Capítulo 2 – Gotas de Silêncio
As coisas entre mim e Luan não desmoronaram de uma vez.
Elas racharam.
Em silêncio.
Em pequenos gestos que, sozinhos, pareciam inofensivos — mas, somados, começaram a me sufocar.
No início, eu nem percebia.
Ou melhor, fingia não perceber.
Porque aceitar que algo tão bonito estava se transformando em dor… era admitir que eu havia me perdido nele.
Luan ainda era o mesmo garoto dos beijos intensos, das promessas sussurradas na varanda, das mensagens carinhosas no meio da madrugada.
Mas agora ele também era o garoto que pegava meu celular sem pedir.
Que sumia por horas e dizia que era “coisa da cabeça” quando eu perguntava.
Que me chamava de exagerado quando eu ficava triste.
Que pedia desculpas e dizia “é que eu te amo demais” quando me fazia chorar.
E eu acreditava.
Porque eu também o amava demais.
E amar demais, às vezes, é o primeiro passo pra se perder de si mesmo.
— Você tá diferente — Elisa comentou, uma manhã, enquanto eu mexia distraidamente no meu caderno de química.
— Tô cansado, só isso.
— Você sempre tá cansado. Tá pálido, quieto… Haru, o que tá acontecendo?
Balancei a cabeça, tentando disfarçar.
— Só ando dormindo mal. Muita coisa na cabeça.
Ela franziu o cenho.
— É o Luan, né?
Não respondi.
Ela suspirou e tocou minha mão com leveza.
— Eu gosto de você. De verdade. E fico com medo de você estar se apagando pra caber na vida de alguém que não sabe te iluminar.
Olhei pra ela, com os olhos marejados.
— Eu só quero fazer dar certo.
— Às vezes, fazer dar certo não é amar mais. É saber a hora de parar de se machucar.
Mas como parar de amar alguém que você acredita que pode melhorar?
Eu via o Luan inseguro. Cheio de feridas que a família ajudou a cavar.
Pais frios, um irmão perfeito que era o modelo que ele nunca conseguiu alcançar, e uma adolescência cheia de cobranças e vergonha.
Ele não se aceitava. E me amava com medo.
— Eu sou um erro — ele disse uma vez, com os olhos vermelhos de chorar. — Um erro ambulante. Você devia estar com alguém melhor. Alguém inteiro.
— Eu não quero alguém perfeito. Quero você.
Ele me abraçou com tanta força naquela noite, que achei que seu peito ia colar no meu.
E por um tempo, achei que aquilo bastava.
Até o dia em que ele me empurrou.
Foi num momento de raiva, depois de eu questionar uma conversa estranha dele com uma garota da sala.
Estávamos no terraço da escola, como sempre, onde ninguém nos ouvia.
— Você tá me chamando de mentiroso? — ele gritou.
— Eu só quero entender por que você falou com ela daquele jeito! Ela é minha amiga!
— Você tá paranoico!
— Então me prova que não tem nada acontecendo!
E foi então que ele me empurrou.
Não foi forte. Eu não caí.
Mas o gesto… o gesto queimou mais do que qualquer palavra.
Ficamos em silêncio.
Ele pareceu perceber o que fez assim que minhas lágrimas surgiram, silenciosas.
— Haru… eu… não era pra…
Me afastei.
— Já aconteceu.
Ele tentou me abraçar. Eu recuei.
— Eu te amo! — ele implorou.
— Então por que dói tanto?
Fiquei dois dias sem falar com ele.
Desativei minhas redes sociais, ignorei mensagens, evitei todos os lugares onde ele poderia estar.
Elisa tentou me distrair, mas eu estava um caco.
E foi nesses dias que minha mãe percebeu algo a mais.
— Você tem tido dores de cabeça frequentes?
Assenti.
— Tem se sentido fraco?
— Às vezes. Mas deve ser estresse.
Ela me olhou com aquele olhar de mãe que enxerga além.
— Vou marcar uma consulta. Só por precaução.
Na hora, revirei os olhos.
— Mãe, para. É só uma fase ruim.
Ela não respondeu. Apenas pegou o celular.
No fundo, eu sabia.
Alguma coisa não estava certa.
Mas naquele momento, tudo que eu conseguia pensar era em Luan.
No terceiro dia, ele apareceu na porta da minha casa.
Com flores.
E os olhos vermelhos.
— Me deixa explicar.
Minha mãe me olhou.
Eu respirei fundo.
— Tá. Cinco minutos.
Fomos até o quintal. Nuvem nos seguiu e deitou entre as plantas, como se entendesse que algo importante estava prestes a acontecer.
— Eu sou um lixo — ele começou. — Eu fui criado achando que amor era controle. Que carinho era fraqueza. Que homem de verdade não chora, não se apaixona por outro homem, não se entrega. E aí você apareceu.
Ele engoliu em seco.
— Você apareceu com esse seu jeito calmo. Esse olhar que vê tudo. Esse amor que não exige nada. E eu… eu entrei em pânico. Porque você me viu. Como ninguém nunca viu.
— E por isso você me machuca?
— Porque eu sou burro. Porque eu tenho medo de que você perceba que pode ter alguém melhor. Porque eu tô tentando aprender a te amar do jeito certo.
Hesitei. O coração lutando contra a razão.
— Eu não quero promessas, Luan.
— Não vou prometer. Mas quero tentar. Me deixa tentar?
O problema é que ele sabia dizer as palavras certas.
E eu ainda era viciado nelas.
O abracei.
E naquele abraço, me prometi que seria a última vez que deixaria o medo dele se tornar o meu.
Mal sabia eu quantas vezes ainda deixaria.
Na consulta médica, uma semana depois, a médica fez alguns exames e solicitou outros.
Os resultados vieram com uma interrogação preocupante: alterações no sangue, baixa imunidade, perda de peso inexplicada.
— Vamos investigar mais — disse ela, com cuidado. — Pode não ser nada grave. Mas precisamos de certeza.
Minha mãe segurou minha mão com força.
E por um segundo, o mundo pareceu se inclinar.
Mas não falei nada pra Luan.
Nem pra Elisa.
Não queria que ninguém se preocupasse.
Mal sabia que aquele seria só o início de uma nova tempestade.
Luan voltou a ser doce. Por duas semanas.
Me levava chocolate na escola. Escrevia bilhetes. Dizia que queria me apresentar a um primo distante “que era mais cabeça aberta”.
Eu me permiti acreditar que talvez… ele estivesse mudando.
Até que uma noite, recebi uma mensagem anônima.
Era uma foto.
Luan.
Com a mesma garota da sala.
Se beijando no pátio, à noite, perto da quadra.
Senti como se meu estômago tivesse sido arrancado.
Larguei o celular no chão.
Minha mãe entrou no quarto pouco depois e me encontrou chorando, encolhido.
— Haru! O que foi?
Mostrei a foto.
Ela não disse nada. Apenas me abraçou.
— Vai doer, meu amor. Mas passa. Eu juro que passa.
Mas não passou.
Não naquela noite.
Nem nos dias que seguiram.
Luan tentou negar.
Depois, tentou justificar.
— Eu tava confuso. Ela me forçou. Eu não sei o que tô sentindo.
— Você sabia o que estava fazendo, Luan!
— Eu te amo, Haru!
— Você não ama. Você fere.
E então, sem me deixar terminar, ele disse:
— Se você me deixar agora, vai se arrepender. Porque ninguém vai te amar como eu.
Olhei nos olhos dele.
E soube.
Aquele não era o menino que me fez sorrir no terraço.
Era alguém que me amava doente.
E que estava me arrastando com ele.
Mas eu ainda o amava.
Mesmo depois da traição.
Mesmo depois de tudo.
Era isso que me destruía por dentro: amar alguém que não me amava do jeito certo.
Amar alguém que me despedaçava… e depois pedia desculpas como se isso curasse os cacos.
E então, naquela madrugada, saí.
Sem rumo.
Sem guarda-chuva.
A chuva batendo no meu rosto como tapas gelados.
As luzes da rua borradas pelas lágrimas.
Desmaiei no meio da calçada.
O corpo sem forças.
A alma, mais ainda.
E então… alguém me encontrou.
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Atualizado até capítulo 22
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