"Ser quem se é, às vezes, dói. Mas fingir que não se é dói muito mais."
Casa de Clara | Cozinha
Marta segurava a xícara entre as mãos, como se o calor do chá pudesse responder a tudo o que ela não sabia como sentir. Clara, do outro lado da mesa, mordia a lateral do lábio, os olhos perdidos em uma rachadura na parede.
— Está tudo bem, filha. Não fique assim. — disse Marta, por fim, com a voz baixa, quase ensaiada.
Clara levantou o olhar, surpresa.
— Você não tá com raiva?
— Não. Mas... estou surpresa.— Marta suspirou. — Eu sempre imaginei um caminho diferente pra você. Não sei se era o certo, só... era o que eu conhecia.
Clara assentiu, sem muita emoção.
— Mas e ela? — perguntou Marta, com cuidado. — Essa... Luna.
Clara demorou pra responder.
— Ela? Eu não sei bem.— deu um meio sorriso. — Ela é música sem partitura, mãe. É bagunça e beleza. Me deixa com medo. Mas também me deixa viva.
Marta assentiu, olhando para o fundo da xícara como se lá houvesse alguma resposta.
— Talvez eu precise de tempo. Mas... você ainda é minha filha. E sempre vai ser.
Foi a primeira vez que Clara se permitiu respirar fundo naquele dia
Sala de estar | Casa do Davi
— Você vai perder! Eu vou ganhar esse jogo! — gritou Rafael, com os dedos apertando freneticamente os botões do controle.
— O jogo é meu, eu vou ganhar!— retrucou Davi, pulando no sofá com os olhos grudados na TV.
— Ah, para de ficar se achando, tá?— Rafael zombou, rindo.
— Para você!
Eles estavam jogando um jogo de luta no videogame antigo de Rafael, a sala cheia de almofadas espalhadas. No canto da estante, o troféu da feira de ciências piscava na luz do entardecer.
— A sua irmã é meio estranha, né? Vive ouvindo música que ninguém conhece.— comentou Davi, do nada.
Rafael pausou o jogo.
— Minha irmã é incrível. Ela só é diferente.
Davi deu de ombros.
— Diferente às vezes é meio solitário.
— Não quando tem gente que entende.— respondeu Rafael, voltando ao jogo.
E naquele momento, Clara passou pelo corredor, ouvindo sem querer. Sorriu por dentro.
Conservatório | Pátio
Cecília e André observavam de longe enquanto Clara passava apressada, violino nas costas e olhos baixos. Algumas pessoas a olhavam com curiosidade — outros, com julgamento. O vídeo com Luna ainda circulava em grupos privados. As fofocas corriam mais rápido que qualquer sinfonia.
— Coitada da Clara, né?— disse André.
— Coitada nada. Olha essa gente olhando pra ela...
— É inveja. Isso sim.— completou Cecília. — Eles queriam estar no lugar dela, mas não têm nem metade da coragem.
André assentiu, pensativo.
— A gente devia compor algo com ela. Mostrar que ela não tá sozinha.
— Já sei até o nome: ‘Sem pedir licença’.— Cecília piscou. — Igual ela.
Quarto de Luna | Início da noite
O abajur amarelado lançava sombras suaves nas paredes do quarto. O violão estava encostado no canto, quieto pela primeira vez em dias. Luna estava sentada na cama, com o celular na mão e a playlist delas pausada.
Os dedos dela deslizavam para cima e para baixo pela conversa com Clara.
Última mensagem:
Luna: “Chegou bem em casa?”
Visualizado. Nenhuma resposta.
— Que estranho... — murmurou. — Ela nunca mais me mandou mensagem.
A voz de Luna era pequena, quase um pensamento alto.
Do corredor, Nina apareceu na porta, segurando um pincel sujo de tinta.
— Quem?
Luna suspirou.
— A Clara.
Nina encostou no batente, preocupada.
— Vocês brigaram?
— Não... só... ela sumiu.— Luna encarava o celular, como se ele fosse dar alguma resposta que não veio.
— Às vezes, quem sente demais precisa de um tempo pra respirar.
— Mas e se ela estiver se afastando? E se eu tiver sido demais?
Nina sorriu com empatia.
— Você é intensa, Luna. Mas você também é amor. E quem percebe isso... não vai embora fácil.
Luna deitou devagar, o celular ainda na mão.
— Eu só queria que ela dissesse alguma coisa. Nem que fosse um silêncio explicado.
A luz do abajur tremulou um pouco. Lá fora, a cidade seguia seu ritmo barulhento. Mas, no quarto, tudo era silêncio — o tipo que machuca
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Atualizado até capítulo 41
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