Último Suspiro para o Meu Fim

Último Suspiro para o Meu Fim

Cão de caça

...Misaka...

Tudo estava escuro.

Mas não uma escuridão comum — era o tipo de escuridão que respira. Que se encosta na sua pele. Que parece rir, baixinho, enquanto você sangra.

O chão era úmido. Cheiro de ferrugem e madeira podre.

Minhas mãos estavam presas atrás da cadeira. Meus pulsos queimavam, cortados pelas cordas ásperas.

A cadeira era de ferro. Enferrujada. Cruel. E imóvel.

Cada respiração doía. Cada piscada era uma luta.

Mas eu ainda conseguia pensar.

Na parede da frente, uma espiral. Pintada com algo… viscoso. Vermelho escuro. Fresco.

Israel Keyes.

O nome dele estava gravado dentro de mim como se fosse parte do meu DNA.

O homem que matou meus pais. Meu irmão. Que me levou. Que me usou como experimento.

Ele dizia que ia me tornar perfeita. Que meu cérebro era o único que valia o esforço.

E, de certo modo… ele conseguiu.

Mas agora, tudo estava acabando. Ou era o que parecia.

— “AQUI! TEM ALGUÉM VIVA AQUI!” — a voz ecoou com força. Feminina. Autoritária.

Luzes invadiram o lugar. Lanternas. Várias. Passos rápidos.

Pela primeira vez em semanas, ouvi vozes humanas que não vinham de um psicopata.

— “Sou a agente Cruz, FBI!” — a mulher se aproximou, armas abaixadas, olhos alertas. “Temos uma sobrevivente.”

Ela se ajoelhou na minha frente. Tocou meu rosto com cuidado.

— “Misaka Kaname... você está segura agora. Tá me ouvindo? Respira comigo. Vamos tirar você daqui.”

Minha boca tentou sorrir. Meu corpo não deixou.

As mãos de Cruz cortaram as cordas. Meu corpo caiu mole contra ela.

Ela me segurou com firmeza. Forte, mas gentil.

Eu tremia. Mas não de frio.

Do ódio. Da lembrança. Da marca que ele deixou.

Me colocaram numa maca. Cobertores térmicos. Oxigênio.

— “Vamos levá-la pro helicóptero. Está desidratada, ferida, mas consciente… por enquanto.”

Meus olhos ainda estavam abertos.

E no canto da sala, enquanto tudo girava ao meu redor…

Eu vi.

Uma câmera. Ligada. Luz vermelha piscando.

Ele estava assistindo.

Israel não terminou o jogo.

Ele só me deu a primeira jogada.

E mesmo enquanto o mundo escurecia de novo, uma última certeza me acompanhou até o desmaio:

> Eu vou encontrá-lo. Eu vou acabar com ele.

Sons mecânicos. Bipes. Vozes abafadas por paredes e distância.

O mundo voltou como se estivesse passando em câmera lenta.

Meus olhos abriram devagar. Luz branca. Teto estéril. O cheiro de hospital misturado com desinfetante e algo metálico. Meu braço estava preso por um tubo de soro. Meus lábios, rachados. Meu corpo, coberto por arranhões e hematomas.

Mas eu estava viva.

— “Ela tá acordando. Chama a Cruz.” — uma voz sussurrou.

Virei lentamente o rosto. Um enfermeiro. Jovem. Com medo nos olhos.

Instantes depois, ela entrou.

Agente Cruz.

Cabelos escuros amarrados com precisão militar. Rosto firme, mas com um traço de preocupação sincera nos olhos. Usava o blazer do FBI aberto, distintivo visível no peito, e uma prancheta que não tirava da mão.

Ela se aproximou devagar, como se eu fosse um animal ferido.

— “Misaka Kaname.”

— (eu pisquei lentamente em resposta)

— “Sou a agente Cruz. FBI. Você está segura agora. Foi encontrada num galpão abandonado em Ashbury. Sozinha. Acorrentada. Ferida. Mas viva.”

Ela puxou uma cadeira. Sentou ao lado da cama. A voz dela mudou — mais grave, mais pessoal:

— “Queremos saber tudo que puder contar. Sobre ele.”

Demorei para responder. Não porque não sabia.

Mas porque não queria que me tratassem como uma vítima.

Virei o rosto devagar para ela. Um sorriso fraco se formou nos meus lábios rachados.

— “Ele deixou uma câmera ligada.”

Ela congelou por meio segundo.

— “Você viu?”

Assenti.

— “Ele me deixou viva de propósito.”

— “Por quê?”

Minha voz saiu baixa, quase um sussurro:

— “Porque eu sou parte do jogo.”

Ela se inclinou para frente.

— “Misaka... o que ele fez com você nesses dois anos?”

Fechei os olhos por um instante. Senti o gosto de sangue velho ainda na garganta. As palavras vieram automáticas, como se minha mente estivesse narrando para si mesma.

— “Experimentos. Drogas. Privação de sono. Testes. Ele me observava, media reações. Mudava estímulos. Apagava minha memória e reconstruía. Tudo com lógica. Tudo calculado. Ele estava treinando... minha mente.”

Cruz me olhava com algo entre terror e fascínio.

Eu continuei:

— “E agora... ele quer ver o que eu faço com isso.”

Antes que Cruz pudesse dizer algo, um agente bateu na porta.

— “Temos movimentação. Ele fez outra vítima. Ontem à noite. Mesmo símbolo. Mesma assinatura.”

Cruz virou o rosto para mim, como se esperasse alguma reação.

Mas eu apenas sorri. Um sorriso leve. Lúcido.

— “Ele quer que eu vá atrás.”

Ela me olhou com cuidado, como se buscasse alguma instabilidade em mim. Mas não havia.

— “Você tem noção do que está dizendo?”

— “Tenho. Vocês vão seguir rastros. Eu vou seguir o padrão mental.”

— “Você acha que pode caçá-lo?”

— “Não.” — olhei nos olhos dela. — “Eu sei que posso.”

Cruz ficou em silêncio por alguns segundos. Depois se levantou.

— “Vou falar com os superiores. Eles vão querer analisar você antes de qualquer coisa. Mas…”

Ela hesitou. Quase imperceptível. Então concluiu:

— “...acho que Israel Keyes não esperava que você sobrevivesse com mais do que um trauma. Acho que ele cometeu um erro.”

Eu sorri de novo. Mais forte dessa vez.

— “O erro dele foi me deixar acordada.”

O quarto estava silencioso de novo.

Os agentes tinham saído. Cruz foi a última a me encarar antes de fechar a porta com aquele clique abafado, como se quisesse que eu descansasse.

Mas descansar?

Que piada.

Continuei olhando pro teto. A luz branca acima de mim tremeluzia levemente, como se estivesse cansada também. Cada segundo que passava era uma agulha fincada no centro da minha testa.

Minha mente não parava. Nunca parava.

Os fios da máquina ao lado apitavam meu batimento cardíaco, mas o que realmente batia dentro de mim era outra coisa: a raiva. E por baixo dela… uma clareza fria.

Suspirei.

— “Aquele filho da mãe...” — murmurei, ainda encarando o teto — “Fez tudo isso só pra me fazer correr atrás dele.”

Um sorriso torto surgiu nos meus lábios. Um sorriso cínico.

Quase… divertido.

— “Que romântico da parte dele.”

Soltei uma risada baixa, seca.

— “Ele me tortura, mata minha família, me quebra em pedaços... e agora espera que eu vá até ele como um brinquedo curioso que ainda não terminou de explorar.”

Virei lentamente o rosto para o lado. O reflexo no vidro do armário de remédios me mostrou: o olho esquerdo ainda inchado, o lábio partido… mas o mesmo sorriso. O mesmo olhar atento. Vivo.

— “Que patético.”

Fechei os olhos por um segundo.

E então, as palavras dele voltaram. Uma das últimas vezes em que me prendeu naquela cadeira escura, com fios conectados à minha cabeça.

> “Seu cérebro vai se tornar algo que nenhum ser humano teve. Você vai ver o mundo... pelo avesso. Cada emoção, cada mentira, cada falha. Eu só preciso ativar a última parte.”

Ele dizia isso como se estivesse me dando um presente.

E agora...

— “Saber ler pensamento, hein?” — falei sozinha, ironizando. — “Ah, ótimo. Sou uma telepata agora?”

Ri de novo. Mas dessa vez, com mais profundidade. Aquela risada amarga de quem já passou do ponto de volta.

— “Ou talvez só esteja ficando louca.”

— “Ou talvez...” — continuei, sussurrando — “...ele tenha criado exatamente o que queria: uma máquina de caça.”

A batida do meu coração parecia mais forte agora. Os sons ao redor mais nítidos. Eu podia ouvir os policiais falando do lado de fora da porta. Dois homens. Um deles com medo. O outro achando que estou frágil demais pra ser útil.

Idiotas.

Eles não entendem. Israel não deixou pistas. Ele deixou uma isca.

E essa isca sou eu.

Olhei para o soro pendurado.

— “Vamos, FBI... me deem alta logo.” — murmurei. — “Antes que eu me levante e vá sozinha.”

A espiral continuava girando dentro da minha cabeça.

Não era mais só um símbolo.

Era um chamado.

E eu estava pronta pra responder.

O tique-taque da máquina ao lado do meu leito era irritante.

Talvez fosse o batimento cardíaco. Talvez fosse só o tempo me lembrando de que ele estava à frente.

Israel.

Cada parte do meu corpo gritava. Mas a mente… ela estava afiada.

Mais do que nunca.

Eu não tinha pressa pra sair do hospital. Mas também não pretendia esperar por ninguém.

Se o FBI resolvesse me usar como uma ferramenta de investigação, ótimo.

Se resolvessem me afastar e me tratar como vítima… azar o deles.

Israel Keyes está lá fora. Matando.

Rindo.

Me provocando.

Ele não deixou pistas por descuido. Deixou porque quer me ver correndo atrás.

E quer ver quanto tempo levo até pensar como ele.

Idiota.

— “Se ele acha que sou só mais uma peça…” — murmurei, ainda com os olhos no teto — “...ele esqueceu que peças também aprendem a jogar.”

Minha voz era baixa, mas firme.

Não era a voz de alguém quebrada. Era a de alguém… desperta.

A porta do quarto se abriu.

Um agente desconhecido entrou. Jovem. Camisa branca por baixo do blazer azul do FBI. Fone no ouvido. Disfarçava mal a tensão.

— “Misaka. Cruz pediu pra avisar que você terá alta em dois dias. Os médicos ainda querem fazer alguns exames.”

Olhei pra ele. Apenas com um arquejo leve no canto da boca. Um quase-sorriso.

— “Exames.”

— “Sim. Neurológicos. E também psiquiátricos.”

— “Claro. Querem ver se a cobaia sobreviveu intacta.” — minha voz era neutra. Sem raiva. Só verdade.

O agente não respondeu. Apenas assentiu com a cabeça e saiu.

A porta se fechou devagar.

Eu ri. Sozinha. Baixo.

Dois dias.

Israel poderia matar outra pessoa nesse tempo. Ou desaparecer de novo.

Ou deixar mais um enigma com espirais e frases invertidas só pra me manter ocupada.

Mas ele ainda não entendeu.

Eu não sou parte da caçada. Eu sou o cão de caça.

Se o FBI quiser me ajudar, ótimo.

Se tentar me segurar, vou deixá-los para trás.

Porque a verdade é simples:

Eu não durmo desde que acordei naquela sala com sangue nas mãos.

E até encontrar Israel, eu não vou parar.

Nem por ordens. Nem por leis.

Nem por mim.

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Atualizado até capítulo 59

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