O apartamento onde eu estava cheirava a perfume adocicado demais e café requentado. A luz do sol da manhã atravessava as persianas meio fechadas, desenhando riscos dourados no chão de madeira. A camisola dela, curta demais, deixava os ombros à mostra. Sabrina andava de um lado para o outro, inquieta, como sempre fazia quando queria minha atenção.
Ela falava sobre o ultrassom, sobre a possibilidade de serem gêmeos, sobre o nome dos bebês.
E eu… mal conseguia respirar.
— Você está me ouvindo, amor? — ela perguntou, se encostando na bancada da cozinha com uma caneca nas mãos.
Desviei o olhar da janela e forcei um sorriso.
— Claro.
Mentira.
Eu não conseguia prestar atenção em nada. Desde que ela aparecera naquela festa da empresa, dizendo que ainda me amava, que nunca me esqueceu, minha vida virou um borrão. Uma sequência de encontros escondidos, desculpas para Clara, noites em quartos de hotel onde eu me convencia de que era só tesão. Só desejo antigo. Um impulso.
Mas Sabrina não queria ser apenas um deslize. Ela era insistente. Manipuladora. Sabia o que dizer, onde tocar, como me desarmar.
— Já marquei a próxima consulta. Você vai comigo, né? — ela insistiu, chegando perto, as mãos se enlaçando ao redor da minha cintura. — Promete?
— Prometo. — sussurrei, sentindo o peso da palavra cravar em mim como uma lâmina.
Quantas promessas eu já fiz nessa vida?
Prometi amor eterno à Clara no dia em que ela salvou minha vida. Quando os médicos disseram que eu não tinha saída, que era só uma questão de tempo, ela surgiu com aquela solução mística, quase absurda. Eu não queria aceitar. Mas ela… ela aceitou por mim. Tomou para si a doença. Me tirou da beira da morte. E eu chorei nos braços dela, jurando que nada, nunca, seria mais importante do que ela.
Eu acreditei nisso.
Mas agora… agora Sabrina estava grávida.
— Enrico — ela disse, firme, me puxando de volta para o presente —, eu preciso de você. Isso não é brincadeira. Estou carregando seus filhos.
Filhos.
A palavra me atravessou como uma rajada. Eu sempre quis ser pai. Clara não podia engravidar. A doença a tornara frágil demais para isso. E, mesmo assim, nunca a culpei. Nunca desejei outra mulher só por causa disso… até que Sabrina surgiu com esse desejo cru, instintivo, de me dar aquilo que eu não tinha.
Mas a verdade que eu me recusava a encarar era que, por mais que eu dissesse a mim mesmo que Clara entenderia, que ela era forte, compreensiva, que “ela sabia que eu a amava”...
Nada disso justificava o que eu estava fazendo.
Eu a traía todos os dias.
Com meu corpo.
Com minhas mentiras.
Com meu silêncio.
E pior ainda: estava começando a justificar tudo isso como se fosse “por um bem maior”.
— Preciso que você esteja comigo. De verdade. — Sabrina murmurou, encostando a cabeça em meu peito. — Eu não quero mais me esconder. Estou cansada disso.
Fechei os olhos. Imaginei Clara sozinha em casa. A imagem dela de robe branco, com aquele sorriso sereno mesmo quando estava fraca demais para subir as escadas. A maneira como ela me olhava como se eu fosse tudo pra ela.
E eu era.
Ou fui.
Ou talvez ainda seja, sem merecer.
— Eu vou resolver tudo — prometi outra vez, mais para mim do que para ela. — Só me dá um pouco mais de tempo.
Sabrina assentiu, satisfeita, mas os olhos dela brilhavam com uma espécie de vitória. Ela sabia que tinha me vencido. Sabia que, aos poucos, estava ocupando um espaço que antes era só de Clara.
Naquele mesmo dia, voltei para casa ao entardecer. Clara estava sentada na varanda, enrolada em uma manta. Ela lia um livro com a cabeça ligeiramente inclinada, como sempre fazia quando queria fingir que não me ouvira chegar.
Me aproximei devagar, sentindo um nó se formar na garganta.
— Oi, meu amor.
Ela levantou os olhos para mim e sorriu. Um sorriso gentil. Tranquilo. Seria mais fácil se ela gritasse, se me odiasse, se me confrontasse. Mas ela apenas sorria.
E era isso que me matava.
Sentei ao lado dela. O cheiro do chá de camomila pairava no ar. Ficamos em silêncio por longos minutos. Eu queria dizer algo. Qualquer coisa. Pedir desculpas. Dizer que estava confuso. Que precisava entender o que sentia.
Mas a verdade é que eu sabia exatamente o que estava fazendo. E era covarde demais para parar.
— Te amo. — sussurrei, sem encará-la.
— Eu sei. — ela respondeu baixinho, voltando os olhos para o livro.
Mas havia uma tristeza ali. Um entendimento. Como se ela soubesse. Como se já esperasse que eu fosse capaz de traí-la, mesmo depois de tudo.
Fiquei parado, encarando o horizonte. E pela primeira vez, uma voz dentro de mim sussurrou o que eu vinha evitando:
Você não merece o amor dela.
A noite caiu com um silêncio inquietante. Clara estava no quarto, deitada, os olhos presos no teto como se conversasse com ele. Eu disse que tinha uma reunião. Outra. Como se qualquer desculpa bastasse agora.
Ela apenas assentiu, como sempre fazia. Não cobrava. Não perguntava. Não chorava.
Era como se já soubesse.
Entrei no banheiro, me olhei no espelho e vi a mentira nos meus próprios olhos. Eu estava traindo a mulher que me salvou. Traindo minha promessa. Meu nome. Minha história. E ainda assim…
A mensagem no celular me fez ignorar tudo.
> 📸 Sabrina: “Te esperando. Coloquei sua cor favorita…”
A foto veio em seguida.
Ela estava deitada sobre lençóis vermelhos, com uma lingerie preta colada ao corpo e os cabelos espalhados pelo travesseiro. O olhar dela não pedia. Ordenava. Conhecia todos os meus pontos fracos — especialmente os que eu escondia até de mim mesmo.
Me vesti às pressas. Peguei as chaves, o celular e respirei fundo.
— Amor — disse, voltando ao quarto onde Clara me esperava em silêncio —, fui chamado para uma reunião de última hora. O cliente é dos grandes… pode demorar.
Ela virou o rosto devagar, os olhos cansados me encarando com calma.
— Você vai voltar?
— Claro que vou — menti.
Ela sorriu com os lábios, mas não com os olhos.
— Cuidado com o trânsito, então.
Eu saí sentindo o peso daquela despedida nas costas, mas não me permiti parar. Não naquela noite.
Dirigi como quem foge. Cada farol fechado era um lembrete de que eu ainda podia voltar. Cada curva, um sussurro da consciência tentando me deter. Mas eu ignorei tudo. Estacionei diante do prédio de Sabrina e subi com o coração acelerado.
Ela me recebeu na porta, com um sorriso vitorioso nos lábios e as mãos já puxando minha gravata.
— Você demorou — disse, a voz rouca, os olhos incendiando os meus.
— Clara estava acordada. — confessei, mesmo sem intenção.
— Ela ainda acredita em você? — Sabrina perguntou com escárnio, levando as mãos ao botão da minha camisa.
— Acredita. — murmurei. — E é isso que me mata.
— Então deixa que eu te trago de volta à vida.
Beijei-a com raiva. Com culpa. Com desejo. Um desejo que não era puro, não era bonito — era sujo, egoísta, animalesco. Era como se cada toque dela servisse para apagar, nem que fosse por instantes, a lembrança do que eu estava destruindo.
Caímos no sofá, entre beijos e roupas arrancadas. O corpo dela se moldava ao meu como um vício antigo. Eu conhecia cada curva. Ela sabia exatamente onde me tocar, onde morder, o que dizer. E eu cedia. Cedia porque era mais fácil me perder ali do que encarar a mulher que me esperava em casa com o mesmo amor de sempre.
— Ela vai descobrir um dia — Sabrina disse, ofegante, com os cabelos grudados ao rosto.
— Eu sei.
— E quando descobrir?
Eu fiquei em silêncio.
Porque, no fundo, eu também me perguntava isso. O que aconteceria quando Clara descobrisse? Quando ela soubesse que o homem que ela amou até o fim estava sendo devorado pela própria fraqueza? O que restaria de mim depois disso?
Talvez nada.
Ou talvez o suficiente para me afundar no inferno que eu mesmo criei.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 23
Comments
Tulipa 🌷
Cretino, que sofra muito e principalmente que esses filhos não sejam seus
2025-07-06
1
rafamendes
aí gente te minha vontade viar na cara desse nojento.sinceramente
2025-07-24
0
Vanilda Costa
Começando a ler Tá muito bom.
2025-07-01
0