O carro seguia silencioso pelas ruas do bairro.
Kim encarava o próprio reflexo no vidro da janela, o rosto ainda marcado pela noite anterior. Tentava disfarçar o inchaço ao redor do olho com corretivo barato, mas no fundo sabia: não havia maquiagem que cobrisse o que sentia por dentro.
A mãe dirigia com os óculos escuros no rosto, um cigarro apagado no canto da boca e o humor, como sempre, instável.
- Tenta não fazer cena hoje, Kim. Primeira impressão é importante.
Kim não respondeu. Apenas encolheu os ombros e apertou a mochila contra o colo.
A escola apareceu à frente uma construção grande de tijolos avermelhados, com bandeiras hasteadas e alunos espalhados pelo pátio. Kim engoliu em seco. Era como estar em um palco, exposta.
Assim que entrou, foi guiada até sua sala. O coração batia acelerado. Quando o professor apontou a carteira vaga, Kim sentou-se... e o estômago dela deu um salto.
Abel estava ali, duas carteiras à frente, encostado no encosto da cadeira, mexendo no caderno. Quando ela o viu, desviou o olhar imediatamente, corando.
Ele não disse nada, mas sentiu o olhar dele por um instante.
Kim passou a aula toda de cabeça baixa, fingindo fazer anotações, o coração apertado. Parte dela queria se esconder, a outra queria que ele falasse algo. Mas o medo da vergonha ainda era maior.
Na saída, enquanto esperava no corredor, quatro garotos passaram por ela rindo alto. Um deles, loiro, com o boné virado pra trás, olhou diretamente pra ela e parou.
- Ei, você é a novata, né? A brasileira?
Kim hesitou, desconfortável.
- Sim...
- Que sotaque bonitinho. - Ele se aproximou demais. - Fala "oi" de novo, vai. Ou me ensina umas palavras aí... tipo, "gostosa".
Os outros riram. Kim recuou um passo, segurando o choro.
- Por favor... - sussurrou ela.
- Ih, tá chorando? Tá sensívelzinha, hein? Que foi, gata, ninguém nunca te cantou antes?
Antes que o menino pudesse dizer mais alguma coisa, uma sombra se colocou entre eles.
- Dá o fora, Derek. Agora. - disse Abel, a voz baixa e firme.
- Ih, olha só, o guarda-costas da novata - zombou o garoto.
Mas Abel não riu. Deu um passo à frente, ombro erguido, olhos negros fixos no rosto do outro.
- Se eu te ver de novo mexendo com ela, juro por Deus que você vai engolir esse boné.
Derek franziu a testa, mas recuou. Sabia que Abel não falava por falar. Saiu praguejando com os outros.
Kim não conseguia falar. Só chorava em silêncio.
- Tá tudo bem agora - disse Abel, com a voz mais suave. - Eles são babacas. Não vale a pena dar atenção.
Kim assentiu, fungando.
- Obrigada... - murmurou.
- Vem. Vou te mostrar os cantos legais da escola.
Ele a guiou pelos corredores, explicando tudo com calma: onde ficava o refeitório, a biblioteca, a sala de artes, o pátio mais calmo - "onde dá pra respirar sem virar alvo", como ele disse.
Logo depois, Abel chamou alguns amigos.
- Essa é a Luana - disse, apontando pra uma menina negra de tranças compridas, óculos vermelhos e um sorriso fácil.
- Oi, Kim! - disse Luana. - Finalmente uma menina nova nesse grupo, já tava cansada só dos marmanjos.
- E esse aqui é o Gustav - continuou Abel, apontando para um garoto branco de cabelo loiro platinado e fones pendurados no pescoço. - Meio lerdo às vezes, mas de boa.
- E aí! Bem-vinda. Se quiser fugir das pessoas chatas, a gente é o melhor refúgio.
- E por fim, esse é o Noah - disse Abel, com um sorriso meio sem graça.
Noah, alto, de olhos claros e feição marcante, acenou com a cabeça, mas não falou nada. Kim sentiu algo estranho em seu olhar, algo que não soube decifrar.
- Se quiser sentar com a gente no almoço, tá convidada - disse Luana.
Kim sorriu timidamente.
- Eu... ia gostar disso.
As últimas aulas passaram rápidas. Quando Kim saiu pela porta da frente da escola, viu o carro da mãe já estacionado. Ela se aproximou devagar.
- Entra logo - disse a mãe, sem tirar os olhos do celular.
Antes que Kim entrasse, Abel surgiu ao lado dela.
- Vai nessa?
- É... minha mãe veio me buscar.
- Legal. A gente se vê amanhã?
Kim sorriu, tímida.
- Sim... até amanhã.
A mãe olhou para Abel e depois para Kim com a sobrancelha arqueada.
- Quem é esse?
- Um amigo - respondeu Kim, entrando no carro.
- E ele mora onde?
- Ao lado da nossa casa, lembra?
A mãe olhou novamente para Abel, que ainda estava parado ali, esperando Kim entrar.
- Quer carona, menino?
- Sério? Pode ser, sim. Valeu, dona...?
- Helena. Mas me chama de senhora mesmo.
Abel entrou no banco de trás.
- E você estuda com a Kim?
- Estudo sim. A gente tá na mesma sala.
Helena deu uma risadinha seca.
- Que milagre essa menina fazer um amigo. Ela só vive trancada dentro de casa.
Kim revirou os olhos, constrangida.
- Mãe...
- Ué, tô mentindo? Talvez seja bom você ter alguém pra conversar, Kim. Vai ver para de agir como se o mundo tivesse acabado.
O silêncio dominou o carro por alguns segundos.
- Eu gosto de conversar com ela - disse Abel, do banco de trás, com calma. - Ela é mais interessante do que muita gente por aí.
Kim virou o rosto para a janela, tentando esconder o sorriso.
Quando chegaram, Abel desceu primeiro e acenou para as duas.
- Obrigado pela carona.
- De nada, garoto. Cuida da minha filha, viu?
Kim desceu em seguida, ainda em choque com a naturalidade com que Abel fazia tudo parecer mais leve.
- Até amanhã, Kim.
- Até...
Ela entrou em casa com o coração um pouco mais aquecido. Pela primeira vez em muito tempo, sentia que talvez... estivesse começando a pertencer a algum lugar.
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Atualizado até capítulo 42
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