Cordas invisíveis, laços improváveis

Capítulo 5 —

“Algumas alianças se fazem no silêncio. Outras, no perigo de serem descobertas.”

— Fragmento apócrifo da obra Tratados de Influência e Disfarce, autor desconhecido.

A tarde caía com uma luz âmbar sobre os jardins da Universidade Beaumont. O som da fonte central se misturava ao farfalhar das folhas douradas, como se a própria natureza conspirasse para manter a ordem simbólica daquele mundo. Mas por trás das fachadas imaculadas, cordas invisíveis começavam a se mover.

Na sala reservada do corpo docente, Tereza Fernandes esperava.

A reunião com Arthur Van Doren fora marcada com uma formalidade estranha, quase fora de hora. O professor de Direito Constitucional — impecável em sua gravata vinho e terno cinza-claro — entrou com passos calmos e um olhar que não disfarçava o interesse.

— Senhorita Fernandes, sente-se. — disse, indicando a poltrona de couro ao lado de sua mesa.

Ela já estava sentada.

— Quis lhe parabenizar pessoalmente pela análise sobre Hobbes. Sua leitura da soberania como ferramenta de controle social, e não apenas de estabilidade, foi… ousada. Poucos calouros ousam contrariar a tradição interpretativa.

Tereza sorriu com polidez.

— A tradição me interessa. Mas os vazios dela me interessam mais.

Arthur cruzou as mãos, apoiando os cotovelos sobre os papéis à sua frente.

— Você é ambiciosa. — disse, sem tom de crítica.

— E o senhor é observador.

O silêncio entre os dois durou o tempo exato para se tornar sugestivo — e então ele voltou ao profissionalismo.

— Estou organizando um grupo de estudos restrito. Círculo interno. Apenas quatro alunos. Você será convidada oficialmente amanhã. Mas quis avisar antes.

— Isso é um elogio ou uma convocação? — indagou ela, erguendo uma sobrancelha.

— Os dois. E talvez… um teste.

Ao sair da reunião, Tereza dirigiu-se diretamente à ala leste da biblioteca. Carregava consigo dois livros de Teoria do Estado e uma pasta com anotações impecáveis. Ela não se apressava. Sabia o valor de ocupar espaços com elegância medida.

Foi quando, ao cruzar o pátio de colunas, seus olhos encontraram os de Alexander.

Foi um segundo.

Um instante mínimo, entre o reflexo das folhas no chão e o som abafado de passos ao longe.

Mas foi suficiente.

Ele não disse nada. Nem ela. Só a observou. E ela sentiu.

Como se aquele breve momento fosse mais perigoso que qualquer discussão. Porque nenhum dos dois parecia disposto a fugir — mas tampouco a ceder.

Tereza passou sem desviar os olhos, sem acelerar o passo. Alexander manteve a postura, mas seus olhos a seguiram, ainda que apenas por um suspiro de tempo.

E então…

— Fernandez! — chamou uma voz vinda da lateral da biblioteca.

Nolan Hayes, sorridente, trajando um suéter bege sobre a camisa branca e carregando dois cafés. O contraste com Alexander era brutal: onde um era controle, o outro era caos encantador.

— Trouxe café. Prometi tentar te convencer a sair do mundo dos livros por pelo menos… 20 minutos.

Ela sorriu levemente.

— Não lembro de ter aceitado o convite.

— Justamente por isso estou insistindo. Não há desafio mais atraente que uma mulher imune ao próprio charme.

— E você acredita que possui esse charme? — disse ela, pegando o café da mão dele com a ponta dos dedos.

— Não. Eu sei que sim. Modéstia é para quem ainda está em dúvida.

Ela riu, discreta. Mas antes que pudessem se afastar, uma presença se fez sentir.

Celeste.

A loira aproximou-se como uma brisa fria. Usava um trench coat bege e óculos escuros que pareciam saídos de uma campanha da Dior.

— Nolan. Tereza. — cumprimentou, com um leve aceno de cabeça. — Que cena… doméstica. Imagino que estejam discutindo Kant ou apenas flertando entre parágrafos?

— Estamos explorando os limites do livre-arbítrio — respondeu Tereza, com voz calma. — Você acredita que ele realmente existe?

Celeste sorriu como quem saboreia um insulto disfarçado de erudição.

— Só quando a pessoa está acima das consequências. O que, convenhamos… é um privilégio de poucos.

Nolan pigarreou, desconfortável.

— Bom, eu só queria que ela saísse um pouco do bunker intelectual. Mas vejo que o campo de batalha já está armado.

Celeste deu um passo à frente, os olhos presos em Tereza.

— Aproveite enquanto pode. Em Beaumont, o palco muda depressa. E o que parece conquista pode ser apenas distração.

Tereza inclinou levemente a cabeça.

— Obrigada pela previsão, Davenport. Mas diferente de você… eu não tropeço em sapatos altos. Nem em vaidades.

Celeste respirou fundo, mas sorriu. E então se afastou como se nada tivesse acontecido.

Horas depois, no dormitório reservado da ala feminina, Tereza passava a limpo suas anotações. Mas seus pensamentos estavam longe dos livros.

Arthur.

Alexander.

Nolan.

Celeste.

Quatro peças distintas num tabuleiro que ela começava a dominar. Mas cada uma com suas armadilhas.

Ela fechou o caderno e encarou o reflexo no espelho. A luz do abajur criava sombras suaves em seu rosto, como se antecipassem algo.

E foi naquele instante que o celular vibrou.

Uma mensagem.

Número desconhecido: “Você mexeu com a rainha errada.”

Tereza sorriu com os olhos.

E é exatamente isso que me faz vencedora, pensou.

Porque agora, o jogo deixava de ser discreto.

E passava a ser pessoal.

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