Com o passar das semanas, Kim e Abel se tornaram praticamente inseparáveis.
Eles andavam juntos pelos corredores da escola, almoçavam lado a lado, dividiam fones de ouvido nas aulas mais entediantes e riam de coisas que só eles pareciam entender. Era como se o mundo ficasse mais leve quando estavam juntos menos pesado, menos perigoso.
Kim começou a reparar em pequenos detalhes em Abel. No jeito como ele passava a mão nos cachos bagunçados quando estava nervoso. Como seus olhos se apertavam quando sorria de verdade. E na forma como ele sempre parecia notar quando ela precisava de silêncio, ou de um abraço sem perguntas.
- Por que você sempre sabe quando eu tô mal? - perguntou ela, certa tarde, enquanto caminhavam até uma sorveteria depois da aula.
- Porque eu também sei o que é esconder coisa por trás do sorriso - respondeu ele.
Kim sorriu. Aquelas palavras batiam fundo.
Mesmo com toda a proximidade com Abel, Kim aos poucos permitiu que Noah também se aproximasse. Havia algo nele que ainda soava... estranho. Mas ele estava sendo gentil. Prestativo até demais.
Na terceira semana, Noah apareceu com uma pulseira de couro com um pingente de estrela.
- Vi isso numa feirinha e lembrei de você - disse ele, entregando-a à Kim com um sorriso encantador.
- Obrigada... é bonita.
- Achei que combinava com você. Discreta, mas especial.
Noah também passou a trazer balas diferentes todos os dias. Umas vezes de morango, outras de menta. Sempre deixava uma sobre a carteira dela na sala.
- Eu sou tipo o fornecedor oficial de açúcar da Kim - dizia ele, rindo.
Kim começou a aceitar sua presença. Aos poucos, achava que talvez Noah não fosse tão ruim assim. Talvez fosse apenas carente. Assim como ela.
Abel, por outro lado, observava tudo calado.
Sempre que via Kim sorrindo para Noah, ele fingia não ligar. Mas o incômodo era visível nos olhos, mesmo que ele nunca dissesse uma palavra.
Luana, que não perdia nada, chegou a comentar:
- Esse Noah tá se achegando rápido demais. E Abel tá começando a chiar por dentro.
- Que nada - respondeu Kim, tentando disfarçar o friozinho no estômago. - A gente é só amigo.
Luana arqueou as sobrancelhas.
- Sei...
Numa noite fria, com o céu limpo e salpicado de estrelas, Kim e Abel subiram até o telhado da casa dela. Levaram um cobertor e algumas latinhas de refrigerante.
Ficaram deitados lado a lado, olhando o céu.
- Tem dias que eu olho pra isso tudo e me sinto... minúscula - disse Kim.
- Eu também. Mas de um jeito bom. Tipo... tudo é tão grande que talvez meus problemas não sejam tão gigantes assim.
Houve um silêncio confortável.
Kim se virou de lado, apoiando a cabeça na mão.
- Você já pensou em ser algo? Tipo... um sonho, sabe?
Abel hesitou, depois assentiu.
- Eu quero ser cantor.
Kim piscou, surpresa.
- Cantor? Sério?
- Sério. Desde pequeno. Música sempre foi minha fuga. Eu escrevo umas coisas às vezes, mas quase ninguém sabe.
- Isso é incrível, Abel! Por que nunca me disse?
- Não sei... medo de parecer bobo, talvez.
- Canta pra mim?
Ele olhou pra ela, um pouco sem jeito.
- Aqui? Agora?
- Por favor... - pediu Kim, com um sorriso que Abel não conseguia dizer não.
Ele pigarreou, ajeitou-se e começou a cantar baixinho, uma das músicas que ele mesmo havia escrito. Sua voz era suave no começo, mas foi ganhando força à medida que as palavras fluíam.
"Eu vi no teu olhar um céu inteiro que ninguém mais viu
Entre os teus silêncios, meu mundo se abriu
E mesmo com teus medos, você brilhou pra mim
Como se meu caos tivesse fim..."
Kim ficou paralisada. A voz de Abel era quente, cheia de alma. Não era só bonita. Era verdadeira. Sentida. Como se cada palavra tivesse sido tirada de dentro dele com cuidado.
Quando ele terminou, o silêncio foi ainda mais profundo.
- Abel... você canta como se tivesse vivido mil vidas.
- Eu só canto o que dói... - ele disse, sorrindo tímido.
Kim deitou-se de novo ao lado dele, o coração batendo rápido.
- Você vai longe, Abel. De verdade.
- E você? Qual é o seu sonho?
Kim respirou fundo.
- Eu quero ser modelo.
- Modelo?
- Uhum. Não por vaidade. É que... toda minha vida eu me senti invisível. Escondida. Eu queria ocupar espaço. Queria que, por uma vez, as pessoas olhassem pra mim e enxergassem mais do que dor.
Abel ficou em silêncio por alguns segundos.
- Eu já te vejo assim.
- Assim como?
- Forte. Linda. Inteira.
Kim não soube o que dizer. Só o olhou.
Ali, sob as estrelas, os dois se viam de um jeito que ningue nunca viu. aquele momento ficou gravado neles como o mais íntimo de todos.
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Atualizado até capítulo 42
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