Capítulo 4 — O Peso do Quase

Havia um nome ecoando na mente de Kaela, mesmo depois que ela já havia deixado o prédio da empresa, guardado os papéis e cruzado as portas do elevador.

Ciro Ellemar.

Ela havia dito o nome em voz alta, havia apertado sua mão, trocado palavras, analisado projetos, sorrido por educação. Mas por dentro… por dentro, ela estava em ruínas.

Ao vê-lo pela primeira vez, seu coração parou — não apenas por causa do nome, mas por um detalhe impossível de explicar. O modo como ele a olhou. A intensidade silenciosa daquele olhar. O silêncio entre uma frase e outra. A impressão de que ela o conhecia de algum lugar que sua mente não conseguia alcançar, mas que o corpo reconhecia.

Era como encontrar uma sombra que você não sabia estar procurando.

Kaela chegou em casa e não acendeu as luzes. Deixou a bolsa no chão da sala, tirou os sapatos com os pés e se jogou no sofá com um suspiro mais longo do que gostaria. Olhou para o teto, em silêncio, até que a escuridão da noite se tornasse confortável.

Ela havia passado quase duas décadas guardando um nome no coração como se fosse uma promessa silenciosa. Ciro Ellemar não era apenas uma lembrança — era a esperança de que alguma parte de sua infância ainda pudesse ser real. Mas a vida tinha o estranho hábito de testar as certezas com doses sutis de dúvida.

Ela não sabia se aquele homem era o mesmo Ciro que tinha enterrado promessas com ela aos nove anos de idade, atrás de uma árvore torta em Vélin. O tempo tinha o dom cruel de transformar rostos, mudar vozes, redesenhar gestos. Mas… havia algo nos olhos dele.

Algo que ela não conseguia ignorar.

E isso a assustava mais do que qualquer confirmação.

Na manhã seguinte, Kaela caminhou pela Rua Vélin antes do expediente. O bairro estava prestes a ser demolido, mas algumas estruturas resistiam como fantasmas do passado. Ela parou diante da árvore. A mesma árvore torta, ainda viva. Encostou os dedos no tronco áspero e respirou fundo.

Ali estava enterrado o cofre que continha cartas, desenhos e sonhos que não envelheceram. Mas ela nunca teve coragem de abri-lo. Nunca. Havia algo sagrado naquela lembrança selada. E talvez, se a abrisse, destruísse a única ponte intacta com seu passado.

Mas agora… agora ela começava a se perguntar se era hora.

— Kaela? — chamou uma voz às suas costas.

Ela se virou rápido, assustada.

Um homem alto, cabelos castanhos bem penteados, sorriso fácil. Trajava um blazer elegante e segurava um café na mão. Ela o reconheceu de eventos sociais. Milan Dovak, sobrinho de um dos sócios da editora Vertus.

— Eu te vi ontem na sede da editora — disse ele, sorrindo com simpatia. — Mas você saiu tão rápido…

Kaela disfarçou o incômodo.

— Sim. Eu tinha outra reunião em seguida.

— Entendo. Sabe, meu tio me falou sobre o projeto com a Cênico… e sobre você. Achei incrível você ter voltado pra cá, pra Vélin.

Ela estreitou os olhos.

— Você conhece Vélin?

Milan deu de ombros, como quem guarda segredos sem peso.

— Um pouco. Meu avô morava por aqui. Tenho algumas lembranças vagas. Coisas de criança. Mas… é estranho, né? Caminhar por um lugar onde você foi feliz e não saber se aquilo realmente existiu ou foi só invenção da sua cabeça.

Kaela ficou em silêncio por um momento. Havia algo naquela frase que a atravessou.

Milan sorriu com suavidade.

— Às vezes a gente acha que perdeu algo… mas talvez só esteja vendo de um ângulo diferente.

Ela forçou um sorriso. Ele parecia inofensivo, gentil até. Mas havia algo… teatral. Polido demais.

— Desculpe se estou sendo invasivo — continuou ele, lendo o desconforto dela. — É só que… eu também tenho algumas memórias confusas da infância aqui. De uma menina que costumava desenhar casas com muita luz. E… bom, é possível que a gente já tenha se conhecido.

Kaela congelou.

Era impossível.

Ou não?

Ela franziu a testa, tentando disfarçar o tumulto que se formava dentro dela.

— Desculpe… você está dizendo que…

— Não tenho certeza — interrompeu ele, rindo. — Mas não seria curioso se a vida colocasse duas crianças perdidas frente a frente de novo?

Kaela ficou muda.

Por dentro, seu coração gritava que não era ele.

Mas sua mente, confusa pela coincidência, começou a ceder terreno para a dúvida.

No fim do dia, sozinha em seu apartamento, Kaela repassava tudo. Ciro. Milan. As palavras. O olhar.

Fechou os olhos e tentou lembrar da voz do menino que chamava por ela na infância. Mas tudo vinha em fragmentos:

Uma risada abafada,

um bilhete dobrado,

um toque de mindinhos selando promessas.

Será que o Ciro de hoje era mesmo o Ciro que ela tinha amado em silêncio?

Ou será que sua memória tinha inventado um rosto para sustentar um sentimento que nunca quis partir?

Ela não sabia.

Mas uma coisa era certa:

alguém estava fingindo ser o que não era.

E ela precisaria descobrir quem.

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Vanildo Campos

Vanildo Campos

???????

2025-07-16

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Capítulos
1 Capítulo 1 — O Começo de Tudo
2 Capítulo 2 — Ecos na Cidade
3 Capítulo 3 – Aquilo Que Faltava um Nome
4 Capítulo 4 — O Peso do Quase
5 Capítulo 5 – Memórias que Não Sabem Morrer
6 Capítulo 6 – Entre o Instinto e a Lembrança
7 Capítulo 7 – Os Vazios Também Têm Voz
8 Capítulo 8 – A Mentira Que Quase Convence
9 Capítulo 9 – Quando a Dúvida Grita Mais Alto
10 Capítulo 10 – Aquilo Que Nem o Tempo Pode Apagar
11 Capítulo 11 – Onde Tudo Começou
12 Capítulo 12 – Toda Verdade Carrega um Preço
13 Capítulo 13 – Aquilo Que Nunca Foi Dito em Voz Alta
14 Capítulo 14 – A Voz Que Ninguém Calou
15 Capítulo 15 – Quando Amar é Dizer a Verdade
16 Capítulo 16 – Aquilo Que Voltou a Ser Inteiro
17 Capítulo 17 – O Dia em Que Ninguém Mais Se Calou
18 Capítulo 18 – Quando o Futuro Bate à Porta
19 Capítulo 19 – O Som de Voltar Para Casa
20 Capítulo 20 – Quando o Silêncio se Torna Voz
21 Capítulo 21 – Quando o Mundo Ouve Você
22 Capítulo 22 – Os Dias em Que o Amor Mora com a Gente
23 Capítulo 23 – O Silêncio Que Gera Vida
24 Capítulo 24 – A Vida Escrevendo Por Dentro
25 Capítulo 25 – Um Nome para o Amor
26 Capítulo 26 – Onde a Vida Começa de Novo
27 Capítulo 27 – Quando o Amor Vira Rotina (e Ainda Encanta)
28 Capítulo 28 – As Palavras Que Não Foram Ditas
29 Capítulo 29 – Entre o Que Fica e o Que Volta
30 Capítulo 30 – A Coragem de Ficar
31 Capítulo 31 – Felicidade em Passos Pequenos
32 Capítulo 32 – Aquilo Que Cresce Devagar
33 Epílogo – O Amor Que Permaneceu
Capítulos

Atualizado até capítulo 33

1
Capítulo 1 — O Começo de Tudo
2
Capítulo 2 — Ecos na Cidade
3
Capítulo 3 – Aquilo Que Faltava um Nome
4
Capítulo 4 — O Peso do Quase
5
Capítulo 5 – Memórias que Não Sabem Morrer
6
Capítulo 6 – Entre o Instinto e a Lembrança
7
Capítulo 7 – Os Vazios Também Têm Voz
8
Capítulo 8 – A Mentira Que Quase Convence
9
Capítulo 9 – Quando a Dúvida Grita Mais Alto
10
Capítulo 10 – Aquilo Que Nem o Tempo Pode Apagar
11
Capítulo 11 – Onde Tudo Começou
12
Capítulo 12 – Toda Verdade Carrega um Preço
13
Capítulo 13 – Aquilo Que Nunca Foi Dito em Voz Alta
14
Capítulo 14 – A Voz Que Ninguém Calou
15
Capítulo 15 – Quando Amar é Dizer a Verdade
16
Capítulo 16 – Aquilo Que Voltou a Ser Inteiro
17
Capítulo 17 – O Dia em Que Ninguém Mais Se Calou
18
Capítulo 18 – Quando o Futuro Bate à Porta
19
Capítulo 19 – O Som de Voltar Para Casa
20
Capítulo 20 – Quando o Silêncio se Torna Voz
21
Capítulo 21 – Quando o Mundo Ouve Você
22
Capítulo 22 – Os Dias em Que o Amor Mora com a Gente
23
Capítulo 23 – O Silêncio Que Gera Vida
24
Capítulo 24 – A Vida Escrevendo Por Dentro
25
Capítulo 25 – Um Nome para o Amor
26
Capítulo 26 – Onde a Vida Começa de Novo
27
Capítulo 27 – Quando o Amor Vira Rotina (e Ainda Encanta)
28
Capítulo 28 – As Palavras Que Não Foram Ditas
29
Capítulo 29 – Entre o Que Fica e o Que Volta
30
Capítulo 30 – A Coragem de Ficar
31
Capítulo 31 – Felicidade em Passos Pequenos
32
Capítulo 32 – Aquilo Que Cresce Devagar
33
Epílogo – O Amor Que Permaneceu

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