Página 3 – Machismo: Quando o Corpo da Mulher Vira Campo de Batalha
"Me ensinaram que ser mulher era ser forte. Mas nunca disseram que a força viria da dor."
Helena tinha 13 anos quando ouviu pela primeira vez: — Fecha as pernas, menina!
Não era a primeira vez que a mãe dizia aquilo, mas naquele dia soou diferente. Não havia nada de provocativo em seu jeito de sentar. Estava de short, em casa, com calor. O irmão, dois anos mais velho, estava sem camisa na sala, esticado no sofá. Ninguém o repreendia. Mas ela, sim. Sempre ela. Desde cedo, aprendeu que existia um “modo certo” de ser mulher — e que qualquer desvio era culpa sua.
Helena cresceu em uma casa onde a palavra do pai era lei. Seu Adilson era um homem duro, de poucas palavras e muitos gritos. Trabalhava como motorista de ônibus e exigia respeito — o que na prática significava obediência cega. Dona Marlene, a mãe, era submissa, embora com lampejos de coragem. Já o irmão, Caio, era o príncipe da casa: não lavava um prato, mas tinha sua comida servida e suas roupas limpas, sempre com um sorriso da mãe.
Desde pequena, Helena ouvia: — Mulher tem que saber se comportar. — Mulher direita não fica na rua. — Homem é assim mesmo, tem sangue quente.
Na escola, a lógica se repetia. As meninas que falavam alto eram “desbocadas”. As que tinham muitos amigos homens eram “fáceis”. Já os meninos, esses eram só “moleques”.
Helena cresceu aprendendo que o corpo da mulher não lhe pertence. Que tudo que faz será julgado. Que precisa se calar para ser aceita.
Mas ela não queria silêncio. Queria voz. E isso, ela descobriria, custava caro.
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Adolescência: entre o grito e a culpa
Com 16 anos, Helena começou a namorar Lucas, um rapaz da mesma escola, gentil e engraçado. Mas bastaram dois meses para perceber que algo estava errado. Ele queria controlar as roupas que ela usava, com quem falava, onde ia. Dizia que era por amor. Que só queria protegê-la.
— Você não precisa de amigas. Eu sou tudo o que você precisa — dizia, ao apagar as mensagens do celular dela.
Quando Helena tentava resistir, ouvia: — Você é igual às outras? Não quer ser respeitada? Então se dá o respeito.
Essa frase ecoava como um julgamento constante. Porque, no fundo, ela sabia: se algo desse errado, a culpa seria sua.
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Universidade: o machismo intelectualizado
Na faculdade de Direito, Helena sentia que havia avançado. Era uma das melhores alunas, participava de debates, questionava os professores. Mas logo percebeu que o machismo vestia terno e gravata.
— Calma, querida. Você está muito exaltada. — dizia um professor durante uma discussão.
Alguns colegas a chamavam de “feminazi”. Outros, de “difícil”. Quando tentava impor respeito, era arrogante. Quando sorria demais, era provocante. Nunca havia um meio-termo. Ou era demais, ou de menos.
Foi na universidade que Helena começou a se conectar com outras mulheres que também sentiam essas dores. Juntas criaram um coletivo feminista. Começaram a promover rodas de conversa, ações sociais, denúncias de assédio. Muitas foram ouvidas. Outras ignoradas.
Um dia, uma caloura denunciou um veterano por abuso em uma festa. A reitoria silenciou. O coletivo gritou. Helena liderou o protesto. Ganhou respeito, mas também ameaças.
— Mulher que levanta a voz incomoda — disse uma funcionária da faculdade.
E era verdade.
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Trabalho: a voz que incomoda
Formada, Helena conseguiu um estágio em um escritório renomado. Ali, o machismo era sutil, mas presente. As piadas entre colegas. As reuniões onde era interrompida. O cliente que perguntou se ela era a secretária. O sócio que lhe deu um tapinha nas costas e disse:
— Você tem futuro... se souber se portar.
Ela aprendeu a endurecer. A falar com firmeza. A recusar convites disfarçados de oportunidades. Mas isso custava caro. Era vista como fria, distante, “pouco feminina”.
Um dia, após uma reunião importante, um estagiário homem foi parabenizado pela solução que Helena havia proposto. Ela sorriu e engoliu. Depois, anotou em seu caderno:
"Hoje, novamente, roubaram a minha voz. Mas não o meu pensamento. Eles vão ouvir, cedo ou tarde."
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Resistência e esperança
Helena não desistiu. Passou a dar palestras sobre assédio no ambiente de trabalho. Participou de campanhas por igualdade salarial. Escreveu artigos sobre os direitos das mulheres na Constituição. Criou um canal nas redes para denunciar situações cotidianas de machismo.
Recebeu apoio, mas também ódio. Comentários agressivos. Ameaças. Silenciamentos. Mas continuou.
Certa noite, recebeu uma mensagem de uma adolescente:
"Vi seu vídeo e descobri que o que meu padrasto faz comigo é abuso. Contei pra minha mãe. Ele saiu de casa. Obrigada por me dar coragem."
Helena chorou. E, pela primeira vez em dias, sorriu com leveza.
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epílogo
Helena segue sua jornada. Sabe que a luta está longe de terminar. Que o machismo muda de forma, se adapta, resiste. Mas ela também mudou. Hoje, quando alguém tenta calá-la, ela lembra da menina de 13 anos, sentada no sofá, ouvindo que deveria se fechar. E ela responde com firmeza:
— Não vou me fechar. Vou abrir caminho.
E caminha.
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Atualizado até capítulo 32
Comments
lyPoppy
Eu já estou ansiosa pelo próximo capítulo, você não faz ideia do quanto estou viciada. 🙈
2025-06-29
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