O Amor Que Se Desfaz em Cinzas
O chão de pedra estava frio.
E, pela primeira vez, Calanthe não conseguia aquecer-se com sua própria chama.
Ela respirava com dificuldade.
Os pulmões, outrora repletos da energia das brasas divinas, agora ofegavam como os de um mortal.
Selis trouxe uma infusão de pétalas azuis e fumaça de mirra.
Calanthe agradeceu com um gesto mínimo.
— Você não precisa continuar, minha senhora — sussurrou Selis. — A dor… já foi sentida. Ele chora.
— Chorar não é quebrar — respondeu Calanthe, com a voz embargada. — Ainda há orgulho. E enquanto houver orgulho, há armadura.
—
Naquela noite, ela voltou a sangrar.
O feitiço de sustento que havia desenhado nos pulsos com carvão sagrado se desfez em cinzas.
Seu corpo se curvava.
Mas não sua alma.
Ela ainda se lembrava de tudo.
—
Três ciclos atrás.
No exato dia em que o Guardião dos Fragmentos revelou sua sentença.
— “Você queimará lentamente, Calanthe.”
— “Por quê?”
— “Porque sua essência não era para ser dividida. Você entregou sua alma por amor. Agora, está morrendo por ele.”
Ela saiu daquele salão com o rosto limpo e o peito sangrando.
Aquele dia era o aniversário de sua união com Aric.
Ela havia passado o dia inteiro preparando a oferenda de brasas doces, a música da primeira marcação e a invocação do Voto de Chama.
Mas ele não voltou.
Nem ao cair da noite.
Nem ao amanhecer.
Ela dormiu sozinha, com os braços entrelaçados sobre o colar que ele lhe dera no primeiro ciclo juntos.
E desde então…
nunca mais foi a mesma.
—
Sentada no chão do antigo templo, onde os primeiros Imortais haviam feito votos de união, Calanthe escreveu sua terceira carta.
Com sangue.
Com lágrima.
Com verdade.
—
Carta 3 — Ao Homem Por Quem Eu Morreria Outra Vez
Aric.
Escrevo essa carta com o corpo dobrado de dor, mas com o coração ainda inteiro…
Porque, mesmo morrendo por sua causa,
eu ainda seria capaz de fazer tudo de novo.
Eu sabia que ia morrer no dia em que te salvei.
Sabia.
O Guardião me avisou.
A Deusa me alertou.
Mas eu… eu te escolhi.
Era o nosso aniversário.
Eu preparei tudo.
E mesmo sangrando por dentro, eu sorri ao pensar que você me envolveria nos braços e diria:
“Você é minha chama.”
Mas você não voltou.
Eu esperei.
Esperei até a vela da oferenda apagar.
Esperei até as lágrimas secarem em meu rosto.
Você não voltou.
E naquele silêncio, eu soube:
Eu estava morrendo sozinha.
E você… estava vivendo com outra.
O pior não foi a traição.
Foi o esquecimento.
O abandono.
O eco do meu nome em um lar vazio.
Mesmo assim…
Eu não te odeio.
Sabe por quê?
Porque o amor verdadeiro não deixa ódio.
Ele deixa silêncio.
E cicatrizes.
E eu tenho os dois.
Essa será minha última carta com amor.
Depois desta, só restará o que você me deixou:
As brasas.
O pó.
O lamento.
Queime, Aric.
Mas lembre-se:
Nem toda chama que se apaga… morre.
Algumas apenas esperam o momento certo para renascer.
Calanthe fechou os olhos.
Seu corpo tremia.
Mas suas mãos ainda eram firmes.
Selis se aproximou com um pequeno cofre de obsidiana.
— O que vai acompanhá-la?
Calanthe retirou de sua cintura o colar.
O que Aric lhe dera no primeiro dia de companheirismo.
Colocou no cofre.
— Isso.
— Vai abrir mão dele?
— Ele já abriu mão de mim há muito tempo.
—
Horas depois, Aric retornaria para sua sala de comando, suando após um treino intenso com os generais do Oeste.
Encontraria sobre a mesa, envolto em cinzas…
O cofre.
E, dentro, a terceira carta.
O colar.
E o peso da única verdade que jamais admitiu:
Ele a amou.
E por orgulho, perdeu a única mulher por quem valia a pena morrer.
—
Na floresta próxima, enquanto o vento soprava como voz antiga, Calanthe desmaiava nos braços de Selis.
Mas um brilho sutil surgiu em seu peito.
A Deusa da Chama a estava observando.
E talvez…
ainda não fosse o fim.
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Atualizado até capítulo 31
Comments
Jane Silva
que renasça e seja feliz com um amor verdadeiro, e ele sofra pelo desprezo que deu a ela
2025-08-05
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