Capítulo 3

A Dor Também Se Alimenta

O fogo não fazia mais calor.

Mesmo envolta em mantas de linho vulcânico, Calanthe sentia os ossos tremerem.

Era estranho, ela pensava, como alguém que havia carregado o poder da chama viva podia agora ser consumida pela ausência dela.

— Não dormiu? — sussurrou sua guardiã, Selis, uma imortal das cinzas com olhos de vidro e voz de névoa.

Calanthe sorriu, fraca.

— Dormir é para quem quer esquecer.

— E você?

— Eu quero lembrar.

Naquela manhã, Calanthe desceu até o Santuário das Chamas Esquecidas — um espaço proibido para os vivos que nunca renasceram.

Ali, havia brasas que não queimavam mais.

Cinzas de rituais antigos.

Fragmentos de histórias malditas.

Ela se ajoelhou no centro do círculo.

Selis entregou a ela a faca de prata.

— Tem certeza?

Calanthe assentiu.

Cortou a palma da mão esquerda, deixando cair três gotas de sangue no recipiente de pedra.

As brasas adormecidas piscaram.

E uma fumaça vermelha começou a subir.

Ela cantou, com a voz embargada:

“Do meu sangue, faço tinta.

Da minha dor, a sentença.

Que esta carta chegue não como lembrança…

Mas como espelho.”

Mais tarde, em seu quarto, Calanthe abriu a gaveta de madeira escura.

Ali, guardava uma única pétala vermelha, seca, protegida por um véu de vidro encantado.

— Foi da nossa primeira oferenda juntos… — murmurou.

A pétala era de uma flor rara chamada Coral de Fogo, que só nascia uma vez por ciclo, nas margens do Lago Ígneo.

Naquele dia, Aric havia prometido amá-la por todas as suas vidas.

Ela segurou a pétala com delicadeza.

— Você prometeu.

E então escreveu.

Carta 2 — A Pétala Que Você Esqueceu

Eu me lembro do dia em que você colheu essa flor.

Você cortou o dedo no espinho e riu, dizendo que mesmo sangrando… valia a pena me ver sorrir.

Eu guardei essa pétala, Aric.

Não por romantismo.

Mas porque, no fundo, eu sabia que um dia teria que te lembrar quem você foi…

Antes de me matar aos poucos.

A morte que você me deu foi diferente.

Não foi rápida.

Foi silenciada.

Foi assistida.

E, pior… foi justificada.

Você dizia que me amava.

Mas amor não pede que se doe tudo e receba nada.

Amor não recusa o corpo cansado de quem te salvou… para buscar prazer em quem nunca te curou.

Eu estou morrendo, Aric.

E antes que o fogo me tome, quero que saiba:

Essa pétala ainda carrega seu toque.

Mas agora, ela carrega minha dor.

E cada vez que você tocá-la… sentirá a culpa queimando em seus ossos.

Queime com ela.

Calanthe soprou a tinta seca com um feitiço sussurrado.

A carta brilhou em tom rubro e a pétala pousou suavemente sobre o envelope.

Selis estava em silêncio.

— Leve para ele.

E deixe no local mais íntimo.

Onde ele menos espera… e onde mais se esconde dele mesmo.

— Onde?

Calanthe sorriu, com tristeza.

— Na biblioteca.

Ele só entra lá quando quer fingir que ainda é nobre.

Naquela noite, Selis entregou a carta às sombras.

Deixou-a entre dois livros que só Aric lia.

E quando ele a encontrasse, dias depois, não seria só a leitura que o queimaria…

Seria o cheiro da pétala, ainda viva.

O toque da memória.

O gosto da culpa.

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