A música pulsava como um coração furioso na boate de Joe, uma batida eletrônica que, por um instante, pareceu sincronizar-se com os batimentos acelerados de Anastacia. O esbarrão, inesperado e brusco, a pegou de surpresa, fazendo-a cambalear um passo para trás, mas não foi o impacto físico que a desequilibrou. Foi o olhar dele. Profundo, sem piscar, ele a estudava como se ela fosse um enigma recém-descoberto, e a intensidade daquela análise desarmou-a de uma forma que poucas coisas haviam conseguido. O burburinho ensurdecedor da multidão, que antes era uma parede sonora impenetrável, começou a se fazer ouvir novamente, mas de uma forma distorcida, quase irreal, como se o mundo ao redor tivesse sido momentaneamente silenciado para aquele encontro.
A irritação, misturada a uma estranha e inegável atração, subiu à cabeça de Anastacia. Ele permanecia ali, imponente, sem se mover um centímetro, sem dizer uma palavra, apenas a devorava com aqueles olhos escuros e penetrantes. O desafio era óbvio. "Você não vai se desculpar?", ela disparou, a voz, mesmo um pouco mais alta do que o habitual para cortar o ruído ambiente, carregada de um sarcasmo cortante. Sua postura, apesar do pequeno abalo inicial, era firme, os ombros levemente erguidos em um desafio silencioso, os lábios apertados em uma linha fina de desaprovação.
Um sorriso sutil e quase imperceptível surgiu nos lábios de Joe, uma curva mínima que mal alterava a seriedade de seu rosto, e que definitivamente não alcançava seus olhos. Havia um quê de divertimento frio ali, talvez até uma pontada de admiração pela audácia dela. "Depende", ele respondeu, a voz grave e calma, um contraste inusitado com a cacofonia frenética ao redor. Ele inclinou a cabeça ligeiramente, como um predador avaliando sua presa. "Você parecia estar no meu caminho." A frase não era uma desculpa, era uma declaração velada de posse, uma insinuação arrogante de que o mundo girava em torno dele, e Anastacia acabara de se chocar com sua órbita. O perigo era palpável, um sabor metálico na boca dela, tão real quanto o cheiro de suor e álcool misturado ao perfume doce da boate.
Enquanto ele falava, seus olhos varreram o rosto dela com uma lentidão calculada, demorando-se em seus lábios cheios, em seus olhos, que brilhavam com uma mistura complexa de fúria e algo mais – algo que ele não conseguia identificar de imediato, mas que o intrigava profundamente. Ele estendeu a mão lentamente, um gesto que parecia ter todo o tempo do mundo, e entre seus dedos longos e fortes, surgiu um cartão de visitas preto, tão minimalista e elegante quanto sua própria presença. Sem logotipo, sem título, apenas o nome "Joe" gravado em relevo prateado, com um número de telefone logo abaixo. "Gosto da sua... ousadia", ele acrescentou, a ironia sutil em sua voz, mais um desafio do que um elogio. "Não é sempre que alguém tem a coragem de me questionar."
A mão de Anastacia tremeu levemente ao pegar o cartão, a textura fria e rígida do papel contrastando de forma estranha com o calor que irradiava da palma dele, um calor que parecia persistir. Ela sentiu uma estranha eletricidade percorrer seu braço, um formigamento que não era desagradável, mas alarmante, como um aviso. A música parecia aumentar de volume, engolindo-os em seu ritmo frenético e quase sufocante, e a multidão ao redor se tornou uma força quase física, empurrando-os, tentando separá-los, mas a conexão entre eles, ainda que tênue, parecia resistir. Joe finalmente soltou a mão dela, mas o contato, breve que fora, deixou uma marca persistente, uma sensação de que ele havia deixado parte de si nela, ou levado parte dela consigo. Era como se um laço invisível tivesse sido forjado.
Ele recuou um passo, um movimento tão suave que a distância entre eles pareceu dilatar-se subitamente. Seus olhos, no entanto, permaneceram fixos nos dela, aquele sorriso de quem acabara de descobrir um tesouro escondido ainda presente. Ele não a tirava da mira, mesmo quando seu corpo começou a se mesclar com as sombras, movendo-se com uma agilidade silenciosa que parecia irreal para um ambiente tão lotado. A multidão, antes um emaranhado de corpos suados e risos, parecia conspirar para obscurecer sua figura, engolindo-o lentamente de volta para as sombras de onde viera. Anastacia piscou uma, duas, três vezes, sua mente lutando para processar a rapidez do desaparecimento. E quando abriu os olhos novamente, ele já não estava ali. Aquele homem havia se dissolvido no caos da noite, como uma miragem, deixando para trás apenas a reverberação de sua presença e a estranha, quase sedutora, promessa de um reencontro.
Um arrepio frio, mas não de medo puro, percorreu a espinha de Anastacia. Era uma mistura complexa de apreensão, excitação e uma curiosidade perigosa que a assustava e a atraía ao mesmo tempo. Quem era ele, afinal? Um empresário poderoso com gostos questionáveis? Um predador que acabara de encontrar sua próxima caça? E, mais inquietante, como ele sabia seu nome, se é que sabia? Sua mente fervilhava com perguntas, mas a escuridão e o barulho ensurdecedor da boate não ofereciam respostas. Aquele esbarrão, que em qualquer outra circunstância seria um incidente trivial e esquecido em questão de minutos, havia se transformado em um prelúdio sinistro, um presságio de algo muito maior. Ela sentiu que havia sido marcada, não por uma ferida física, mas por uma conexão invisível, um fio tênue e inexplicável que a ligava àquele homem enigmático e perigoso. Era como se a noite tivesse costurado seus destinos.
A festa, antes vibrante, convidativa e cheia de promessas de diversão, agora parecia ter perdido sua cor e seu encanto. Os risos e a música soavam distantes, abafados pela reverberação daquele encontro. O ar dentro do clube parecia mais denso, opressor, quase sufocante. Anastacia sentiu uma necessidade urgente de ar, de clareza, de um espaço para respirar e tentar processar o que acabara de acontecer, longe dos olhos curiosos e do barulho excessivo. Ela abriu caminho pela multidão, seus passos mais apressados do que antes, quase uma fuga desesperada, a necessidade de escapar daquele ambiente abertamente sufocante crescendo a cada segundo. O toque acidental dele, mesmo que breve, ainda ardia em sua pele, uma brasa sob a superfície.
Ao sair para a rua, o ar frio da noite a atingiu como um choque revigorante, um alívio bem-vindo que, no entanto, não conseguiu dissipar a sombra que Joe havia lançado sobre sua noite. Ela se apoiou contra a parede de um prédio próximo, respirando fundo, o peito subindo e descendo rapidamente, tentando acalmar o coração que ainda martelava contra as costelas. A luz fraca dos postes de rua revelava o cartão em sua mão, suas letras prateadas brilhando palidamente, quase zombeteiramente. Ela sabia, com uma certeza inquietante que a gelou até os ossos, que a penumbra daquele encontro era apenas o começo de algo muito maior e inadiável. E a assertividade que ela havia exibido, sua arma habitual contra o mundo e as adversidades, talvez não fosse suficiente para protegê-la do destino implacável que parecia se desenhar bem à sua frente. O nome "Joe" no cartão parecia sussurrar uma promessa inevitável, um convite para o abismo.
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Atualizado até capítulo 100
Comments
Rita DE Cassia Gomes
o amor está no ar ❤️
2025-07-15
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