###O Chamado do Cristal

– O Elo que Desperta

A nave emitia um leve zumbido contínuo, como se respirasse. Maya permanecia sentada sobre uma plataforma suspensa, os olhos atentos ao guerreiro de cabelos prateados que, de pé à sua frente, parecia mais uma estátua entalhada pelos deuses do universo. Seu porte, a postura firme, a calma nos gestos — tudo nele parecia exato, eterno.

— Maya — disse Volkar, sua voz grave preenchendo o espaço. — Antes de irmos à sua aldeia, preciso solicitar algo a você. Um protocolo de segurança e comunicação.

Ela ergueu o queixo, desconfiada.

— Que tipo de protocolo?

Ele ergueu um pequeno dispositivo, semelhante a um cristal facetado.

— É um chip de conexão neural. Um implante minúsculo, inserido atrás da orelha. Ele permitirá que compreenda todas as línguas faladas em Zyron e em outras galáxias sob nossa aliança. E permitirá que eu me comunique com você, mesmo à distância.

Maya hesitou por um momento. Mas algo em seu instinto — talvez herdado de sangue — não sentiu medo. Sentiu... reconhecimento.

— Vai doer?

— Apenas uma leve picada. Prometo ser gentil.

Ela suspirou e assentiu.

Volkar se aproximou com cautela, a mão envolta em um brilho azulado. Encostou suavemente o cristal em sua pele, atrás da orelha, e Maya sentiu um leve calor. O dispositivo se dissolveu na pele como uma brisa.

Em questão de segundos, ela ouviu a mesma voz dele, agora ecoando dentro de sua mente com absoluta clareza.

“Agora podemos falar sem barreiras.”

Maya arregalou os olhos.

— Nossa...

Ele sorriu.

— Vamos?

Ela se levantou, ainda deslumbrada com o que acabara de acontecer, e caminhou até a saída da nave. A estrutura metálica se abriu em silêncio, revelando o céu do início da manhã tingido de lilás e dourado. Ao fundo, as montanhas abraçavam o vale onde ficava a aldeia de sua infância.

Desceram juntos, seguidos por dois guerreiros zirornianos em trajes de camuflagem. A floresta úmida os envolveu com sua brisa fresca, o som dos pássaros e o aroma do solo sagrado. Maya sentiu o coração acelerar. A aldeia estava logo à frente.

Quando os primeiros guardiões da entrada os avistaram, suas lanças se ergueram num movimento de alerta. Mas Maya levantou o braço.

— Sou eu! Maya! Estou de volta!

O chefe dos guardiões reconheceu-a de imediato, e abaixou a arma com respeito.

— A filha de Aylla retornou... Mas quem são eles?

— Eles vieram em paz. Eu os trago.

Foram guiados até o centro da aldeia, onde a xamã já os esperava com olhos semicerrados e as mãos pousadas sobre um cajado de madeira negra enfeitado com penas e símbolos antigos. Ao lado dela, estava Aylla — a mãe de Maya — que ao ver Volkar, empalideceu.

Aylla deu um passo à frente, encarando-o com os olhos marejados.

— Você... Você é da mesma raça do pai da minha filha.

Volkar se manteve ereto, mas um leve tremor percorreu seu maxilar.

— Como sabe disso?

Aylla tocou o próprio peito, emocionada.

— Porque há vinte e três anos, um guerreiro como você caiu aqui. Ferido. Cuidamos dele. Eu o amei. Mas ele não pôde ficar. E eu não pude ir com ele. A semente ficou... — Seus olhos se voltaram para Maya. — A nossa filha.

Maya sentiu as pernas falharem, e a xamã apoiou sua mão em seu ombro com suavidade.

— A profecia sempre disse que o sangue das estrelas retornaria. E voltou. — A velha olhou para Volkar com reverência. — Você veio buscar os cristais, não foi?

Volkar confirmou com um movimento da cabeça.

— Nossos sistemas foram danificados ao entrar na atmosfera terrestre. Precisamos da zironita para restaurar as barreiras energéticas e prosseguir nossa missão. Sem ela, nosso povo corre risco.

A xamã se voltou para Maya.

— Leve-o às cavernas dos cristais. A permissão está concedida. O tempo deles é escasso, e o nosso também.

O líder da aldeia, pai de Maya, se aproximou. Um homem alto, de traços fortes, com tatuagens xamânicas no rosto e um colar de dentes de jaguar no pescoço.

— E se perguntam por que não nos assustamos — disse ele, olhando para os três guerreiros — é porque, como disse a mãe de Maya, um de vocês já esteve aqui antes. E nós não esquecemos. Somos frutos dos antigos. Vocês não estão chegando... estão retornando.

Volkar então se ajoelhou, o punho fechado contra o peito, em um gesto de reverência.

— Honro vossa linhagem e vossa sabedoria. Prometo que nenhum mal será trazido por nós.

Aylla, com os olhos ainda marejados, tocou o ombro dele.

— Cuide dela.

Ele olhou para Maya e disse:

— Com a minha vida.

O Chamado do Cristal

– Entre a Terra e as Estrelas

O sol nascia por entre as copas altas da floresta, tingindo de âmbar as folhas orvalhadas. Maya e Volkar deixaram a aldeia sob as bênçãos da xamã, do avô e dos guardiões do portal. Ela caminhava descalça, os pés leves sobre o solo úmido, enquanto ele a acompanhava com passos precisos, o olhar atento ao redor.

Subitamente, Volkar parou.

Maya se virou, e antes que pudesse perguntar algo, viu a pele dourada dele se transformar, pouco a pouco. O traje branco e reluzente desapareceu como névoa, dando lugar a roupas de fibras naturais, semelhantes às dos guerreiros da tribo. Sua pele parecia mais terrosa, seus cabelos estavam amarrados em tranças finas, e tatuagens tribais surgiram temporariamente nos ombros largos.

— Como você... — Maya arregalou os olhos. — Como conseguiu isso?

Ele sorriu, satisfeito com o espanto dela.

— Nosso traje tem capacidade de camuflagem bio adaptativa. É uma tecnologia ancestral de Zyron. Quando me concentro, ele interpreta a cultura visual do ambiente e adapta minha aparência para causar menos impacto.

Ela piscou.

— E isso é mesmo você?

— Ainda sou eu — ele respondeu, a voz carregada de serenidade. — Mas agora pareço um dos seus.

— Eu posso ter um desse?

Ele olhou para ela por um segundo a mais do que o necessário. O olhar dele via nela mais do que curiosidade; via encanto.

— Acredito que sim.

Caminharam mais alguns metros em silêncio, até que ele notou que os pés dela estavam cobertos de terra e folhas.

— Não dói andar descalça? As pedras... os galhos...

Ela riu, com doçura.

— Não. Eu preciso disso.

— Como assim?

Ela parou e se virou para ele, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha.

— A Mãe Terra me recarrega. Você não sente energia quando pisa no seu planeta?

Ele assentiu.

— Sinto. Mas nunca pensei nisso como algo vital.

— É vital pra mim. Meu sangue é híbrido, Volkar. Eu sou metade humana, metade zirorniana. E mais do que isso Eu sou metamorfo.

Ele franziu a testa.

— Você quer dizer que... vocês mudam?

— Sim. — Ela fechou os olhos, respirou fundo e, em segundos, o corpo dela começou a se transformar.

Volkar recuou um passo, não por medo, mas por reverência.

Onde antes estava uma mulher de olhos de mel, agora surgia um lobo magnífico, de pelagem dourada, com olhos brilhantes e postura altiva. A criatura se moveu com elegância ao redor dele, farejando o ar, sentindo o cheiro das árvores, da vida e dele.

Volkar ajoelhou-se lentamente e estendeu a mão.

O lobo rosnou de leve, como se provocasse, depois se aproximou e tocou o focinho na palma dele.

— Você é incrível.

A loba então recuou, e em segundos, a transformação reversa aconteceu. Maya estava novamente diante dele, os cabelos ainda ondulando com a energia da mutação, a respiração ritmada.

— Sempre que posso, ando descalça — disse, sorrindo — para manter a harmonia com a Mãe Terra. É como me manter ancorada, centrada. E ajuda a manter o controle sobre a minha transformação.

Volkar ficou em silêncio por alguns segundos, como se memorizasse cada palavra, cada detalhe.

— Você não é apenas híbrida, Maya. É rara.

Ela desviou os olhos, corando.

— Meu povo nunca entendeu essa parte de mim. Achavam estranho. Muitos têm medo daquilo que não compreendem.

— Em Zyron — disse ele, retomando a caminhada ao lado dela — os raros são honrados. Aqueles que trazem algo novo são considerados essenciais para a evolução. E você... você é muito mais do que imagina.

Maya não respondeu. Apenas caminhou, absorvendo as palavras dele como quem absorve o calor do sol depois de um longo inverno.

Eles atravessaram um riacho estreito, contornaram uma encosta coberta por musgos e, finalmente, chegaram diante de uma fenda rochosa entre duas montanhas. O som de cristais vibrando era quase imperceptível, mas para Maya, era como o chamado de um coração antigo.

Ela estendeu a mão e tocou a pedra da entrada. Um brilho suave percorreu a rocha, como se reconhecesse seu toque.

Volkar observava, fascinado.

— As cavernas nos reconheceram — disse Maya, em voz baixa.

— Isso é possível? — ele perguntou.

— Para os de sangue antigo, sim. Os cristais respondem ao que está dentro de nós. Emoção, intenção, ancestralidade.

Ela olhou para ele.

— Está pronto?

— Desde antes de nascer.

E então, juntos, adentraram o santuário oculto que guardava não apenas cristais, mas segredos enterrados pelas eras — e talvez, o verdadeiro propósito das suas existências.

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