Racismo - Sombras da Desigualdade

Página 2: Racismo - Sombras da Desigualdade

No coração pulsante de São Paulo, onde o concreto abraça a diversidade e a pressa engole histórias, vive Clara, uma jovem de 28 anos, negra, filha de nordestinos que migraram para a cidade em busca de melhores oportunidades. Clara cresceu no Capão Redondo, onde as ruas estreitas eram palco de sonhos e desigualdades.

Formada em jornalismo, ela agora trabalhava como redatora em uma agência de publicidade no centro da cidade, um espaço onde o brilho das ideias deveria ofuscar qualquer preconceito. Mas a realidade, como Clara sabia, era mais complexa.

Desde pequena, Clara enfrentava o peso de olhares que julgavam antes de conhecer. Na escola, ouvia comentários sobre seu cabelo crespo, que ela amava modelar em tranças coloridas.

"Você parece uma boneca de pano", disse uma colega uma vez, rindo, enquanto Clara, aos 12 anos, tentava entender por que aquelas palavras doíam tanto. Não era só o comentário, mas o tom, a intenção disfarçada de brincadeira. Com o tempo, ela aprendeu a erguer a cabeça, a responder com um sorriso firme, mas as cicatrizes invisíveis permaneciam.

Na agência, Clara era uma das poucas pessoas negras em um ambiente dominado por rostos brancos. Seus colegas a elogiavam pela "articulação" e pela "energia", mas ela percebia o subtexto: a surpresa de que uma mulher negra pudesse ser tão competente.

Era como se precisasse provar, dia após dia, que merecia estar ali. O racismo, ela descobriu, não precisava de palavras explícitas para existir; ele se escondia em gestos sutis, em oportunidades negadas, em piadas disfarçadas de "humor".

O ponto de virada na vida de Clara veio em uma segunda-feira ensolarada, quando a agência recebeu um novo cliente: uma marca de cosméticos que queria lançar uma linha de maquiagem voltada para peles negras.

Clara viu ali uma chance de brilhar. Ela passou noites elaborando uma campanha que celebrava a diversidade, com slogans que exaltavam a beleza de todos os tons de pele. Apresentou o projeto com entusiasmo, mostrando dados que comprovavam o potencial de mercado: 56% da população brasileira se identifica como negra ou parda, segundo o IBGE, mas apenas 17% dos anúncios publicitários representavam essa diversidade.

O diretor criativo, Ricardo, um homem branco de meia-idade, ouviu a apresentação com um sorriso educado.

"Muito bom, Clara, mas acho que precisamos de algo mais... universal", disse ele, enfatizando a última palavra.

Clara franziu a testa. "Universal? Mas a campanha é para um público específico, que historicamente foi ignorado."

Ricardo hesitou, coçando a nuca. "É que... sabe, não queremos alienar outros públicos. Vamos diluir um pouco essa abordagem."

Clara sentiu um nó no estômago. Diluir. A palavra ecoava como um apagamento.

Naquela noite, em casa, Clara desabafou com sua amiga Luana, uma advogada que militava pelos direitos humanos. Sentadas na varanda do apartamento simples de Clara, com o som do funk ecoando ao longe, Luana ouviu pacientemente.

"Eles sempre fazem isso, né? Querem nossa força, mas não nossa voz. Querem nossa imagem, mas não nossa história", disse Luana, enquanto servia mais café.

Clara assentiu, os olhos fixos no horizonte. "Eu só queria que eles vissem o que eu vejo. Que entendessem como é carregar esse peso todos os dias."

Luana sugeriu que Clara não desistisse.

"Você já enfrentou coisa pior. Lembra da vez que aquele professor disse que você não 'parecia' de humanas? E você terminou sendo a melhor da turma?"

Clara riu, mas a memória ainda ardia. No ensino médio, um professor de história insinuou que ela deveria considerar cursos técnicos, porque "humanas exige muito leitura, sabe?". Clara respondeu na época com notas impecáveis e um discurso de formatura que fez o auditório aplaudir de pé.

Mas a vitória tinha um gosto amargo, porque sempre vinha acompanhada de um apesar de.

Nos dias seguintes, Clara decidiu que não aceitaria o "diluir". Ela revisou a campanha, reforçando ainda mais a mensagem de inclusão, e marcou uma nova reunião com Ricardo.

Desta vez, trouxe aliados: dois colegas da agência, Pedro e Mariana, que, embora brancos, entendiam a importância de representatividade. Pedro, que trabalhava no setor de mídias sociais, apresentou dados sobre o impacto positivo de campanhas inclusivas nas redes. Mariana, designer, mostrou mock-ups vibrantes que capturavam a essência da proposta de Clara.

Ricardo, porém, manteve a resistência.

"Olha, Clara, eu entendo seu ponto, mas o cliente pode achar isso muito... agressivo."

Clara respirou fundo. "Agressivo? Falar que peles negras são belas é agressivo? Ignorar metade da população brasileira é o quê, então?"

O silêncio na sala foi ensurdecedor. Pela primeira vez, Clara viu Ricardo sem resposta. Ele prometeu "reconsiderar" e encerrou a reunião.

Fora da agência, a cidade seguia seu ritmo caótico. Clara caminhava pela Avenida Paulista, onde artistas de rua, executivos e ambulantes conviviam em uma mistura vibrante. Ela observava as pessoas, tentando imaginar suas histórias.

Quantas delas, como ela, já haviam sentido o peso de um olhar que diminui? Quantas já ouviram que seu lugar era "outro"? O racismo, ela sabia, não era só uma questão de palavras ou atos explícitos. Era um sistema, uma estrutura que se infiltrava nas instituições, nas conversas, nos silêncios.

Naquela noite, Clara recebeu uma ligação inesperada. Era Aline, a representante da marca de cosméticos, que havia recebido uma cópia da proposta original de Clara por e-mail, enviada por Mariana sem o conhecimento de Ricardo.

"Clara, sua campanha é exatamente o que queremos. É autêntica, é poderosa. Vamos seguir com ela, sem mudanças."

Clara sentiu um misto de alívio e incredulidade. "Sério? Mas e o Ricardo...?"

Aline riu. "Deixa o Ricardo comigo. Ele vai aprender que representatividade não é negociável."

A campanha foi lançada semanas depois, com outdoors espalhados pela cidade. Em um deles, uma modelo negra com tranças como as de Clara sorria, com a frase: "Minha pele, minha história, minha beleza."

Clara parou diante do outdoor, sentindo lágrimas quentes escorrerem pelo rosto. Não era só sobre a campanha. Era sobre todas as vezes que ela precisou lutar para ser vista, para ser ouvida.

Era sobre sua mãe, que limpava casas para pagar seus estudos. Era sobre sua avó, que enfrentou a ditadura com coragem. Era sobre todas as vozes que vieram antes dela e que, como ela, recusaram-se a ser silenciadas.

Mas a vitória, Clara sabia, era apenas um passo. O racismo não desapareceria com uma campanha. Ele estava nas escolas, onde crianças negras ainda eram desencorajadas a sonhar grande. Estava nas empresas, onde promoções raramente chegavam a rostos como o dela. Estava nas ruas, onde olhares desconfiados seguiam pessoas como ela.

Clara decidiu que continuaria lutando, não só por si, mas por todos que ainda enfrentavam aquelas sombras.

Enquanto caminhava para casa, Clara pensou em sua próxima batalha. Talvez fosse na agência, exigindo mais diversidade na equipe. Talvez fosse fora, nas ruas, apoiando coletivos que combatiam o racismo estrutural.

O que quer que fosse, ela sabia que sua voz, agora mais forte, ecoaria. E ela não estava sozinha.

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2025-06-27

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Capítulos
1 HOMOFOBIA: O silêncio que mata
2 Racismo - Sombras da Desigualdade
3 Machismo: Quando o Corpo da Mulher Vira Campo de Batalha
4 Página 4 – Xenofobia: A Terra Prometida
5 Gordofobia: O Peso que Não se Vê
6 Capacitismo: Capazes de Existir
7 Idadismo: O Tempo que Nos Habita
8 Religiofobia: A Fé Que Resiste
9 Classismo: As Divisórias Invisíveis
10 Preconceito Linguístico: A Voz que Não Se Cala
11 Misoginia: A Dor Silenciosa das Palavras
12 Transfobia: O Corpo Que Habito, A Alma Que Resiste
13 HIV/AIDS: O Preço do Silêncio, O Valor da Verdade
14 Preconceito Regional: Da Roça Pro Mundo
15 OS INVISÍVEIS
16 O Valor Invisível
17 Sozinhas, mas inteiras
18 O Lugar Que Nunca Foi Dado
19 Liberdade que não liberta
20 A Beleza Que Não Se Esconde
21 A Cor da Invisibilidade
22 O Olhar Que Não Entende
23 Tinta Não Define Caráter
24 Invisíveis por Desejo dos Outros
25 Indigenofobia: As Raízes Que Resistiram
26 Preconceito contra mães adolescentes: O Peso do Olhar, a Força do Amor
27 Preconceito contra órfãos ou crianças acolhidas: Sombras que Persistem
28 Preconceito contra pessoas que usam medicamentos psiquiátricos: O Remédio é Cuid
29 Preconceito contra trabalhadores do sexo: Invisíveis à Luz do Dia
30 Amar Mais de Um: Contra a Polifobia
31 "Ela Mereceu Ser Estuprada": Misoginia Extrema e a Culpabilização da Vítima
32 Vozes Unidas : Encontros, Feridas e Coragem
Capítulos

Atualizado até capítulo 32

1
HOMOFOBIA: O silêncio que mata
2
Racismo - Sombras da Desigualdade
3
Machismo: Quando o Corpo da Mulher Vira Campo de Batalha
4
Página 4 – Xenofobia: A Terra Prometida
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