O jogo entre palavras

...Misaka...

Duas noites. Foi o que me prometeram.

Mas cada segundo ali dentro era um lembrete de que estavam me tratando como um quebra-cabeça instável. Um bicho raro.

Ou pior: uma prova viva.

Os fios estavam colados ao meu corpo. ECG. Oxigênio. Soro.

Como se estivessem me alimentando por pena.

Mas era exatamente o que eu precisava: uma distração.

Durante a madrugada, as luzes do hospital foram reduzidas. O silêncio era pesado, quebrado só pelos monitores e a ronda dos enfermeiros.

Foi ali que comecei.

Primeiro passo: desconectar o soro.

Tirei a agulha com cuidado, pressionando com a gaze.

Nada que doesse mais do que o que já senti. A dor física era um eco distante pra mim agora.

Peguei o tablet do suporte médico ao lado. Um modelo padrão, mas com acesso aos servidores internos do FBI. Eu reconhecia aquele sistema. Eu tinha estudado ele — não pelos livros, mas pelas noites em que Israel testava minha “capacidade de invasão” como um “jogo”.

Idiota.

Me ensinou a abrir portas achando que eu nunca ia usá-las contra ele.

Cinco minutos depois, eu já estava dentro da rede interna.

Nome do arquivo: KEYES_PATTERN_CASE_109-A

Atualizado pela última vez 3 horas atrás.

Sorriso.

Deslizei os dados com os dedos. O tablet era responsivo. Os mapas estavam marcados com pontos vermelhos. Nomes das vítimas. Datas.

Padrões temporais, padrões geográficos…

Não era o tipo de investigação que um esquadrão padrão faria em três horas.

Mas era o tipo de coisa que eu fazia em três minutos.

Falei em voz baixa, quase como um pensamento jogado no ar:

— “Intervalos de 11 dias, sempre em cidades com saída rápida pra estradas interestaduais… sem câmeras, sem digitais, sem sangue além da vítima. Mas…”

Deslizei o mapa de novo.

Zoom. Um ponto azul.

— “Essa vítima aqui. Mãe solteira. Dois filhos. Mas ela não morava sozinha. Tinha um namorado que sobreviveu. Foi ignorado.”

Toquei na ficha do sobrevivente: Eric Lang, 28 anos, entregador noturno.

Suspeito? Não.

Mas uma peça… que poderia ter visto algo.

Meus dedos pararam.

A mente girava mais rápido que a tela.

— “Israel... você nunca deixa sobreviventes.”

— “Então por que deixou esse cara?”

Fechei o tablet. Respirei fundo.

Eu sabia a resposta.

Porque ele queria que eu visse.

A porta do quarto se abriu. Um enfermeiro entrou, distraído.

Eu devolvi o tablet à posição original e recoloquei a agulha do soro com precisão milimétrica.

Ele nem percebeu.

— “Tudo certo por aqui?” — ele perguntou.

— “Tudo ótimo.” — respondi, sorrindo.

E era verdade.

Porque eu já tinha começado a caçada.

Mesmo presa àquela cama, eu estava mais livre do que qualquer um lá fora.

Com ou sem o FBI… eu vou até o fim.

E Israel?

Vai desejar nunca ter me deixado viva.

Na manhã seguinte, os médicos vieram me examinar.

Disseram que estavam “impressionados” com minha resistência. Que eu deveria ficar sob observação por mais um dia.

Sorria. Concordava. Dizia “obrigada” com educação.

Mas enquanto eles falavam, eu já estava memorizando os turnos de vigilância, a localização dos carros no estacionamento, a distância entre minha janela e o beiral lateral do hospital.

E na hora exata, quando os passos do guarda noturno ecoaram para longe…

Eu saí.

Vesti o jaleco de uma médica que dormia na sala dos fundos. Peguei uma máscara descartável. Abaixei o rosto, mantive o andar firme, sem hesitação.

Ninguém desconfiou.

Em minutos, eu já estava do lado de fora.

Peguei um táxi comum. Sem usar nome real, sem cartão.

Deixei o celular do FBI no quarto. Tinha um chip escondido na costura da minha roupa, o mesmo que Israel usava pra rastrear o padrão neural. Irônico.

Digitei o endereço no navegador:

> Eric Lang. 28 anos. Bairro Willowgate. Zona Leste.

Sobrevivente. Namorada assassinada. Diz que dormia na hora.

Mentira.

Ninguém dorme enquanto Israel mata.

O bairro era simples. Prédios baixos, fachadas desbotadas, fios expostos. O tipo de lugar onde as pessoas sobrevivem por hábito, não por escolha.

Desci do carro e caminhei até o apartamento dele.

Terceiro andar. Cortina rasgada. Caixa de pizza no parapeito.

Toquei a campainha.

Silêncio.

Toquei de novo.

Pisei mais forte. Não por impaciência. Mas pra deixar ele saber que não era a polícia.

A porta abriu parcialmente.

Um rosto surgiu. Olhos fundos. Camiseta suada. Cabelo oleoso.

Eric.

— “Quem é você?” — ele perguntou com voz cansada.

Sorri. Mas não com os lábios. Com os olhos.

— “Alguém que sabe o que você viu.”

Ele hesitou. A porta ainda entreaberta.

Ia negar. Eu sabia. Já estava vendo o pensamento nascer nele antes mesmo de falar.

Mas não me importava.

Porque no instante em que nossos olhos se cruzaram…

eu mergulhei.

Não foi como em filmes. Não era uma invasão visual, com flashes ou vozes altas.

Era sutil. Quase silencioso. Um sussurro atrás da mente dele.

Vi ele deitado no sofá. A luz apagada. A televisão ligada.

Mas o som que ele ouviu…

Um estalo.

Depois outro.

Ele se levantou. Foi até a cozinha.

E ali, ele viu. Só por um segundo.

Uma sombra. Alta. Máscara preta.

Israel.

A faca atravessando o peito da mulher dele.

Eric congelou. O medo paralisou até a voz. Ele correu para o banheiro e se trancou.

Foi covarde.

Mas Israel deixou ele viver.

De propósito.

Saí da mente dele devagar. Ainda havia suor na testa dele.

Estava pálido.

Ele recuou. Tentou fechar a porta.

Mas eu coloquei o pé.

— “Você viu ele.”

— “Eu… eu não sei…”

— “Você VIU.”

Ele tremeu. Não respondeu.

— “Ele deixou você vivo pra te transformar em testemunha. Mas agora você é uma peça. Ele quer que você diga as palavras certas pra mim. Ou talvez... as erradas.”

Eric engoliu em seco.

— “Ele... ele olhou pra mim. Antes de sair. Ele sabia que eu tava ali. Ele sorriu.”

Pausa.

— “Como se... como se soubesse que alguém viria perguntar depois.”

Fechei os olhos. Respirei fundo.

Israel estava jogando comigo desde o início.

Mas tudo bem.

O jogo dele está prestes a virar.

Me virei, descendo as escadas sem pressa.

Atrás de mim, Eric ainda tremia.

Ele não sabia, mas eu já tinha tudo que precisava.

Uma imagem. Um traço. Um olhar.

Um novo pedaço da espiral.

— “Você viu o rosto dele?”

Minha pergunta foi direta. Sem rodeios.

Eric empalideceu.

— “Não… não exatamente. Eu… só vi uma sombra.”

Mentira.

Não uma mentira completa — uma meia verdade, que é ainda mais útil pra mim.

Continuei olhando fixo nos olhos dele. Pupilas dilatadas. Narinas ligeiramente abertas.

O canto da boca se tensionou.

Ele sabia o que tinha visto.

Só não queria dizer.

— “Mas você SENTIU algo quando olhou pra ele, não foi?” — continuei.

— “Senti medo, claro.”

Outra resposta treinada. Superficial.

Qualquer um cairia.

Mas eu não era qualquer um.

Inclinei a cabeça. Me aproximei. Não agressiva.

Calma.

Precisa.

— “Medo é uma reação natural. Mas você não está reagindo como alguém com medo. Está reagindo como alguém em conflito. O que ele fez com você, Eric?”

— “Nada! Ele só… ele só matou a minha namorada, tá legal? Você acha que isso é pouco?”

Ele se irritou. Ótimo.

Pessoas irritadas mostram mais do que querem.

Observei.

Mãos trêmulas. Mas o olhar desviando para a esquerda. Sempre que eu dizia “rosto”, ele olhava para o mesmo canto da sala.

Análise:

📌 Ponto de fuga inconsciente.

📌 Ligado à memória visual.

📌 Algo que ele viu e quer esquecer, mas que ainda está ali.

— “Você o viu sem máscara, não foi?” — sussurrei.

Silêncio.

Ele não respondeu.

Mas não precisava.

Minhas capacidades de leitura de mente não funcionam como mágica.

São impulsos. Associações. Fragmentos que meu cérebro lê como linguagem.

Mas ser uma mentalista... isso era puro treino.

Treino que Israel, sem querer, aperfeiçoou em mim.

Abaixei o tom de voz. Me aproximei ainda mais, até estar a um passo dele.

— “Você viu algo estranho. Algo que não deveria estar lá.”

O silêncio dele me confirmou.

— “Você reconheceu ele, não foi?” — meus olhos buscaram os dele — “Ou… teve a impressão de que já o viu antes.”

Ele respirou fundo. Uma respiração pesada, engolida.

Acertou em cheio.

— “Você... você acha que ele não é só um assassino.”

Eric recuou. Seu corpo estava dizendo tudo o que sua boca não dizia.

— “Aquele olhar…” — ele sussurrou, sem perceber que falava — “Era como... como se ele já me conhecesse.”

Pausa.

Ali estava a verdade.

Não era só um medo aleatório. Era um medo personalizado.

Israel escolheu Eric. Não foi uma vítima aleatória. Foi uma mensagem.

Sorri.

— “Obrigada, Eric. Era só isso que eu precisava.”

Ele arregalou os olhos.

— “Mas eu não disse nada.”

— “Disse com o corpo inteiro.”

Desci as escadas. Meu coração calmo.

Minha mente, acesa como um campo elétrico.

Israel estava mudando as regras.

Agora ele queria que eu pensasse que já o conhecia também.

Queria que eu desconfiasse de tudo. De todos.

Mas ele se esqueceu de uma coisa.

> Eu fui treinada pra sobreviver num mundo sem lógica.

E agora, vou usar a lógica contra ele.

Ou mesmo usar tudo que eles fez comigo,dor ódio, tortura.Bem até lá vou caçar ele com todo meu ódio.

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Atualizado até capítulo 59

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