O céu da madrugada ainda era um manto escuro quando Helena desceu do ônibus em uma cidade desconhecida. O rosto, marcado pelo cansaço, mal escondia o que restava de sua alma: um amontoado de cacos.
Ela não tinha destino.
Apenas o instinto de fugir.
Fugir de Caio. Fugir do hospital. Fugir da mulher que um dia foi.
Sem celular, sem documentos verdadeiros, sem o dinheiro que havia deixado cair no corredor do hospital… Helena simplesmente sumiu. Escolheu a primeira cidade que apareceu na placa rodoviária e começou do zero. Assumiu o nome da avó falecida: Estela. Não por coragem, mas por necessidade.
Conseguiu um quarto minúsculo no fundo de uma pensão, passou dias procurando trabalho, até conseguir uma vaga simples numa floricultura de bairro. A vida era dura, simples, mas silenciosa. Pela primeira vez em meses, ninguém olhava para ela com pena. Ninguém esperava nada. E isso era libertador.
Mas a dor ainda latejava. À noite, sozinha no colchão fino, ela revivia aquela tarde no hospital como se fosse um pesadelo que não largava sua pele. As vozes de Caio e dos amigos dele ecoavam em sua mente como ecos perversos. “Pobrezinha”, diziam. “Brincadeira”. “Uma aposta.”
Ela havia dado tudo. Literalmente.
E agora… era ninguém.
Ou pelo menos, era o que pensava — até a manhã em que foi chamada para fazer uma entrega fora da rotina.
O pedido havia sido feito com urgência: uma caixa de rosas brancas, frescas, envolvidas em papel de seda. O cliente? Um nome grande. Importante. Um homem misterioso, reservado e… extremamente rico.
O motoboy da floricultura não apareceu. A dona, aflita, insistiu para que Helena entregasse o arranjo.
— É um cliente novo. Exigente. Por favor, Estela, é só deixar na recepção.
Helena hesitou. Não gostava de sair do anonimato. Mas algo dentro dela — talvez o sussurro de uma mulher que começava a querer se levantar — a empurrou a dizer "sim".
Vestiu o uniforme, pegou a caixa de flores e seguiu as instruções até um dos edifícios mais luxuosos do centro financeiro. O saguão era tão brilhante que ela se via refletida no chão. O contraste entre ela e aquele mundo era gritante, e por isso mesmo ela manteve o olhar baixo.
Ao dizer o nome do destinatário — Enzo Vasconcellos — os olhos da recepcionista se arregalaram. Um segurança surgiu em segundos. Mas, ao invés de barrá-la, a escoltou até um elevador exclusivo.
— O senhor Vasconcellos deseja recebê-la pessoalmente — disse o segurança, sem dar margem a perguntas.
Helena engoliu em seco.
O sobrenome. Vasconcellos.
Seria… da família de Caio?
O coração bateu errado, mas ela não recuou. Quando as portas do elevador se abriram, foi como atravessar um limiar. O escritório era silencioso, decorado com madeira escura, mármore e obras de arte de valor inestimável. Havia uma aura de poder ali. Não de ostentação… mas de domínio.
— Pode entrar — disse uma assistente, abrindo uma porta dupla à sua frente.
Helena entrou.
Ele estava de costas, observando a cidade através da imensa janela panorâmica. Alto, ombros largos, postura imperturbável. Os cabelos escuros mesclavam-se com fios prateados nas têmporas. Mesmo imóvel, era impossível não sentir a presença dele ocupar todo o ambiente.
— Pode deixar as flores sobre a mesa — disse ele, sem virar-se.
Helena obedeceu em silêncio, mas antes que pudesse se afastar, a voz dele soou novamente.
— Eu preferia que tivesse usado o seu verdadeiro nome.
Ela congelou.
Virou-se devagar. E então o viu.
Enzo Vasconcellos.
Ela o reconheceu de fotos, das poucas vezes que Caio o mencionou — sempre com medo, reverência. O homem era o patriarca da família. O verdadeiro dono do império. Respeitado por muitos, temido por todos.
— Helena Andrade — disse ele, com firmeza. — Sumiu por bastante tempo.
Ela sentiu a raiva pulsar.
— Está me seguindo?
— Acompanhando — corrigiu ele. — Desde o momento em que saiu daquele hospital.
Helena franziu a testa, o corpo em alerta.
— Por quê?
Ele deu dois passos à frente. Seus olhos, escuros e precisos, estavam cheios de algo que ela não esperava: admiração.
— Porque você sobreviveu à pior versão do meu sobrinho. E porque fez algo que nenhuma mulher que conheço faria: deu tudo de si, inclusive um órgão, por amor. Por alguém que não merecia. Isso me diz que você é muito mais forte do que parece. E mais leal do que qualquer um da minha família.
Helena tentou manter a postura, mas sentia a raiva subir.
— Vai me oferecer um emprego? Quer me dar uma esmola? Me transformar em mais uma peça no tabuleiro de vocês?
— Não — ele respondeu, firme. — Quero que se case comigo.
O silêncio explodiu como uma bomba no ar.
Helena piscou, como se não tivesse ouvido corretamente.
— O quê?
— Casamento. Comigo. Formal, legal, real. Você será a nova Sra. Vasconcellos.
Ela riu. Um riso seco, incrédulo.
— Isso é uma piada?
— Não costumo brincar com nada, Helena — disse Enzo. — Muito menos com casamento.
Ela recuou um passo, atônita.
— Por quê?
Ele caminhou até a mesa, pegou um copo d’água, bebeu lentamente antes de responder.
— Porque estou em guerra. E preciso de uma aliada. — Ele a encarou. — Minha família está podre. Meus irmãos querem meu cargo. Caio, agora que descobriu que você sumiu, quer limpar a imagem e posar de arrependido para subir nas graças do patriarca. E eu? Eu preciso de alguém ao meu lado que não tenha medo deles. Que tenha queimado todas as pontes e, portanto, não tenha mais nada a perder.
Helena apertou os dedos. Seu peito doía.
— E você acha que eu aceitaria por quê? Dinheiro?
— Não — ele disse, direto. — Pelo poder de não ser mais jogada. E, talvez, para ter a chance de olhar no rosto do homem que te destruiu e fazê-lo se ajoelhar.
Helena sentiu um tremor passar pelo corpo.
— E o que você ganha com isso?
— Uma esposa leal. E um nome limpo. — Ele parou diante dela. — Além disso, quero alguém ao meu lado que não se curva. E você… não se curva mais, não é?
Helena o encarou.
Era loucura. Tudo. Mas também… era a chance de virar a mesa.
Não era sobre amor. Não ainda.
Era sobre liberdade. Sobre poder. Sobre escolher.
Ela estendeu a mão, devagar.
— Então me diga, Enzo… quando é o casamento?
O sorriso que ele lhe deu foi quase imperceptível. Mas real.
— Em breve, Sra. Vasconcellos.
E foi naquele instante que Helena percebeu: ela não era mais a garota traída.
Agora, era a mulher que ia reescrever sua história.
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Atualizado até capítulo 56
Comments
Zilma sena Santos
que reviravolta na vida da Helena, gostei parabéns autora
2025-06-30
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Dulce Gama
Que isso Autora linda sua história está ótima estou adorando muito parabéns estou lendo algumas histórias suas tem uma que já está concluída vi agora quando chegou a notificação pra mim no meu celular vou terminar esses capítulos e vou terminar de ler parabéns autora suas histórias são lindas 👍👍👍👍👍🌹🌹🌹🌹🌹🎁🎁🎁🎁🎁♥️♥️♥️♥️♥️🌟🌟🌟🌟🌟
2025-06-29
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