Havia um nome ecoando na mente de Kaela, mesmo depois que ela já havia deixado o prédio da empresa, guardado os papéis e cruzado as portas do elevador.
Ciro Ellemar.
Ela havia dito o nome em voz alta, havia apertado sua mão, trocado palavras, analisado projetos, sorrido por educação. Mas por dentro… por dentro, ela estava em ruínas.
Ao vê-lo pela primeira vez, seu coração parou — não apenas por causa do nome, mas por um detalhe impossível de explicar. O modo como ele a olhou. A intensidade silenciosa daquele olhar. O silêncio entre uma frase e outra. A impressão de que ela o conhecia de algum lugar que sua mente não conseguia alcançar, mas que o corpo reconhecia.
Era como encontrar uma sombra que você não sabia estar procurando.
Kaela chegou em casa e não acendeu as luzes. Deixou a bolsa no chão da sala, tirou os sapatos com os pés e se jogou no sofá com um suspiro mais longo do que gostaria. Olhou para o teto, em silêncio, até que a escuridão da noite se tornasse confortável.
Ela havia passado quase duas décadas guardando um nome no coração como se fosse uma promessa silenciosa. Ciro Ellemar não era apenas uma lembrança — era a esperança de que alguma parte de sua infância ainda pudesse ser real. Mas a vida tinha o estranho hábito de testar as certezas com doses sutis de dúvida.
Ela não sabia se aquele homem era o mesmo Ciro que tinha enterrado promessas com ela aos nove anos de idade, atrás de uma árvore torta em Vélin. O tempo tinha o dom cruel de transformar rostos, mudar vozes, redesenhar gestos. Mas… havia algo nos olhos dele.
Algo que ela não conseguia ignorar.
E isso a assustava mais do que qualquer confirmação.
Na manhã seguinte, Kaela caminhou pela Rua Vélin antes do expediente. O bairro estava prestes a ser demolido, mas algumas estruturas resistiam como fantasmas do passado. Ela parou diante da árvore. A mesma árvore torta, ainda viva. Encostou os dedos no tronco áspero e respirou fundo.
Ali estava enterrado o cofre que continha cartas, desenhos e sonhos que não envelheceram. Mas ela nunca teve coragem de abri-lo. Nunca. Havia algo sagrado naquela lembrança selada. E talvez, se a abrisse, destruísse a única ponte intacta com seu passado.
Mas agora… agora ela começava a se perguntar se era hora.
— Kaela? — chamou uma voz às suas costas.
Ela se virou rápido, assustada.
Um homem alto, cabelos castanhos bem penteados, sorriso fácil. Trajava um blazer elegante e segurava um café na mão. Ela o reconheceu de eventos sociais. Milan Dovak, sobrinho de um dos sócios da editora Vertus.
— Eu te vi ontem na sede da editora — disse ele, sorrindo com simpatia. — Mas você saiu tão rápido…
Kaela disfarçou o incômodo.
— Sim. Eu tinha outra reunião em seguida.
— Entendo. Sabe, meu tio me falou sobre o projeto com a Cênico… e sobre você. Achei incrível você ter voltado pra cá, pra Vélin.
Ela estreitou os olhos.
— Você conhece Vélin?
Milan deu de ombros, como quem guarda segredos sem peso.
— Um pouco. Meu avô morava por aqui. Tenho algumas lembranças vagas. Coisas de criança. Mas… é estranho, né? Caminhar por um lugar onde você foi feliz e não saber se aquilo realmente existiu ou foi só invenção da sua cabeça.
Kaela ficou em silêncio por um momento. Havia algo naquela frase que a atravessou.
Milan sorriu com suavidade.
— Às vezes a gente acha que perdeu algo… mas talvez só esteja vendo de um ângulo diferente.
Ela forçou um sorriso. Ele parecia inofensivo, gentil até. Mas havia algo… teatral. Polido demais.
— Desculpe se estou sendo invasivo — continuou ele, lendo o desconforto dela. — É só que… eu também tenho algumas memórias confusas da infância aqui. De uma menina que costumava desenhar casas com muita luz. E… bom, é possível que a gente já tenha se conhecido.
Kaela congelou.
Era impossível.
Ou não?
Ela franziu a testa, tentando disfarçar o tumulto que se formava dentro dela.
— Desculpe… você está dizendo que…
— Não tenho certeza — interrompeu ele, rindo. — Mas não seria curioso se a vida colocasse duas crianças perdidas frente a frente de novo?
Kaela ficou muda.
Por dentro, seu coração gritava que não era ele.
Mas sua mente, confusa pela coincidência, começou a ceder terreno para a dúvida.
No fim do dia, sozinha em seu apartamento, Kaela repassava tudo. Ciro. Milan. As palavras. O olhar.
Fechou os olhos e tentou lembrar da voz do menino que chamava por ela na infância. Mas tudo vinha em fragmentos:
Uma risada abafada,
um bilhete dobrado,
um toque de mindinhos selando promessas.
Será que o Ciro de hoje era mesmo o Ciro que ela tinha amado em silêncio?
Ou será que sua memória tinha inventado um rosto para sustentar um sentimento que nunca quis partir?
Ela não sabia.
Mas uma coisa era certa:
alguém estava fingindo ser o que não era.
E ela precisaria descobrir quem.
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Atualizado até capítulo 33
Comments
Vanildo Campos
???????
2025-07-16
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