###O Chamado do Cristal

– Entre a Terra e as Estrelas

O sol nascia por entre as copas altas da floresta, tingindo de âmbar as folhas orvalhadas. Maya e Volkar deixaram a aldeia sob as bênçãos da xamã, do avô e dos guardiões do portal. Ela caminhava descalça, os pés leves sobre o solo úmido, enquanto ele a acompanhava com passos precisos, o olhar atento ao redor.

Subitamente, Volkar parou.

Maya se virou, e antes que pudesse perguntar algo, viu a pele dourada dele se transformar, pouco a pouco. O traje branco e reluzente desapareceu como névoa, dando lugar a roupas de fibras naturais, semelhantes às dos guerreiros da tribo. Sua pele parecia mais terrosa, seus cabelos estavam amarrados em tranças finas, e tatuagens tribais surgiram temporariamente nos ombros largos.

— Como você... — Maya arregalou os olhos. — Como conseguiu isso?

Ele sorriu, satisfeito com o espanto dela.

— Nosso traje tem capacidade de camuflagem bioadaptativa. É uma tecnologia ancestral de Zyron. Quando me concentro, ele interpreta a cultura visual do ambiente e adapta minha aparência para causar menos impacto.

Ela piscou.

— E isso é mesmo você?

— Ainda sou eu — ele respondeu, a voz carregada de serenidade. — Mas agora pareço um dos seus.

— Eu posso ter um desse?

Ele olhou para ela por um segundo a mais do que o necessário. O olhar dele via nela mais do que curiosidade; via encanto.

— Acredito que sim.

Caminharam mais alguns metros em silêncio, até que ele notou que os pés dela estavam cobertos de terra e folhas.

— Não dói andar descalça? As pedras... os galhos...

Ela riu, com doçura.

— Não. Eu preciso disso.

— Como assim?

Ela parou e se virou para ele, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

— A Mãe Terra me recarrega. Você não sente energia quando pisa no seu planeta?

Ele assentiu.

— Sinto. Mas nunca pensei nisso como algo... vital.

— É vital pra mim. Meu sangue é híbrido, Volkar. Eu sou metade humana, metade zirorniana. E mais do que isso... Eu sou metamorfa.

Ele franziu a testa.

— Você quer dizer que... vocês mudam?

— Sim. — Ela fechou os olhos, respirou fundo e, em segundos, o corpo dela começou a se transformar.

Volkar recuou um passo, não por medo, mas por reverência.

Onde antes estava uma mulher de olhos de mel, agora surgia um lobo magnífico, de pelagem dourada, com olhos brilhantes e postura altiva. A criatura se moveu com elegância ao redor dele, farejando o ar, sentindo o cheiro das árvores, da vida e dele.

Volkar ajoelhou-se lentamente e estendeu a mão.

O lobo rosnou de leve, como se provocasse, depois se aproximou e tocou o focinho na palma dele.

— Você é... incrível.

A loba então recuou, e em segundos, a transformação reversa aconteceu. Maya estava novamente diante dele, os cabelos ainda ondulando com a energia da mutação, a respiração ritmada.

— Sempre que posso, ando descalça — disse, sorrindo — para manter a harmonia com a Mãe Terra. É como me manter ancorada, centrada. E ajuda a manter o controle sobre a minha transformação.

Volkar ficou em silêncio por alguns segundos, como se memorizasse cada palavra, cada detalhe.

— Você não é apenas híbrida, Maya. É rara.

Ela desviou os olhos, corando.

— Meu povo nunca entendeu essa parte de mim. Achavam estranho. Muitos têm medo daquilo que não compreendem.

— Em Zyron — disse ele, retomando a caminhada ao lado dela — os raros são honrados. Aqueles que trazem algo novo são considerados essenciais para a evolução. E você... você é muito mais do que imagina.

Maya não respondeu. Apenas caminhou, absorvendo as palavras dele como quem absorve o calor do sol depois de um longo inverno.

Eles atravessaram um riacho estreito, contornaram uma encosta coberta por musgos e, finalmente, chegaram diante de uma fenda rochosa entre duas montanhas. O som de cristais vibrando era quase imperceptível, mas para Maya, era como o chamado de um coração antigo.

Ela estendeu a mão e tocou a pedra da entrada. Um brilho suave percorreu a rocha, como se reconhecesse seu toque.

Volkar observava, fascinado.

— As cavernas nos reconheceram — disse Maya, em voz baixa.

— Isso é possível? — ele perguntou.

— Para os de sangue antigo, sim. Os cristais respondem ao que está dentro de nós. Emoção, intenção, ancestralidade.

Ela olhou para ele.

— Está pronto?

— Desde antes de nascer.

E então, juntos, adentraram o santuário oculto que guardava não apenas cristais, mas segredos enterrados pelas eras — e talvez, o verdadeiro propósito de suas existências.

O Guardião da Luz

A entrada da caverna se erguia adiante como um portal esculpido pelas eras. A vegetação densa escondia parcialmente o local sagrado, mas Maya sabia exatamente onde pisar, onde tocar. O som leve da vibração cristalina já ecoava dentro de seu peito.

Volkar, ainda camuflado como um guerreiro da aldeia, desacelerou os passos. Ergueu uma das mãos, em sinal de alerta.

— Pare. — Sua voz veio firme, baixa. Os olhos dourados estreitaram. — Há presença de homens armados. Três... exatamente na entrada da caverna.

Maya franziu a testa, surpresa.

— O quê? — sussurrou, então olhou para frente. Com atenção, viu os vultos. — Invasores. De novo...

A revolta fez seu corpo tremer.

— Esses saqueadores aparecem de tempos em tempos. Sabem do valor dos cristais. Mas eles não compreendem. Estão destruindo algo sagrado. Quero saber onde está o guardião da caverna...

Volkar ativou uma sequência rápida em um dispositivo minúsculo preso ao pulso.

Dois pontos de luz piscaram ao redor deles. Os dois guerreiros zironianos, que haviam permanecido em modo de camuflagem total, surgiram como sombras reveladas à luz.

Ele apontou com o queixo.

— Flanqueiem. Mas sem ferir. Quero vivos.

Em um movimento sincronizado, os guerreiros se moveram para as laterais da trilha, suas armaduras adaptativas os tornando quase invisíveis ao olho humano novamente. Volkar ergueu o braço direito. Um campo translúcido se materializou ao redor dele e de Maya — um escudo de energia, pulsante, quase imperceptível.

Ao se aproximar da entrada, os três homens armados notaram movimento e ergueram as armas.

Dispararam.

As balas ricochetearam contra o escudo com estalos metálicos e luzes azuladas. Maya recuou instintivamente, mas Volkar manteve-se firme.

— Agora — ele murmurou em sua língua natal.

Um som agudo cortou o ar.

Uma rede luminosa foi lançada de cima, envolvendo os três invasores. A malha energética os paralisou imediatamente, imobilizando membros e armas. Eles caíram ao chão com gritos abafados de susto e raiva.

— Renda-se ao que não compreende — disse Volkar, com frieza.

Os guerreiros surgiram, recolhendo os prisioneiros.

— Entrem invisíveis. Há mais — ordenou.

Maya, embora abalada, manteve a compostura. Tocou a pedra da entrada com a palma da mão. A vibração acolhedora permitiu que eles passassem.

No interior da caverna, a cena era um ultraje.

Cinco homens com ferramentas rudimentares e caixas metálicas arrancavam cristais das paredes com brutalidade. O som dos estilhaços ferindo a rocha parecia um lamento antigo.

Maya levou as mãos à boca.

— Eles estão destruindo...

Volkar deu um passo à frente. Ainda camuflado, se aproximou de um deles.

— Parem. Agora.

Os homens se viraram. Um deles riu, debochado.

— Um índio? Sai do caminho, velho. Isso aqui é propriedade internacional.

— Vocês estão saqueando o que não entendem. Estão acordando forças que não podem conter.

Outro ergueu a arma.

— Último aviso, velhote. Sai fora.

Volkar apertou o punho.

— Que seja assim.

Os dois guerreiros se tornaram visíveis ao seu lado, armaduras reluzentes, olhos prateados cintilando no escuro.

— Merda... o que é isso?! — gritou um dos homens.

Antes que pudessem reagir, foram atingidos por ondas de choque leves, paralisantes. Caíram um a um, como peças de dominó.

Volkar ativou o teletransportador portátil.

— Conduzam os oito prisioneiros à aldeia. Digam ao chefe que serão interrogados e julgados conforme os protocolos da Confederação.

Os guerreiros assentiram e, com gestos rápidos, os corpos foram envolvidos por campos gravitacionais e desapareceram em feixes de luz azul.

Volkar então se abaixou diante de uma das caixas.

Pegou um dos cristais arrancados à força. Estava trincado. Cinzento. Sem vida.

— Está morto — ele murmurou.

— Eles roubaram a energia dele — disse Maya, com dor na voz. — Os cristais só têm poder se forem dados pela Terra. Eles não podem ser arrancados... são presentes, não produtos.

Ela se abaixou e retirou um cristal pequeno do chão, quase escondido sob uma raiz fina.

— Este foi deixado. A Terra permitiu. Tome.

Volkar recebeu o objeto com reverência. Assim que tocou o cristal doado, uma onda de calor percorreu seu corpo. Luz dourada escapou por entre seus dedos. A energia pulsava, viva.

Ele arfou.

— Este... está cheio de força vital. Como o núcleo de uma estrela.

Maya assentiu.

— Agora você entende. Não se conquista a força do universo com violência. É preciso merecimento.

Volkar olhou para ela, profundamente tocado.

— Você tem razão. Se eles tivessem atirado... mesmo com nossas armas... nada teria sido suficiente para restaurar o que foi perdido.

Ela tocou no ombro dele, com ternura.

— Mas ainda há tempo. Os cristais vivos ainda estão aqui. Eles nos conhecem.

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