O som do despertador ecoou pelo quarto, mas Kim já estava acordada.
Sentada na cama com uma caneta na mão, ela escrevia em seu diário, como fazia quase todos os dias. Era o único lugar onde suas palavras não eram interrompidas, onde seus sentimentos podiam existir sem julgamentos.
"Querido diário, ontem foi estranho... estranho de um jeito bom. Abel me defendeu. Ele me viu. Não só a dor ou a vergonha, mas eu... inteira. Não lembro da última vez que alguém fez isso. Será que posso confiar nele?"
Fechou o diário com cuidado e o escondeu debaixo do travesseiro. Bocejou, levantou-se e foi até o banheiro. Ao descer para a cozinha, encontrou a mãe colocando café na mesa sem cigarro, sem cara fechada, e com uma expressão quase... leve.
- Bom dia - disse Kim, desconfiada.
- Bom dia, filha. Dormiu bem?
Kim arqueou as sobrancelhas.
- Sim... e você?
- Uhum. Tomei um banho gelado hoje cedo. Tô tentando... ser uma mãe um pouco melhor, talvez.
Kim apenas assentiu, surpresa. Sentou-se e pegou uma fatia de pão.
Minutos depois, ouviu batidas leves na porta. Ela correu até a entrada e, ao abrir, deu de cara com Abel, de moletom cinza e mochila nas costas.
- Bom dia - disse ele, sorrindo de leve. - Queria saber se quer ir pra escola comigo hoje. A gente pode ir andando ou...
- Que nada, querido! - interrompeu a mãe de Kim da cozinha, surgindo de repente com as chaves na mão. - Eu levo vocês. Entra aí, Abel.
Kim ficou com os olhos arregalados.
- Tá tudo bem com você mesmo, mãe?
- Tô tentando, ué. Vai se arrumar.
Meia hora depois, os três estavam no carro. Abel e Kim conversavam baixinho no banco de trás, trocando sorrisos e piadinhas discretas. O clima era leve, diferente.
O dia na escola passou tranquilo. Kim começava a se sentir mais à vontade com Luana, Gustav e até Noah apesar de um certo incômodo que ela não sabia explicar. Abel ficou por perto o tempo todo, e aos poucos, os olhares entre ele e Kim duravam mais que alguns segundos.
Na saída da escola, ao entrar no carro com a mãe e Abel, o inesperado aconteceu.
- Dona Helena - disse Abel, apoiando-se no banco da frente - vai ter uma festinha hoje à noite. Só com a gente, nada demais. Pode ser que a Kim queira ir... Posso levar e trazer ela.
Kim quase engasgou com a própria saliva.
- Que festa?! - perguntou, surpresa.
Abel sorriu, divertido.
- Ué, esqueci de avisar?
A mãe dela deu uma risadinha e olhou pelo retrovisor.
- Pode sim. Vai ser bom pra você se divertir. Só se cuida, hein?
Kim ficou em choque.
- É sério?
- Vai, filha. Se arruma bonitinha. Se comporta.
Em casa, Kim tomou banho correndo e ficou quase vinte minutos encarando o armário. Acabou escolhendo um vestido vermelho simples, que marcava a cintura e soltava nas pernas. Calçou um tênis branco, soltou os cabelos e passou uma maquiagem leve. O batom era suave, quase rosa.
Ao abrir a porta, Abel já a esperava no portão. Quando a viu, parou por um segundo.
Seus olhos subiram dos tênis até o rosto dela. Por um instante, apenas a olhou - e Kim sentiu o estômago se revirar.
- Você tá... bonita - disse ele, coçando a nuca.
- Obrigada. Você também tá... normal - respondeu, sorrindo.
Ele riu, e os dois seguiram juntos até a casa de Gustav, onde a "festa" aconteceria - na piscina dos fundos.
Luana já estava lá, rindo alto com Gustav. Noah mexia no som, aumentando uma playlist cheia de batidas animadas.
- Até que enfim! - gritou Luana. - Vem, Kim!
Eles começaram a dançar, brincar, comer snacks e rir. Logo, Gustav pulou na piscina de roupa e tudo. Luana veio atrás. Noah seguiu.
Só Kim ficou de fora, sentada na beirada, os pés na água.
- Vai ficar só olhando? - perguntou Luana, sorrindo.
- Não trouxe biquíni...
Luana foi até sua bolsa, pegou um biquíni vermelho com babados e entregou para Kim.
- Eu trouxe dois. Usa esse.
Kim hesitou, mas aceitou. Demorou no banheiro, observando o reflexo. Respirou fundo antes de sair. Quando voltou para a beira da piscina, todos pararam por um segundo.
Abel arregalou os olhos. Gustav assobiou. Noah soltou um:
- Uau...
Kim cruzou os braços, sem graça.
- Tá linda, amiga - disse Luana.
Noah a olhou dos pés à cabeça.
- Você devia usar isso sempre, Kim. Desse jeito, vai acabar quebrando corações por aqui...
Kim ficou vermelha. Abel franziu a testa e, sem pensar duas vezes, jogou água nela com força, fazendo todos rirem.
- Abel! - reclamou ela, rindo entre o embaraço.
Ele puxou seu braço de leve.
- Já tá molhada, agora entra logo.
Kim escorregou e caiu na piscina com um grito.
Quando emergiu, os cabelos grudados no rosto, todos riam. Mas logo percebeu que os olhos de Noah ainda estavam nela... e aquilo a incomodava.
Abel percebeu também.
- Ei, Noah - disse ele, se aproximando. - Tá olhando demais, não acha?
Noah ergueu uma sobrancelha.
- Ué, não posso admirar?
- Não. Não desse jeito.
O clima ficou tenso.
- Relaxa, cara. Não tô fazendo nada demais.
- Ainda.
Os dois se encararam. Kim, envergonhada, mergulhou para se afastar. Luana puxou Gustav e sussurrou:
- Esses dois vão sair no soco qualquer dia.
- Só espero que não seja hoje - murmurou ele.
Kim voltou à superfície e olhou para Abel, que ainda encarava Noah. Quando ele notou, se acalmou, respirando fundo e mergulhando ao lado dela.
- Tá tudo bem? - perguntou ele, mais baixo.
- Só não tô acostumada com esse tipo de atenção...
- Então eu vou te proteger. Igual fiz aquele dia. Sempre que precisar.
Kim sorriu. Um sorriso real.
A água estava fria. Mas, pela primeira vez, seu coração estava quente.
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Atualizado até capítulo 42
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