Capítulo 5 – “Entre Feridas e Recomeços”
Voltar para casa foi como vestir uma roupa antiga.
Ela ainda cabia, ainda me envolvia…
Mas apertava nos lugares que antes eu ignorava.
Depois das cartas da minha mãe, passei dias reorganizando tudo por dentro e por fora.
Guardei os objetos dela com cuidado, como se estivessem vivos.
Limpei as janelas.
Troquei os lençóis.
Acendi velas.
E em cada canto daquela casa, senti que ela sorria de onde estivesse.
Mas, mesmo com tudo isso, ainda havia uma parte de mim que não conseguia se desconectar do passado.
Luan ainda estava ali.
Presente em cada pensamento.
Em cada silêncio.
Em cada sonho interrompido.
Renji me visitava sempre.
Trazia frutas. Livros. Silêncio.
Ele nunca perguntava como eu estava, mas ficava tempo suficiente para que eu sentisse que a resposta importava.
Às vezes, a gente nem falava.
Ficávamos sentados um ao lado do outro, ouvindo música baixa.
Ou vendo Nuvem dormir no canto da sala, como se nada no mundo fosse mais importante.
— Você ainda ama ele, né? — Renji perguntou, numa dessas tardes calmas.
Assenti. Não precisei fingir.
— Eu sei que é idiota.
— Não. Não é idiota amar.
Idiota é quem não sabe cuidar de um amor.
Olhei pra ele. A luz do fim da tarde desenhava o contorno do seu rosto com uma suavidade que contrastava com a dureza de suas palavras.
— Por que você continua vindo aqui?
— Porque… você ainda não percebeu que pode ser amado de outro jeito.
—
Naquela noite, escrevi uma mensagem para Luan.
"Podemos conversar? Sem brigar. Só conversar."
Ele respondeu rápido.
"Sim. Quando e onde você quiser."
Marcamos num lugar discreto perto da praça onde costumávamos ir quando queríamos fugir do mundo.
Quando o vi, meu coração acelerou.
Ele parecia o mesmo — e ao mesmo tempo, diferente.
Mais magro. Olhos fundos. A barba por fazer.
Mas o mesmo olhar perdido de sempre.
— Haru — ele disse, quase num sussurro. — Você está bem?
— Estou. Ou tentando estar.
Ficamos em silêncio por alguns segundos.
— Eu li suas mensagens, depois que você me bloqueou — ele começou. — E as últimas palavras que você me mandou ainda ecoam na minha cabeça: "Você não me ama. Você me fere."
— Porque era verdade.
Ele abaixou os olhos.
— Eu sinto muito. Sinto por tudo. Eu... não sei por que fiz aquilo. Eu tava confuso, perdido… E errei.
— Você não errou, Luan. Você escolheu. E essas escolhas machucaram.
Você teve tempo pra pensar. Você teve chance de não fazer. E mesmo assim, fez.
Ele respirou fundo.
— Mas eu ainda te amo.
— Eu sei.
— E você?
Fechei os olhos por um momento.
Pensei em tudo.
Nas palavras.
Nos empurrões.
Nos beijos.
Nos perdões.
Nas mentiras.
Na traição.
E depois pensei em Renji.
Em como ele só ficava.
Em como ele não exigia.
Em como ele me via.
— Eu ainda te amo, Luan.
Mas não sei se ainda sei amar esse nós.
—
Voltamos a nos falar depois disso.
Mensagens curtas.
Alguns cafés rápidos.
Silêncios longos.
Era como visitar uma casa antiga onde você morou por muito tempo.
Você sabe onde tudo está.
Mas não sabe mais se quer morar ali.
Luan tentava demonstrar mudanças.
Mandava mensagens perguntando como eu estava.
Evitava crises.
Até me deu um presente: um chaveiro com um gatinho.
— Pra você lembrar de mim.
— Como se eu tivesse esquecido.
Ele sorriu. Mas os olhos ainda tinham aquela insegurança cravada.
—
Renji percebeu.
Não disse nada de imediato, mas num fim de tarde, quando me levou um bolo de chá verde, soltou:
— Está voltando pra ele?
Hesitei.
— Não sei. Talvez. Eu sinto que ele está tentando mudar.
— Pessoas mudam. Mas nem sempre pelo outro. E nem sempre pra melhor.
— Eu não quero desistir de alguém que eu amei tanto.
— Haru — ele me olhou fundo — amar alguém não significa se perder por ele. Você já fez isso. Vai fazer de novo?
Fiquei em silêncio.
— Eu não vou te impedir. Não é meu papel.
Mas se você voltar… volta de olhos abertos. E com um plano de fuga, caso precise.
—
As semanas passaram.
Minha saúde parecia estável. A médica ainda acompanhava de perto, com novos exames, mas me liberou da rotina de hospital.
Me sentia bem.
Forte o suficiente pra tentar entender o que eu queria.
Até o dia em que fui visitar Luan de surpresa.
Era um sábado à tarde. Ele não respondia há algumas horas e eu resolvi aparecer.
A porta do apartamento dele estava entreaberta.
Bati. Ninguém respondeu.
Empurrei levemente. Entrei.
E foi aí que ouvi.
A risada.
A voz feminina.
A mesma voz da garota da escola.
A mesma com quem ele me traiu meses atrás.
— Você não cansa de ser idiota, Luan? — ela dizia, rindo. — Vai dizer que ainda tá tentando voltar com aquele menino?
Meu coração gelou.
— Cala a boca — ele respondeu, entre risos.
— Você sempre volta pra mim, no fim das contas.
E então, o beijo.
O som molhado.
O estalo do desejo.
A traição.
Novamente.
Saí antes que vissem.
Caminhei sem rumo, os olhos secos.
Sem lágrimas.
Como se nem minha alma quisesse mais chorar.
Dessa vez, não fui até o chão.
Dessa vez, eu não quebrei.
Voltei pra casa.
Renji já estava lá, sentado no sofá, como se sentisse.
Ele me olhou.
Viu no meu rosto a resposta.
Não disse nada.
Apenas se levantou e me abraçou.
E naquele abraço, entendi o que minha mãe quis dizer na carta:
“Aprenda a escolher melhor quem entra no seu coração.”
—
Nos dias que seguiram, Luan mandou mensagens.
Ligou.
Inventou desculpas.
Eu apenas silenciei.
Não porque não doía.
Mas porque finalmente entendi:
Eu não era obrigado a aceitar menos do que merecia.
—
Renji continuava lá.
Silencioso.
Presente.
Honesto.
E aos poucos, entre um chá e um silêncio, entre um toque no ombro e um sorriso de canto, algo começou a florescer.
Não era paixão.
Não ainda.
Mas era semente.
E sementes sabem esperar o tempo certo.
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Atualizado até capítulo 22
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