Mansão Shadowthorn parte 2

Leonor, deitada no sofá antigo e empoeirado, um móvel de algum século que ela desconhecia, mirava o teto coberto de teias de aranha. O pior não era o desconforto, mas a lembrança de não ter mais um lar. Uma leve chuva começou, como era comum naquela área pantanosa, e ela acabou adormecendo com o som das gotas batendo no telhado.

Quando acordou, era alguma hora entre a manhã e o meio-dia. Não sentia fome. Não pegaria o dinheiro de outra pessoa como uma ladra. Preferia apenas permanecer quieta até que Caim surgisse, ou, ao menos, limpar um pouco daquela velha casa. Optou pela limpeza e começou a explorar os cômodos. Deparou-se com uma escadaria magnífica de mármore, com corrimão de ouro.

Havia doze quartos, conectados por um longo corredor com piso xadrez e paredes de pedra. Os corredores estavam cheios de retratos de um belo homem de pele negra, cabelo prateado e olhos verdes intensos. Um homem deslumbrante, mas que não era Caim. Seus olhos pareciam verde-neon.

Ela estudou o homem do retrato por um bom tempo. Era magnífico. Os olhos verdes continham saberes de eras, pareciam vitrais quando o sol batia neles. Algo sobrenatural. Namorado, pensou ela de imediato.

Ao fim da tarde, ela já havia pelo menos varrido parte da sala com uma vassoura de palha que encontrara enquanto zanzava conhecendo os cômodos. Desfez-se das teias de aranha da sala que dormia e limpou o pó dos móveis com um pano velho, utilizando a água da pia, que exigia bombear com força para sair.

Acendeu as velas com uma caixa de fósforos encontrada na cozinha, onde havia panelas de bronze antigas e um fogão a lenha que ela não sabia acender. Passara o dia inteiro sem comer, mas isso era comum. Seu estômago já se habituara à fome. Era mais encorpada por genética do que por comer em excesso.

Caim surgiu assim que o último raio de sol, num tom rubro, deixou o céu. No momento em que o sol se pôs, ele apareceu ao lado dela no jardim, onde Leonor tentava remover algumas ervas daninhas.

— Olá — cumprimentou ele, solene.

Ela levou um susto. Um minuto antes, estava sozinha no jardim limpando o cocô de pássaro de uma das estátuas; no seguinte, ele estava atrás dela. Era só sinistro para um humano.

— Oi — conseguiu dizer, largando o pano sujo de dejetos na grama. — Dormiu bem, meu senhor...?

— Você comeu alguma coisa? — perguntou Caim, a avaliando. Ele usava a mesma roupa da noite passada, mas não exalava nenhum odor desagradável. — Não quero que fique com fome.

Ele tinha o rosto jovem mais agia como um pai. Era tão estranho. Ele tinha o rosto de um dos alunos dela quase.

Quando ele agia como um jovem, ela se sentia culpada. Seu estômago embrulhava por uma estranha sensação de estar abusando de um menor. Tentou a dizer a si mesma que era um ser imortal, entretanto, a aparência adolescente lhe era muito incoveniente.

— Eu não comi — respondeu Leonor, tentando superar essa sensação estranha de se justificar a alguém que parecia mais novo.

— Quer ir até a cidade para comer alguma coisa? Eu tenho uma moto — sugeriu Caim.

Ela quis perguntar “E você tem idade para pilotar?”, mas foi interrompida por algo mais impressionante: um homem de terno branco surgiu, passando pelo portão de grades pretas.

O homem do quadro. O cabelo prateado, a pele escura e olhos verdes como neon. Ele era tão impactante quanto no quadro. Muito bonito e poderoso. Mas parecia flutuar e não andar, mesmo que só caminhasse, avaliando o jardim que antes era dele e que ela tentou dar um jeito.

— Eu mal saio de casa e você já arranja uma mulher... — constatou Judas, enojado e com um sorriso amargurado. Caminhava cuidadosamente sobre o capim para não pisar nos canteiros que viu Leonor organizando ou tentando. — Eu valho tão pouco assim para você, Caim...? E você traz essa mulher para nossa casa? Profana nosso lar com uma amante?

Caim respirou fundo, mirou a lua no céu, e depois o homem bonito à sua frente. Tinha um sorriso de orelha a orelha.

— Olá, querido — cumprimentou Caim. — Esta é Leonor, minha serva de sangue. Leonor... este é Judas…

— Seu marido? — disse Leonor calmamente, tentando evitar um conflito sanguinário.

A fúria nos olhos de Judas esmaeceu um pouco. O recém-chegado estudou Caim, surpreso.

— Você falou de mim a ela como seu marido... — o tom, antes acusatório e homicida de Judas, mudou para algo doce.

Caim deu de ombros. Caminhou um pouco ao redor do marido.

— Claro que falei. Acho que usei a palavra namorado, mas é... marido faz muito mais sentido — concordou Caim, olhando para Leonor com gratidão silenciosa. A mulher sorriu, gentil, como se dissesse “de nada”. — Só estávamos dando um tempo. Se duzentos anos é um bom tempo para você, querido. Vai voltar?

Judas apenas observou Leonor. Ainda sentia ciúmes. Sabia que, de alguma forma, ela havia despertado o interesse de Caim. Caso contrário, não estaria nem respirando.

— Não. Só escutei por aí que você se meteu com o enredo do Destino envolvendo uma mortal... Vim ver se estava bem, já que você gosta de se meter em problemas — comentou Judas, dando de ombros e suspirando fundo. — Mas, já que está bem e não está sozinho, vou embora agora. Faça o que quiser com a humana. Não é mais da minha conta.

Judas virou-se de costas para a mansão e para Caim, o rosto retorcido de rancor. Até que sentiu o braço forte de Caim envolver sua cintura e a respiração inumana tocar sua nuca. Feitos do mesmo material. Castigados pelo mesmo Deus impetuoso das escrituras. Judas arqueou uma sobrancelha, ainda mirando o portão de ferro. Caim o abraçava, mantendo-o firme em seus braços.

— Obrigado por vir me ver, meu amor — agradeceu Caim, solene, beijando a nuca de Judas  e então o soltou.

— Eu não sou mais o seu amor — revidou Judas, amargurado, e como um borrão aos olhos de Leonor, usando sua velocidade vampírica, desapareceu dali.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!