Não sei exatamente quando Clara começou a mudar. Talvez fosse aos poucos. Em silêncio. Como tudo o que ela fazia.
A verdade é que, por muito tempo, eu não reparei.
Ou, para ser honesto, não quis reparar.
Ela estava mais magra, sim. Mais pálida. Com olheiras que antes não tinha e um cansaço que se arrastava mesmo nas manhãs de sol. Às vezes, a voz dela falhava no meio de uma frase. Às vezes, ela parava no meio da escada e respirava fundo, como se o corpo já não a obedecesse.
Mas ela sorria.
E isso, para mim, era suficiente.
Ela sorria mesmo cansada. Me esperava acordada, mesmo que os olhos fechassem sem que ela quisesse. Colocava comida na mesa, mesmo sem ter apetite. Fingíamos que éramos felizes — e eu me apegava a essa mentira com todas as forças.
Talvez porque, se eu admitisse que algo estava errado com Clara, teria que encarar o que eu estava fazendo.
Teria que olhar para Sabrina e enxergar que o que tínhamos não era amor. Era fuga.
Naquela semana, Clara passou mais tempo no quarto. Dizia que estava apenas lendo, descansando, aproveitando os dias calmos.
Eu acreditava. Ou fingia acreditar.
Uma noite, cheguei mais cedo e a encontrei na varanda, enrolada num cobertor, encarando o céu. Ela parecia pequena, frágil, longe.
— Está frio aqui fora. — comentei, tentando parecer presente.
Ela virou o rosto devagar. Sorriu.
— Estou tentando memorizar o céu.
— Memorizar?
— Vai que um dia eu não consiga mais vê-lo. — respondeu, com simplicidade.
Aquilo me arrepiou por dentro. Mas, como sempre, engoli a sensação e ignorei.
Fui até ela, beijei sua testa. Estava gelada.
— Você está se cuidando, né?
— Estou. — mentiu.
E eu, covarde, deixei por isso mesmo.
Nos dias seguintes, reparei em algumas outras coisas. Pequenas, quase imperceptíveis.
Ela parava mais tempo no banheiro, às vezes segurava o ventre com as mãos como se algo latejasse por dentro. Dormia em horários estranhos. Trocava palavras. Esquecia frases.
Mas, quando eu perguntava, ela sempre dizia:
— Estou só cansada.
E eu aceitava.
Porque era mais fácil acreditar que Clara estava apenas cansada do que aceitar que eu estava perdendo a mulher que salvou minha vida… enquanto criava outra com outra.
Na sexta-feira, cheguei do trabalho e a encontrei sentada no chão do closet. A cabeça entre os joelhos. A respiração pesada. O frasco do remédio estava ao lado dela, caído, como se tivesse escapado das mãos. Me assustei.
— Clara?!
Corri até ela, ajoelhei-me e toquei seu rosto. Estava pálida demais.
— Você está bem?
Ela apenas assentiu, sem olhar para mim.
— Só um mal-estar. Já vai passar.
— Isso não é normal. Vamos ao hospital. Agora.
Ela segurou minha mão com força e sussurrou:
— Não precisa. Vai passar.
— Você tomou o remédio?
Silêncio.
— Clara…?
— Está acabando. Eu tomei a última dose ontem.
O pânico subiu pela minha espinha como um relâmpago. O remédio… o único que sustentava a saúde dela, que mantinha a doença sob controle.
— Por que não me avisou? Eu peço pra farmácia especial, eles entregam.
Ela desviou o olhar.
— Não precisa. Eu consigo.
Mas não conseguiu.
Naquela noite, ela dormiu mal. Suava, se revirava, tremia.
E eu fiquei parado, deitado ao lado dela, sentindo uma culpa que eu não sabia nomear — mas que queimava.
No fundo, eu sabia.
Clara estava piorando.
E eu não queria ver.
No domingo, Sabrina me ligou. Tinha tido um sangramento. Estava em pânico.
— Eu tô com medo, Enrico. Medo de perder nossos bebês.
Corri até o hospital. Fiquei ao lado dela, apertando sua mão, vendo os médicos correrem de um lado para o outro. No fim, não era nada grave. Um susto. Um alerta.
Mas os médicos disseram algo que ficou na minha cabeça:
— O organismo dela está frágil. Precisamos reforçar o suporte imunológico. Um determinado extrato fitoterápico ajudaria, mas é raro.
Quando ouvi o nome do composto… eu soube.
Era o mesmo presente no remédio de Clara.
O mesmo que ela tomava há anos.
O mesmo que só havia mais um frasco — e ela me dissera estar acabando.
E ali… eu fiz a escolha.
Naquela noite, cheguei em casa. Clara estava no quarto, escrevendo em seu caderno.
Estava pálida. Mais magra. Tinha os olhos fundos, mas ainda assim me olhou com aquele mesmo sorriso calmo.
— Preciso te pedir uma coisa. — comecei, me sentando na beira da cama.
Ela apenas me observou, sem pressa.
— Lembra do extrato que você toma? Aquele que você disse estar acabando… Eu sei que é raro. Eu queria pedir… se puder me dar. É por um motivo importante.
Ela me olhou por longos segundos. Não perguntou por quê. Não perguntou pra quem.
Apenas assentiu.
Levantou-se, foi até a penteadeira, abriu a gaveta e pegou o pequeno frasco âmbar.
Estendeu para mim.
E disse:
— Cuide bem. É valioso.
Peguei o frasco com as mãos geladas. Agradeci. Beijei sua testa.
Ela apenas voltou para a cama, pegou a caneta, e continuou escrevendo.
Como se estivesse terminando a última página de uma história que só ela sabia o final.
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Atualizado até capítulo 23
Comments
Tulipa 🌷
Maldito vagabundo, tu vai descobrir que a? piranha nunca. precisou e que os filhos nem são seus, ou nem esta grávida, e vai viver com remorso e se corroendo, por ter traído e matado a única mulher que te amou de verdade, vermeeee
2025-07-06
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Tulipa 🌷
Nossa sentiu tanta culpa que no outro dia vai correr pra outra, escroto
2025-07-06
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rafamendes
covarde,sssofrer é pouco para vc
2025-07-24
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