci cercado de estrutura e responsabilidade. A empresa era nossa vida.
Quando completei 25, meu pai me colocou como diretor de expansão internacional da VitalShape.
Foi aí que conheci Rui. Ele entrou como meu braço direito e se tornou meu melhor amigo. Pelo menos… era o que eu achava.
Foi também nessa época que conheci Renata.
Ela era... magnética. Inteligente, segura, bem relacionada. Em dois meses, já era presença nos eventos da empresa. Em seis, namorada oficial.
Um ano depois, noivamos.
Adiei o casamento o quanto pude — o trabalho sempre servia de desculpa — mas ela pressionou.
“Ou agora ou nunca.”
E eu fui.
Casamos há três semanas. A cerimônia foi exatamente como ela queria: grandiosa, luxuosa, impecável.
Eu apenas fui levado.
Na nossa noite de núpcias, ela dormiu antes de mim. Postou fotos no Instagram, comentou curtidas… depois apagou.
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Enquanto isso, no quarto ao lado — literalmente, o quarto 705 do mesmo hotel em Maceió —
Renata se olhava no espelho com um sorrisinho discreto.
— Ele assinou tudo — disse, prendendo o cabelo.
— Você é uma gênia — respondeu Rui, sentado no sofá, com uma taça na mão.
— A empresa, as cotas, o fundo de investimentos da filial europeia... ele assinou como “presente de confiança matrimonial”.
Ela deu uma risada curta. — E agora quem tá com a confiança sou eu.
— E quando ele descobrir?
— Ele não vai. Não enquanto eu continuar sorrindo e dizendo que o amo.
E mesmo que desconfie, já será tarde demais.
— Acha mesmo que vai conseguir tomar tudo dele?
— Não preciso de tudo. Só o suficiente pra que ele não consiga se levantar depois.
Rui levantou o copo.
— À mulher mais perigosa que já conheci.
— À nossa vitória — ela respondeu, brindando com o olhar.
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Voltemos a mim.
Acordei hoje com uma sensação estranha. Renata nem me olhou.
Reclamou do quarto, do café da manhã e da água de coco.
Falou que a areia da praia era “agressiva demais”.
Mas insistiu pra irmos. Disse que tinha escolhido uma praia famosa por sua tranquilidade e restaurantes pé na areia.
Chegamos por volta das dez da manhã. O mar tava impecável. Céu azul, vento leve, um calor gostoso.
Mas Renata não se deu ao trabalho de sorrir. Pediu um guarda-sol, uma cadeira de praia acolchoada e protetor solar fator 90.
Ficamos ali por menos de vinte minutos. Depois, ela quis almoçar.
O restaurante era lindo, todo de madeira rústica, vista pro mar, garçons simpáticos.
Mas tava lotado. Como não fizemos reserva, só havia uma mesa grande sendo ocupada por três pessoas: uma senhora, um menino e uma mulher.
O garçom perguntou se eles se importariam de dividir a mesa com um casal em lua de mel.
A senhora olhou pra moça e depois assentiu com a cabeça.
E foi assim que conheci Lara.
Ela estava descalça, com os pés ainda sujos de areia, cabelo preso num coque desajeitado, e o rosto queimado de sol — com um sorriso tão genuíno que me desarmou.
Falava com o menino com uma ternura que eu não via há muito tempo.
O menino era o sobrinho dela — Lucas. E a senhora era a avó — Dona Maria.
Uma família. Uma conexão. Algo… bonito de se ver.
Sentamos.
Renata ignorou todos à mesa. Pediu um vinho branco, exigiu o prato mais caro e não olhou pra mais ninguém.
Já Lara... me olhou nos olhos, estendeu a mão e falou em espanhol perfeito:
— Bienvenidos. Siéntanse cómodos.
("Bem-vindos. Sintam-se à vontade.")
— Gracias. No queremos interrumpir. — respondi, surpreso com a fluidez dela.
("Obrigado. Não queremos atrapalhar.")
— No están interrumpiendo nada. Solo estábamos contando historias tontas sobre el mar. — disse ela, rindo, enquanto acariciava os cabelos do menino.
("Não estão atrapalhando nada. Estávamos só contando histórias bobas sobre o mar.")
— ¿Eres de aquí? — perguntei, curioso.
("Você é daqui?")
— Sí, nací en Maceió. Pero aprendí español viajando... y escuchando muchas canciones mexicanas.
("Sim, nasci em Maceió. Mas aprendi espanhol viajando... e ouvindo muitas músicas mexicanas.")
Ela piscou, divertida.
— ¿Y tú? ¿Luna de miel?
("E você? Lua de mel?")
— Sí — falei, sem muita empolgação — recién casados.
("Sim, recém-casados.")
— Pues... felicidades. Espero que esta playa traiga más bendiciones que arena.
("Pois... felicidades. Espero que essa praia traga mais bênçãos que areia.")
— Eso espero.
("Também espero.")
Durante a refeição, eu me peguei observando cada gesto dela. Como falava com o menino. Como ria das piadas bobas dele.
Era como assistir a uma vida que eu não sabia que sentia falta.
Quando nos despedimos, ela apertou minha mão com firmeza. E deixou um peso em mim.
Voltamos pro hotel. Renata reclamou do ar-condicionado. Do motorista. Do tempo.
No dia seguinte, embarcamos às 7h da manhã para o México. Ela dormiu o voo inteiro.
Eu não. Eu só pensava nela.
Na mulher de alma leve que, sem saber, me mostrou o quanto eu estava afundado naquilo que chamam de “vida perfeita”.
E sem saber, também... me puxou de volta à superfície
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A Cidade do México nos recebeu com aquele caos urbano típico de uma capital que nunca dorme. Carros buzinando, gente correndo com café na mão, vida pulsando em cada esquina.
Mas nada disso me despertava por dentro.
Renata falava sem parar ao meu lado no carro.
Reclamava do voo, do hotel de Maceió, da praia, do garçom que “demorou mil anos” pra servir o vinho.
E eu?
Eu só pensava no olhar calmo daquela mulher na praia.
Lara.
Não era sobre beleza. Era sobre leveza.
Ela era... diferente. Do tipo que não precisa se esforçar pra te fazer respirar mais devagar.
Chegamos em casa no final da tarde.
A mansão dos Ramírez, em Santa Fe, zona nobre da cidade, parecia ainda mais fria naquele domingo cinza.
Renata subiu direto pro nosso quarto. Pediu pra não ser incomodada — disse que precisava “recuperar o emocional” da viagem.
Fui pro meu escritório. Liguei o computador. Verifiquei e-mails. Respondi três pendências.
E foi então que ouvi a voz dela.
Não a voz doce que ela usava comigo.
Era outro tom. Frio. Objetivo. E... revelador.
— “Você precisa dar um jeito de sumir com aquele contrato antes que ele volte pro escritório.”
Minha coluna travou. A voz vinha do andar de cima. O quarto de hóspedes.
Subi em silêncio. Encostei na porta, sem fazer barulho.
— “Gael ainda tá encantado com aquela ideia de amor ideal. Nem desconfia.”
— “Não sei por quanto tempo você consegue manter essa farsa, Renata.”
— “Até tudo estar no meu nome, Rui. E depois... que se exploda.”
Meu coração parou.
Não foi exagero. Parou mesmo.
Por um segundo, eu quis abrir a porta e gritar.
Quis quebrar tudo. Expulsar os dois. Mandar o mundo à merda.
Mas me contive.
Porque eu aprendi desde pequeno que, quando você é ferido...
Você não grita.
Você observa. Você espera.
Você revida quando a faca estiver bem afiada.
Desci as escadas com passos firmes.
Abri uma garrafa de uísque. Bebi em silêncio.
E pensei em cada detalhe daquela conversa.
Ela me usou. Me enganou. Me colocou na palma da mão dela por cinco anos...
E ainda assim teve a ousadia de continuar aqui, na minha casa, deitada na minha cama.
Foi nesse momento que o telefone tocou.
Era meu pai.
— Gael, a reunião com a brasileira tá confirmada pra amanhã, às 10h. Você vai poder comparecer?
Engoli o nó na garganta.
— Não vou, pai. Tô... indisposto.
— Tudo bem. Eu cuido disso. Mas fique atento. Essa Lara Mendes parece ser uma daquelas pessoas difíceis de impressionar.
— Eu confio em você.
— E você sabe que eu confio em você.
Vamos conversar melhor sobre isso amanhã à noite.
Desliguei e olhei pela janela.
Lara Mendes.
O nome me soava como música.
Me perguntei o que ela pensaria se soubesse que, no andar de cima, uma mulher tramava pra me destruir.
Se soubesse que por trás do terno impecável e do título de CEO... tinha um homem prestes a explodir por dentro.
Mas eu não sou qualquer homem.
Sou um Ramírez.
E agora... ela mexeu com o homem errado.
Não ia confrontar ninguém ainda.
Eu ia deixar eles pensarem que venceram.
Que estavam no controle.
E então, no momento certo...
Eu puxaria o tapete.
E eles iam cair tão fundo, que nem o inferno ia aceitar.
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Atualizado até capítulo 40
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