O céu de Néridan estava cinza naquela manhã, mas Ciro Ellemar parecia não notar. O vidro da sala de reuniões exibia uma vista espetacular da cidade, mas ele raramente parava para apreciá-la. Sua mente estava sempre alguns passos à frente — resolvendo problemas, avaliando propostas, reescrevendo futuros que nem haviam acontecido ainda.
A Editora Vertus, da qual era fundador e diretor editorial, vinha crescendo de forma meteórica. Especializada em publicações de nicho — arquitetura, arte, urbanismo e cultura contemporânea —, a empresa havia conquistado seu espaço com ousadia e estética refinada. Mas, para Ciro, o sucesso era apenas um subproduto. Ele buscava algo mais. Algo que não sabia nomear.
Naquela manhã, ele revisava a prévia da nova revista, a Cênico, um projeto ambicioso feito em parceria com um dos maiores escritórios de arquitetura da cidade.
— A direção gráfica está boa, mas falta alma — murmurou, folheando as provas.
— A arquiteta responsável vai te encontrar hoje à tarde — disse Amara, sua assistente pessoal, com sua eficiência imbatível. — Ela é a nova estrela da Vollin & Harven. Dizem que tem um olhar quase... emocional sobre espaços urbanos.
— Emocional? — ele arqueou uma sobrancelha, intrigado. — Isso me interessa.
Ciro era conhecido por ser exigente, reservado, quase inacessível. Poucos sabiam que ele era órfão de pai e mãe desde os nove anos — ou ao menos era isso que os registros diziam. Na verdade, seu pai havia sido morto em circunstâncias nunca esclarecidas, e ele fora retirado de Néridan às pressas, levado para outra província por um tio distante, sob um novo sobrenome provisório e uma rotina de silêncio.
Da infância, sobraram pedaços:
Uma árvore grande e torta.
Um som de risada ao vento.
Um nome que ele tentava, em vão, lembrar.
Havia uma menina.
Havia promessas.
Havia algo que ele sentia falta… e que o tempo se recusava a devolver.
Durante anos, Ciro tentou reconstruir a si mesmo. Tornou-se leitor voraz, criador de mundos, um contador de histórias que fugia das próprias. Seu sucesso, aos olhos do mundo, era impecável. Mas em noites silenciosas, quando o mundo se calava, ele sentia.
Sentia falta de algo — ou alguém — que deveria ter sido parte de sua vida inteira.
À tarde, vestia uma camisa escura e um blazer sóbrio quando chegou à sede da Vollin & Harven. O ambiente era moderno, espelhado, cheio de linhas retas e concreto polido, mas havia uma leveza no ar — como se alguém tivesse deixado ali um traço de poesia.
Foi conduzido até uma sala de reuniões envidraçada, onde obras de arquitetura estavam expostas como arte.
— A arquiteta já está a caminho — avisou a recepcionista.
Enquanto aguardava, seus olhos vagaram pela maquete de um projeto recente. Era um parque urbano, com curvas ousadas e espaços de convivência esculpidos com elegância. Mas o que o paralisou foi o nome no canto do painel:
Kaela Vauren.
Ciro sentiu uma fisgada estranha no peito.
Aquele nome…
Era bonito demais para ser apenas coincidência.
Algo nele se agitou, como se um fio antigo tivesse sido puxado de repente. Não era reconhecimento, mas uma inquietação. Como quando você ouve uma música pela primeira vez e tem certeza de que já dançou com ela antes.
— Senhor Ellemar? — disse uma voz às suas costas.
Ele se virou.
Ela estava ali.
Vestia um blazer bege sobre um vestido sóbrio, os cabelos escuros presos em um coque elegante, e os olhos… os olhos tinham algo de intocável, de firmeza e saudade. Por um segundo, o mundo silenciou ao redor.
— Sou Kaela Vauren. Um prazer conhecê-lo.
Ele apertou sua mão, firme, e pela primeira vez em muito tempo, perdeu a fala.
Havia algo nela.
Um detalhe invisível.
Um perfume de infância.
Uma lembrança que não vinha completa, mas que deixava a alma inquieta.
— Ciro Ellemar — ele respondeu, finalmente. — O prazer é meu.
Eles se sentaram, começaram a discutir o projeto, a estética, a visão editorial. A conversa fluía com naturalidade. Ela era inteligente, articulada, segura. Ele, como sempre, analisava tudo com olhos críticos. Mas havia um subtexto ali. Algo que escapava das palavras e vibrava no ar entre os dois.
Ciro não sabia o que era.
Kaela também não.
Mas ambos sentiam.
Quando o encontro terminou, Ciro entrou no carro com o corpo tenso e o coração acelerado.
— Amara — disse, ao telefone —, descubra tudo o que puder sobre Kaela Vauren.
Do outro lado, a assistente apenas confirmou.
E enquanto o carro sumia entre as luzes de Néridan, Ciro fechava os olhos, tentando puxar um nome, um rosto, uma voz…
Sem saber que o destino acabara de costurar o primeiro nó do reencontro que mudaria suas vidas.
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Atualizado até capítulo 33
Comments
Graça Lobo Sales
nossa que história linda estou amando, autora sua linda por favor continue escrevendo, sua história é linda tenho certeza que vai ficar cada vez melhor😍❤️
2025-07-13
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Vanildo Campos
🫣🫣🫣🫣🫣
2025-07-16
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