A madrugada deu lugar a uma manhã em Istambul que, para o resto do mundo, poderia ter sido um convite à rotina. Os primeiros raios de sol, tingidos de um dourado opaco, filtrava-se pelas frestas das cortinas de seu apartamento, iluminando o pó que dançava no ar. Mas para Anastacia, cada um deles carregava consigo a sombra densa e persistente da noite anterior. O cartão de Joe, um pequeno retângulo de ébano com o nome em prata, jazia sobre o criado-mudo, sua presença quase um desafio mudo que se recusava a ser ignorado. Era um ponto focal irritante em seu campo de visão, uma voz silenciosa sussurrando para ela a cada vez que seus olhos desviavam em sua direção, carregando a promessa de um enigma, um perigo, uma verdade. A fascinação perigosa, que havia se enraizado profundamente em sua mente esse capítulo agora tinha se transformado em uma obsessão latente, um carrossel de perguntas sem respostas girando incessantemente em sua mente. Deveria ligar? A razão gritava "não", com a força de mil alarmes, a mente lhe ditava a imprudência, mas a curiosidade, a inebriante e perigosa curiosidade, sussurrava "sim" com uma doçura sedutora que prometia aventura.
Ao longo do dia que se seguiu, a imagem de Joe parecia projetar-se em cada superfície, em cada reflexo nas janelas dos arranha-céus, em cada pensamento. Seus olhos penetrantes e o sorriso enigmático surgiam em sua mente nos momentos mais inoportunos, enquanto ela tentava, em vão, se concentrar em seu trabalho, nas tarefas diárias que antes a ancoravam na realidade de sua vida em Istambul. A decisão de ligar ou não pairava sobre ela como uma nuvem carregada de eletricidade estática, prometendo uma tempestade iminente. O medo do desconhecido era palpável, um nó no estômago que a impedia de saborear o chá turco que preparara, mas a atração pelo mistério, pela verdade por trás daquele homem, era ainda mais forte, um ímã irresistível que a puxava para o abismo. Era uma tentação que ela não conseguia mais ignorar, uma força que a arrastava para um destino incerto. Ela pegou o celular inúmeras vezes, seus dedos pairando sobre o teclado numérico, hesitando, questionando sua sanidade. O que diria? O que esperaria desse contato? Finalmente, em um arroubo de impulso que a surpreendeu pela sua própria audácia e falta de bom senso, ela digitou o número, como quem salta de um precipício sem olhar para trás.
O telefone tocou apenas uma vez, um som breve e solitário no silêncio de seu apartamento, abafado apenas pelo distante burburinho da cidade, antes de uma voz profunda e familiar atender. "Anastacia", disse a voz, sem qualquer traço de surpresa ou hesitação, como se ele soubesse, com uma certeza absoluta, que ela ligaria. O simples fato de ele já saber seu nome, e de ter atendido tão prontamente, fez um calafrio glacial descer pela espinha dela, arrepiando os pelos de seus braços. Ele estava esperando. Ele sabia. Aquela consciência era não apenas perturbadora, mas assustadora. Era como se ele pudesse ler sua mente, ou talvez, como se ele tivesse orquestrado tudo desde o início, um mestre de marionetes invisível.
"Joe", ela respondeu, tentando soar o mais controlada possível, mas sentindo o pulso acelerar e um rubor subir ao seu rosto. A boca dela estava seca. "Você... você deixou isso comigo." Ela se referia ao cartão, uma desculpa esfarrapada, quase infantil, para a ligação, mas que servia ao propósito de iniciar uma conversa sem parecer excessivamente ansiosa ou curiosa, como se o cartão fosse o motivo, e não a curiosidade insaciável.
Um riso baixo, quase um ronronar satisfeito, reverberou do outro lado da linha, preenchendo o pequeno espaço de seu apartamento e a fazendo se sentir ainda mais exposta, como se ele estivesse ali, observando-a. "Eu não deixo nada por acaso, Anastacia", ele disse, a voz impregnada de uma frieza calculista que agora ela conseguia identificar e que a gelava por dentro. "A questão é: você ligou." Havia um tom vitorioso em sua voz, um reconhecimento sutil de que ela havia caído, sem perceber, em sua teia cuidadosamente tecida. Ele prosseguiu, sua voz suave, quase um murmúrio sedutor, mas com um comando inegável que não admitia recusa. "Gostaria de me encontrar. Novamente. Desta vez, em um lugar mais... reservado. Amanhã à noite." A palavra "reservado" ressoou em sua mente com um significado mais sombrio do que ela gostaria de admitir, evocando imagens de sombras e segredos.
Anastacia hesitou, o celular colado à orelha, o coração martelando contra as costelas como um tambor de guerra. A armadilha estava clara, as sirenes de aviso soavam alto em sua mente, um coro de prudência. O instinto de autopreservação gritava para ela se afastar, para desligar e nunca mais olhar para trás, para desaparecer. Mas a curiosidade, agora alimentada pela certeza de que ele a estava testando, a desafiando a cruzar uma linha, a impulsionava para frente, para a beira do precipício. "Onde?", ela perguntou, a voz, para sua própria surpresa, mais firme do que esperava, quase desafiadora, como se ela ainda tivesse algum controle.
Joe forneceu um endereço em uma área mais antiga e discreta de Istambul, conhecida por suas construções robustas de pedra e ruas sinuosas pouco movimentadas após o anoitecer, e um horário preciso. "Esteja lá. Não se atrase." A ligação terminou tão abruptamente quanto começou, sem despedidas, sem formalidades, deixando Anastacia com o celular ainda na orelha, um zumbido distante e a sensação inconfundível de ter acabado de assinar um pacto com o diabo, selando seu próprio destino com uma decisão imprudente, mas irresistível.
Na noite seguinte, a ansiedade de Anastacia era quase insuportável, um fardo pesado que pesava em cada movimento, em cada respiração. Ela se vestiu com cuidado metódico, escolhendo roupas que fossem discretas, em tons neutros, mas que ainda assim transmitissem sua força e sua personalidade, como se a roupa pudesse ser um escudo protetor. Cada sombra que dançava nas ruas iluminadas pela fraca luz dos postes, cada táxi que passava apressado com seus faróis cegantes, parecia um presságio sombrio, um sinal de algo iminente. Ao chegar ao endereço, encontrou uma construção antiga, de pedra escura e gasta pelo tempo, com poucas janelas pequenas e gradeadas, lembrando uma fortaleza otomana. Uma pesada porta de madeira entalhada, com ferragens rústicas, parecia mais um portão de masmorra do que uma entrada comum. Não havia letreiro, nem sinais de vida aparente, apenas uma aura de segredo e reclusão que emanava das paredes. Era um lugar que gritava "silêncio" e "mistério", um local à parte do mundo comum, escondido à vista. Respirou fundo, o ar fresco e úmido da noite de Istambul enchendo seus pulmões, e empurrou a porta. Para sua surpresa, ela cedeu com um rangido suave e inquietante, convidando-a para dentro.
O interior era uma antessala escura e fria, com o cheiro de mofo e pedra antiga. A luz era escassa, apenas o suficiente para distinguir as formas. Poucos segundos depois, uma porta lateral, antes imperceptível na parede escura, se abriu silenciosamente, revelando um corredor iluminado por tochas tremeluzentes presas às paredes de pedra, lançando sombras dançantes e fantasmagóricas. E lá estava ele, Joe, parado à sua frente, sua silhueta imponente contra a luz bruxuleante, uma figura tirada de um pesadelo e um sonho. Ele estava vestido de forma impecável, um terno escuro que se ajustava perfeitamente à sua figura atlética e ameaçadora, e seus olhos, mais uma vez, a fixaram com a mesma intensidade da primeira vez, mas agora com um brilho adicional de expectativa e posse que a fez recuar um imperceptível meio passo, um instinto de fuga.
"Você veio", ele disse, a voz sem surpresa, mas com um certo tom de aprovação que a irritou profundamente, como se ela fosse um mero peão em seu jogo.
"Você me chamou", ela retrucou, erguendo o queixo, recusando-se a mostrar qualquer fraqueza, qualquer hesitação que pudesse encorajá-lo a um domínio ainda maior.
Ele não respondeu com palavras, mas com um gesto, um aceno de cabeça imperioso, indicando que ela o seguisse. Anastacia sentiu um arrepio gélido percorrer sua espinha, um pressentimento de algo terrível. Aquele não era um encontro casual, nem uma conversa entre um homem e uma mulher. A arquitetura austera do lugar, os poucos guardas discretamente posicionados nos cantos mais sombrios da antessala, a maneira como o silêncio pesado engolia qualquer som, quebrando apenas pela respiração ofegante dela – tudo indicava que ela estava em território inimigo, perigoso, muito perigoso.
Ele a conduziu por corredores labirínticos, que pareciam se estender infinitamente na penumbra, cada passo dela ecoando no silêncio opressor, o som seco de seus sapatos contra o chão de pedra polida. A cada curva, um novo pressentimento de algo sinistro se formava em seu peito, um aperto angustiante, como se as paredes estivessem se fechando. Finalmente, chegaram a uma sala grande e circular, com uma mesa imponente de madeira escura no centro e várias telas embutidas nas paredes, exibindo mapas e dados que Anastacia não conseguia decifrar de imediato, mas que pareciam importantes, estratégicos, como se monitorassem o mundo exterior. A sala tinha a atmosfera de um centro de comando, de um lugar onde decisões de vida ou morte eram tomadas sem remorso.
Joe parou no centro da sala, virando-se para ela com um movimento lento e deliberado, quase teatral. O sorriso quase imperceptível reapareceu em seus lábios, mas agora, seus olhos não demonstravam divertimento, nem mesmo a curiosidade inicial, mas uma possessividade fria, inabalável e assustadora. Um brilho de triunfo cintilava nas profundezas escuras de seu olhar.
"Bem-vinda, Anastacia", ele disse, sua voz ecoando ligeiramente na vastidão da sala, amplificando cada palavra e sua intenção sombria, reverberando em sua alma. "Você queria saber quem eu era. Agora você sabe. E, mais importante, agora você pertence a mim."
A revelação a atingiu como um golpe físico, um murro no estômago que a deixou sem ar, o mundo girando ao seu redor. As palavras, a atmosfera opressiva da sala, os guardas que pareciam ter se materializado do ar em pontos estratégicos, postados como estátuas em cada saída, bloqueando qualquer esperança de fuga – tudo se encaixou em um padrão sombrio e terrível. Ele não era apenas um homem rico e misterioso, um empresário de boates. Ele era o chefe. O sequestrador. O predador. Anastacia sentiu o sangue gelar nas veias, suas pernas fraquejarem, e o mundo pareceu sumir sob seus pés, a vertigem a atingiu com força total. Aquele encontro não era para uma conversa, nem para um flerte perigoso, mas para selar seu destino de forma brutal e irremediável. A fascinação havia levado diretamente ao cativeiro. O ar da sala se tornou pesado, quase irrespirável, e o verdadeiro terror, o terror gelado da impotência e da prisão, começou a rastejar por sua espinha, subindo por sua nuca e apertando seu coração em um vice. Ela estava em suas garras, uma prisioneira em seu próprio país, na vasta e antiga Turquia, e a luta pela liberdade estava prestes a começar, uma luta que ela sabia ser desesperada e possivelmente sem esperança. A realidade a atingiu como um raio.
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Atualizado até capítulo 100
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