Capítulo 3 – O Início de Um Silêncio Diferente
A primeira coisa que senti foi o cheiro.
Um perfume amadeirado, leve, misturado com algo doce. Lavanda, talvez.
Depois, veio a luz. Fraca, filtrada por cortinas escuras.
E então, o som de passos firmes, porém suaves, ecoando num ambiente muito mais silencioso do que qualquer hospital.
Tentei abrir os olhos, mas uma pontada aguda na têmpora me fez fechar de novo. O corpo inteiro doía, como se tivesse sido atropelado por um trem de emoções — e talvez eu tivesse mesmo.
Estava vivo. Mas não entendia por quê.
A última lembrança era da chuva. Do frio da calçada. Do gosto metálico do sangue que tossi.
E da ausência. Da certeza de que, se eu morresse ali, ninguém viria.
Mas alguém veio.
— Você acordou — disse uma voz masculina, calma, grave.
Abri os olhos devagar.
Havia um rapaz parado ao meu lado, vestido com uma camisa preta de mangas dobradas e calça de moletom escura. Os cabelos eram escuros e caíam levemente sobre os olhos intensos, como se carregassem segredos demais para alguém tão jovem.
— Onde eu tô? — murmurei.
— Em minha casa. Eu te encontrei na rua. Desmaiado. Vomitando sangue.
— Eu…
— Calma. — Ele levantou as mãos. — Não vou fazer nada com você. Já chamei um médico. Ele te deu soro, cuidou do que precisava. Você dormiu por quase dois dias.
— Dois… dias?
Tentei me sentar, mas o corpo protestou.
— Devagar. Você perdeu muito líquido. E peso.
— Por que você me ajudou?
Ele me encarou por um longo tempo, antes de responder.
— Porque você estava quebrado. E eu entendo como é isso.
Houve um silêncio denso. Como se aquelas palavras carregassem mais dor do que ele deixava transparecer.
— Meu nome é Renji.
— Haru.
Ele assentiu, como se já soubesse.
— Eu sei quem você é. E sei quem te quebrou.
Arregalei os olhos.
— Você… me conhece?
Ele respirou fundo, puxando uma cadeira e se sentando ao meu lado.
— Não pessoalmente. Mas… digamos que eu tenho olhos espalhados. Sou… filho de alguém que precisa saber de tudo. Por segurança.
— Você é… mafioso?
Ele riu. Um riso seco, sem graça.
— Não. Meu pai é. Eu sou só um cara tentando sobreviver no meio disso.
— E por que está me ajudando?
— Porque eu vi você. Naquela noite. Chorando. Gritando por dentro. Mesmo sem emitir um som.
Fechei os olhos. A vergonha queimava mais do que a febre.
— Você não tinha o direito de me seguir.
— Talvez não. Mas ainda assim, eu te carreguei nos braços até aqui.
E fiquei. A noite toda. Porque alguém precisava.
—
Renji me deu tempo. Não fez perguntas demais. Nem esperou respostas.
Apenas deixava comida perto da cama, controlava a temperatura do quarto, e aparecia para checar se eu precisava de algo.
Não tentava arrancar minha dor. Só… ficava por perto.
E isso, para alguém como eu, era mais do que qualquer cura imediata.
—
— Você vai voltar pra casa? — ele perguntou, no quarto dia.
— Não sei se tenho uma casa pra onde voltar.
— Sua mãe…
— Morreu. Há alguns meses.
Renji assentiu em silêncio.
— E o seu… namorado?
Engoli em seco.
— Ainda é complicado.
Ele não insistiu. Apenas disse:
— Quando quiser ir embora, eu te levo. Mas se quiser ficar mais um pouco, o quarto é seu.
Olhei ao redor. O lugar era diferente de tudo que eu conhecia.
As paredes não tinham quadros, mas haviam livros por toda parte.
As janelas tinham grades de ferro, mas cortinas de linho macio.
O caos da casa contrastava com a delicadeza dos detalhes. Como Renji.
— Por que você parece tão… gentil?
Ele riu de novo. Dessa vez, com mais sinceridade.
— Porque crescer em um mundo de brutalidade me fez ter certeza de que eu não quero fazer parte dele.
Ser gentil… é minha forma de resistir.
—
Naquela noite, não consegui dormir.
Fiquei olhando para o teto por horas, ouvindo o som do vento batendo nas janelas.
Me levantei e encontrei Renji na cozinha, fazendo chá.
— Camomila? — ele perguntou.
Assenti.
Nos sentamos em silêncio por um tempo.
— Você ainda o ama, né? — ele perguntou, sem olhar pra mim.
— Amo.
— Mesmo depois de tudo?
— Justamente por tudo.
Ele não respondeu de imediato. Depois, disse:
— O amor… não deveria doer tanto.
— Eu sei. Mas às vezes, você se acostuma tanto com a dor que acha que é isso que merece.
Renji apertou a xícara com mais força.
— Você merece mais.
— E você? — perguntei. — Já amou?
Ele ficou quieto por um tempo, antes de responder:
— Já. Uma vez.
Mas a vida nos levou pra lados opostos.
— E ainda dói?
— Menos do que antes. Mas não some.
Tomamos o chá até o fim, em silêncio.
E foi nesse silêncio que começamos a nos curar.
—
Fiquei na casa de Renji por mais de uma semana.
Aos poucos, voltei a comer. A dormir. A sorrir um pouco.
Mas dentro de mim, uma guerra silenciosa ainda acontecia.
Porque, mesmo com tudo que Luan havia feito, eu ainda esperava que ele… sentisse minha falta.
E ele sentiu.
—
Na manhã em que decidi voltar para casa, encontrei Luan na porta do meu prédio.
— Por que você sumiu? — ele disse, os olhos fundos, o cabelo bagunçado.
— Você sabe por quê.
— Não atende minhas ligações. Não responde minhas mensagens.
— Porque você me traiu.
— Eu não queria…
— Mas fez.
Ele tentou se aproximar. Dei um passo para trás.
— Haru… eu errei. Mas eu te amo.
— Você me ama como? Do seu jeito? Porque seu jeito me destrói.
— Você… vai me deixar?
— Eu já deixei. Só você não percebeu.
Fechei a porta com força.
E, do outro lado, ele gritou:
— Você nunca vai encontrar alguém que te ame como eu!
Do lado de dentro, sentei no chão.
A mão trêmula. A respiração pesada.
E tossi.
Tossi forte.
Tossi sangue.
E, mais uma vez, tudo escureceu.
—
Quando abri os olhos, estava de volta ao hospital.
Renji segurava minha mão.
O rosto dele estava coberto de preocupação.
— Você teve um colapso. A médica disse que você está anêmico. E que seu sistema imunológico está… frágil demais.
— O que eu tenho?
— Ainda não sabem. Mas… é sério.
Fechei os olhos.
— Eu… tô cansado, Renji.
— Eu sei. Mas você não tá sozinho. Eu tô aqui.
Mesmo que de longe, mesmo que você não me queira por perto.
Eu vou cuidar de você.
—
Nos dias que seguiram, Renji passou a me visitar com frequência.
Não me cobrava nada. Só ficava lá.
Às vezes, lendo em voz alta. Às vezes, só me ouvindo.
E aos poucos, meu corpo foi melhorando.
E algo em mim também.
Não era amor.
Ainda não.
Mas era paz.
E depois de tudo que vivi… paz parecia o primeiro passo para voltar a existir.
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Atualizado até capítulo 22
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