Capítulo 5:
A névoa noturna engolia Névoa Salgada, transformando as ruas em túneis úmidos e sonâmbulos. Cada passo de Elara em direção à pensão era uma agonia. Os músculos, brutalizados pelo treino de Ravena, protestavam com dores lancinantes. As marcas dos dedos de ferro da mestra ainda ardiam em seus braços e quadris, lembretes físicos da posse disfarçada de instrução. O encontro rápido e invasivo com Viola na rua, seu toque gelado reivindicando o corpo exausto de Elara como um território médico, acrescentara outra camada de opressão. Elara ansiada apenas pela solidão relativa do seu quarto minúsculo, pelo silêncio abafado que, apesar dos pesadelos, era preferível ao assédio constante.
"O Abrigo do Mar" surgiu como uma sombra mais densa na névoa. A luz fraca da recepção mal vencia a escuridão. Elara empurrou a porta, fazendo a sineta tilintar com um som que lhe pareceu estridente demais na quietude. Dona Marta não estava no balcão. O silêncio dentro era espesso, pesado.
Ela subiu as escadas rangentes, apoiando-se no corrimão envernizado e pegajoso. Cada degrau era uma conquista. O corredor do andar superior estava mergulhado em penumbra, apenas uma lâmpada fraca no final iluminando a porta do seu quarto. E foi ali, naquele limiar de sombras, que Elara sentiu. Antes de ver, antes de ouvir. Uma presença. Quente, densa, carregada de uma energia impaciente e ciumenta que cortou através da névoa úmida que a envolvia. O cheiro distintivo de couro envelhecido, suor masculino e pólvora não lavada impregnava o ar.
Toni estava encostada na parede, ao lado da porta do quarto de Elara. Não à toa. *Bloqueando* a porta. Seu uniforme azul-marinho parecia ainda mais escuro na penumbra, fundindo-se com as sombras. Os braços estavam cruzados sobre o peito amplo, os ombros ocupando deliberadamente o espaço. O rosto, parcialmente iluminado pela luz fraca, estava uma máscara de impaciência e possessividade contida. Seus olhos castanho-escuros, como brasas sob as cinzas, fixaram-se em Elara assim que ela apareceu no topo das escadas. Era o olhar de um predador que esperou demasiado por sua presa.
"Demorou, florzinha," a voz de Toni veio baixa, rouca, carregada de uma intimidade forçada que fez a pele de Elara arrepiar. "Onde você se meteu? Depois da nossa conversinha com a rainha do gelo?"
Elara parou no corredor, a poucos metros de distância. A exaustão lutava contra um surto renovado de adrenalina. "Treino," ela respondeu, tentando manter a voz neutra. "Defesa pessoal."
Toni empurrou-se da parede com um movimento fluido que falava de poder contido. Dois passos largos a trouxeram diretamente para o espaço pessoal de Elara, reduzindo a distância a nada. O cheiro dela, intenso e masculino, envolveu Elara como um cobertor sufocante. Os olhos negros escaneavam-na, detendo-se nas marcas vermelhas nos braços, na sujeira do tatame nas roupas, na palidez extrema do seu rosto.
"Defesa pessoal?" Toni repetiu, um riso curto e sem humor escapando-lhe. "Parece mais que se meteu numa rinha de galos." Um dedo grosso, coberto pela luva de couro descascada, levantou-se. Elara recuou instintivamente, mas não havia para onde ir. A parede fria e úmida estava às suas costas. O dedo de Toni tocou, com uma pressão deliberada e dominadora, uma das marcas vermelhas deixada pela mão de Ravena no seu antebraço. Elara estremeceu. "Quem fez isso? Aquele trator de mulher da academia? A mestra?”O título foi dito com escárnio.
"É normal... em treinos intensos," Elara tentou, desviando o olhar.
"Normal?" Toni sibilou. A palavra saiu como um chicote. O dedo que tocava a marca deslizou, agarrando o antebraço de Elara com força repentina. Não foi um aperto de controle como antes; foi uma demonstração de força, uma reafirmação de quem realmente tinha o poder de marcar sua carne. "Nada nisso é normal, garota. Você é minha para proteger, lembra? Isso inclui proteger você de si mesma. E de outras pessoas que pensam que podem te tocar." Seu rosto aproximou-se perigosamente. Elara podia ver os poros dilatados na pele de Toni, a linha de tensão na sua mandíbula, a fúria ciumenta queimando no fundo daqueles olhos negros. O hálito quente, com resquícios de café barato e algo mais ácido, atingiu o rosto de Elara. "Cheiro dela em você. Suor. Esforço. Acha que isso é aceitável? Eu te deixar cheirar a outra? Depois de tudo que eu ofereci?"
"Eu não te devo explicações," Elara forçou as palavras, uma centelha de raiva alimentada pela exaustão e pelo treino de Ravena surgindo dentro dela. "Deixe-me entrar."
Toni riu, um som curto e amargo. "Não deve? Ah, deve sim, florzinha." O aperto no braço apertou, doloroso. "Porque você está sob minha proteção. Minha vigilância. E quando algo cheira mal, eu investigo. Até o fim." Com a mão livre, ela tirou algo do bolso do casaco. Era o desenho de Kira, o papel amassado com a palavra "MINHA" rabiscada em vermelho agressivo. Toni sacudiu-o diante do rosto de Elara. "E isso? Mais um candidato à sua... atenção? Já perdi a conta de quantos olhos sujos estão cobiçando o que é meu.”
"Eu não sou sua!" A explosão saiu de Elara antes que pudesse pensar. A raiva, a humilhação, o medo acumulado transbordaram. Ela tentou se soltar do aperto de Toni, mas era como tentar se libertar de uma amarra de aço.
O rosto de Toni endureceu. A fúria ciumenta que fervilhara em seus olhos transformou-se em algo perigoso, glacial. "Não?" Ela sibilou, a voz baixando para um tom perigosamente suave. "Então vamos esclarecer essa confusão. Agora." Sem aviso, ela empurrou Elara contra a parede com força. O impacto tirou o fôlego de Elara. Antes que pudesse recuperá-lo, a mão livre de Toni agarrou seu outro braço, prendendo-a completamente contra a parede úmida. O corpo forte e quente da policial colou-se ao dela, esmagador, dominador. O aperto era brutal, inescapável.
"Você acha que pode vir pra minha cidade," Toni sibilou, seu rosto a centímetros do de Elara, "com essa carinha de anjo perdido, esse corpo que grita por proteção, e não pertencer a ninguém? Errou feio, garota." Seu quadril pressionou-se contra o de Elara, intencionalmente, reivindicando espaço, dominando. "A Doutora Gelo te vê como um bicho de laboratório. A Colecionadora como um troféu. A artista maluca como uma tela. A lutadora como um projeto. E aquela sombra que anda por aí?" Toni encostou a testa na de Elara, um gesto de intimidade violenta. "Essa te quer por algum motivo doido que nem eu entendo. Mas eu?” A voz de Toni tornou-se um rosnado áspero, possessivo, cheio de uma necessidade obscura. "Eu te quero inteira. Quero saber cada pensamento, cada medo, cada suspiro. Quero que você sinta quem realmente te protege. Quem realmente te possui.”
E então, antes que Elara pudesse reagir, protestar ou gritar, Toni agiu. Não com um beijo, mas com uma afirmação brutal de domínio. Ela enterrou o rosto no pescoço de Elara, num movimento que não era de carícia, mas de marcação. Seus lábios ásperos, os dentes, pressionaram-se contra a pele macia e vulnerável logo abaixo da orelha. Foi uma mordida, forte o suficiente para deixar uma marca, mas não para rasgar. Foi uma violação. Um ato primitivo de posse. Elara soltou um gemido sufocado, uma mistura de dor, choque e uma involuntária onda de calor perverso que a percorreu, alimentada pela intensidade animal daquela mulher, pela força esmagadora, pela absoluta falta de escrúpulos.
Toni não parou por aí. Enquanto mantinha Elara imóvel contra a parede com seu corpo e a força dos braços, uma das suas mãos grandes soltou o braço de Elara e desceu. Não com suavidade, mas com determinação feroz. Através da blusa, os dedos fortes e experientes de Toni encontraram a curva do seu seio, apertando com uma posse que não admitia recusa. Não foi um toque erótico; foi uma declaração. Meu.
"Você é minha, Elara," Toni rosnou contra sua pele, a voz abafada, rouca de desejo e controle. A mão no seio apertou com mais força, uma dor aguda misturando-se à sensação avassaladora de invasão. "Cada pedaço. Cada medo. Cada suspiro. E vou deixar isso claro, todas as noites se for preciso. Até que esse corpo, essa mente, saiba instintivamente a quem pertence." Seu quadril pressionou-se novamente contra o de Elara, um movimento deliberado e lascivo, deixando claro a extensão do seu desejo e do seu domínio. "A névoa esconde muitas coisas, florzinha. Mas não esconde você de mim. Nunca mais."
Elara estava imóvel, presa não apenas pela força física esmagadora, mas pela tempestade de emoções: o terror, a humilhação, a raiva impotente, e aquela centelha traiçoeira de excitação perigosa que Ravena despertara e que Toni explorava com crueldade. As lágrimas queimavam seus olhos, mas não caíam. O cheiro de Toni, o peso do seu corpo, a dor da mordida no pescoço, a pressão possessiva no seu seio – era um cerco total. O primeiro cerco físico, brutal, inescapável. Toni não estava apenas reivindicando; estava tomando.
De repente, um som. Não das escadas, não de uma porta. Um som suave, quase imperceptível, como um arranhão de gato na madeira. Veio da base da porta do quarto de Elara. Algo foi enfiado por baixo dela. Um pequeno objeto escuro que rolou alguns centímetros no chão do corredor.
Toni sentiu a leve distração de Elara. Afastou-se apenas o suficiente para olhar para baixo, seus olhos ardentes ainda cheios de posse. Elara seguiu seu olhar.
No chão, iluminado pela luz fraca, estava um carvão. Não um pedaço qualquer. Um carvão esculpido grosseiramente na forma de um olho. Um olho estilizado, cheio de fúria e obsessão. O olho de Kira. E ao lado dele, um pequeno pedaço de papel rasgado, com uma única palavra rabiscada em vermelho, ainda mais frenética que a anterior:
CUIDADO.
Mesmo naquele momento de violação, a mensagem era clara. A vigilância era constante. A posse, disputada. E o aviso, vindo da mais imprevisível das sombras, era um eco sinistro no cerco sufocante que Toni impunha. Elara fechou os olhos, a marca no pescoço latejando, o seio dolorido sob o tecido, o carvão olhando para ela do chão. A caçada não tinha trégua. E ela estava no centro, esmagada, mas ainda respirando. Ainda sentindo. E, no fundo daquele abismo, uma fúria fria começava a cristalizar, tão afiada quanto os espinhos da Rosa de Obsidiana.
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Atualizado até capítulo 31
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