Página 4 – Xenofobia: A Terra Prometida
"Não importa o quão longe você fuja, o preconceito encontra maneiras de atravessar fronteiras. Mas a coragem e a empatia podem construir pontes onde antes só havia muros."
Amina sentia o vento frio de Lisboa bater no rosto todas as manhãs quando saía do albergue em busca de trabalho. Tinha deixado Luanda com o coração pesado e a mala leve: alguns documentos, o diploma de enfermagem e uma esperança quase teimosa de reconstruir a vida. No avião, lembrava-se da mãe dizendo:
— Onde você pisar, faça do chão semente. Cresça, filha.
Mas crescer em terra estrangeira era mais difícil do que parecia.
Na primeira semana, Amina percebeu que o sotaque chamava atenção. As palavras "tu" e "fixe" ainda soavam estranhas para ela. E o nome — Amina M'Bundu — provocava olhares curiosos e perguntas invasivas:
— Mas você é muçulmana? — De onde vem esse nome? — Vocês têm luz e água lá?
Era difícil disfarçar a dor. Não era apenas ignorância; era um julgamento constante. Mesmo com todos os documentos em ordem, com um português impecável e com anos de experiência como enfermeira em hospitais comunitários de Angola, Amina sentia-se constantemente posta à prova.
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Primeiras portas fechadas
No bairro onde se instalou, em um quarto pequeno que dividia com outras duas imigrantes — Fatou, do Senegal, e Camila, do Brasil — Amina enfrentava também o preconceito nas pequenas interações. No mercado, a atendente se recusava a olhá-la nos olhos. Na farmácia, demoravam a atendê-la. Na rua, ouviu cochichos, perguntas desconfortáveis, piadas.
— Esses estrangeiros estão dominando tudo.
Amina guardava tudo em silêncio. Mas escrevia. Suas cartas nunca tinham destinatário. Eram gritos disfarçados em tinta azul:
"Ser estrangeira é sentir que o corpo chegou, mas a alma ainda procura abrigo."
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Encontro com a solidariedade
A esperança começou a se renovar quando conheceu Marta, uma voluntária portuguesa em uma ONG que prestava apoio a imigrantes. Marta era enfermeira no Hospital de São José. Conversaram sobre as dificuldades da profissão, sobre os sistemas de saúde de seus países, sobre feridas abertas — físicas e sociais.
— Você tem diploma? Experiência? — perguntou Marta. — Tenho. Só falta me reconhecerem como gente, — respondeu Amina.
Tocada, Marta levou o caso até a administração do hospital. Insistiu para que dessem uma oportunidade a Amina, ao menos como auxiliar, até que o diploma fosse validado. Após semanas de espera, a resposta chegou: um estágio supervisionado não remunerado.
— Não é muito, mas é um começo — disse Marta.
Para Amina, foi como receber o primeiro tijolo da sua nova casa.
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Crescer, mesmo em terra dura
Amina era excelente no que fazia. Os pacientes a adoravam pela doçura e eficiência. Os colegas se surpreendiam com o conhecimento técnico. Mas o preconceito ainda se insinuava. Alguns médicos a ignoravam. Uma enfermeira, certa vez, perguntou:
— Como você aprendeu tudo isso? Achei que na África fosse mais rudimentar.
Amina respondeu com calma:
— A medicina salva vidas em qualquer idioma. E a minha empatia não depende do lugar onde nasci.
Com o apoio de Marta, Amina conseguiu inscrever-se no processo de revalidação de diploma. Estudou à noite, nos fins de semana, enquanto ainda trabalhava no hospital. Às vezes, chorava de cansaço. Mas continuava.
Seus textos, antes cartas sem destino, viraram crônicas. Publicava no blog da ONG sobre as dores de ser estrangeira, mas também sobre a alegria de pertencer. Suas palavras começaram a circular. Convidaram-na para eventos, debates, entrevistas. Amina percebeu que sua voz podia ser ponte para outras mulheres.
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A virada
Dois anos depois de chegar, Amina recebeu um e-mail. O título: "Revalidação do diploma aprovada". Chorou por minutos, em silêncio. Depois ligou para a mãe.
— Mãe, agora sou enfermeira aqui também.
Poucos meses depois, foi contratada como profissional plena no mesmo hospital. Continuou na ONG como voluntária. Fundou um grupo de apoio psicológico e emocional para mulheres imigrantes. Viu o grupo crescer, acolher, curar.
Em uma das reuniões, uma jovem moçambicana disse:
— Eu quase desisti. Mas encontrei vocês. Agora sei que posso.
Amina sorriu. Lembrou da menina assustada que chegou a Lisboa sem saber se seria aceita. Hoje, era espelho para outras.
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No fim do ano, o hospital promoveu um evento sobre diversidade. Amina foi convidada a falar. Subiu ao palco com a mesma serenidade com que cuidava de seus pacientes.
— Xenofobia não é só rejeição ao outro. É medo da mudança. É resistência ao novo. Mas o novo não ameaça. Ele soma, transforma, enriquece. Eu vim de longe, mas trago dentro de mim um mundo inteiro. E quero construí-lo aqui com vocês.
Aplausos. Abraços. Reconhecimento. E um lar que, finalmente, deixava de ser apenas abrigo para se tornar pertencimento.
Amina, agora cidadã portuguesa naturalizada, caminhava pelas ruas de Lisboa com passos firmes. Não por esquecer as dores, mas por ter vencido cada uma delas.
Fim.
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Atualizado até capítulo 32
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