: Comunidade do Ribeirão – trilha de terra que leva a uma nascente preservada. Final da tarde.
Lucas, com capacete de obra e botas sujas, segura uma prancheta. Ele está supervisionando a área para a instalação de um sistema de drenagem . sem saber o impacto real que isso causaria.
Clara, com uma mochila de lona, caderno de campo e olhar atento, caminha em sua direção, acompanhada de uma criança da vila.
CLARA (seca):
Você está pisando em solo protegido.
LUCAS
Oi? Ah... boa tarde. Eu só estou fazendo o mapeamento do relevo. Serviço da empresa.
CLARA (cruza os braços):
Serviço da empresa ,com selo dos Amaral, não é?
Vocês sempre acham que podem chegar e “mapear” o que pertence à natureza e às pessoas.
LUCAS (tenta manter a calma, mas se sente provocado):
Olha, eu entendo seu ponto. Mas estou só seguindo ordens. E tecnicamente, isso aqui está dentro do perímetro liberado.
CLARA (aponta para uma árvore com fitas vermelhas):
Essas fitas? Fomos nós que colocamos. Você sabe o que existe aqui? Sementes raras, nascentes. E famílias. A minha, inclusive..
LUCAS (sorri, tentando aliviar):
E, aparentemente... sou o vilão dessa história.
CLARA (com um leve sorriso):
Ainda não. Mas está no caminho.
(Ela se vira para ir embora, mas olha por cima do ombro e diz:)
CLARA:
Se quiser entender o que está em jogo aqui de verdade... me encontre amanhã cedo, no mirante do Sabiá. Se tiver coragem de ver além do papel que você carrega.
(Ela sai. Lucas fica parado, olhando. Pela primeira vez, seus cálculos não fazem mais sentido.)
************
um dia depois....
: O Mirante do Sabiá
Local: Mirante natural no alto da mata do Ribeirão. A vista é espetacular: o rio, a mata atlântica densa e intocada, e ao fundo, a cidade. A manhã está clara, o som dos pássaros ecoa.
Lucas chega ofegante, de mochila nas costas. Veste roupas simples, sem nada que o identifique como “engenheiro”. Ele procura com os olhos. Então vê Clara, sentada em uma pedra, com os pés descalços e o caderno de campo no colo. Ela não parece surpresa ao vê-lo.
LUCAS (se aproxima, tirando o boné):
Você estava mesmo achando que eu não viria?
CLARA (sorri de leve, sem olhar):
Na verdade, achei que viria... com um drone e um advogado.
LUCAS (ri, senta ao lado):
Hoje só trouxe minha ignorância mesmo. E vontade de entender.
(Clara fecha o caderno, respira fundo, olha para o horizonte.)
CLARA:
Tá vendo aquele ponto brilhante ali?
É uma nascente. A última dessa área.
Se o projeto que vocês estão bancando seguir, ela seca. E com ela, morre tudo ao redor.
LUCAS:
A gente foi informado de que a área tinha autorização...
CLARA (encara):
Autorização comprada. Com laudo manipulado. Sabe como essas coisas funcionam,
Lucas.
Mas aqui... aqui não é só mata. É história. É a vida de gente que nunca teve uma escritura, mas tem raiz.
LUCAS (baixa o olhar, tocado):
Eu nunca pensei nisso assim.
Pra mim... era só um mapa. Um número de lote.
(olha para ela)
Você fala com paixão. E eu tô aqui sem saber nem o que sentir.
CLARA (mais suave):
Sentir já é um bom começo. A maioria dos que vêm com máquinas e cercas... só sente lucro.
LUCAS:
Então me ensina. Me mostra esse lugar como você vê.
(Clara hesita... depois se levanta, estende a mão.)
CLARA:
Vem. Mas tira o sapato. Aqui, o chão também sente.
(Enquanto eles caminham pela mata, Lucas a observa mais do que observa o lugar. Ela sorri com os olhos quando explica sobre uma planta, ou quando afasta galhos com cuidado. Há algo simples e verdadeiro ali — e Lucas sabe que está a entrar num mundo que talvez mude tudo.)
*******
O sol já se pôs, e a mata está mergulhada em tons de azul e dourado. Grilos cantam. O ar é fresco e quieto.
Lucas e Clara sentam sobre uma pedra coberta de musgo. Ao lado, um lampião a gás ilumina discretamente seus rostos.
CLARA (com os pés na água, pensativa):
Sabe o que eu mais gosto daqui?
O silêncio.
Não o silêncio de quem não tem o que dizer...
Mas o silêncio de quem já entendeu tudo.
LUCAS (olha para ela):
Eu queria ter crescido ouvindo coisas assim.
Na minha casa... o silêncio sempre foi peso.
Tipo um segredo esperando pra explodir.
CLARA (vira o rosto, o olhar encontra o dele):
Talvez a gente carregue coisas parecidas.
Só que em lados opostos do muro.
LUCAS (aproxima-se lentamente):
E se a gente derrubasse esse muro?
CLARA (sussurra, quase sem respirar):
A gente ia ter que confiar muito um no outro.
LUCAS:
Então vamos começar devagar.
(Clara hesita por um segundo, como se avaliando se deve permitir aquele momento. Mas há algo sincero no olhar de Lucas. Ela sorri, leve, e fecha os olhos.)
Lucas a beija.
É um beijo lento, delicado, como se ambos soubessem que aquele instante é precioso demais pra ser apressado. Um beijo com cheiro de mata, som de vento, gosto de descoberta. Quando se separam, por um instante ainda ficam com os rostos colados.
CLARA (em voz baixa):
Se for mentira... eu vou saber.
LUCAS (com sinceridade):
É a única coisa real que eu tenho agora.
CLARA (em voz baixa)
Sabe que não podemos, isso é loucura, somos de mundos opostos.
LUCAS (carinhoso)
deixa-me fazer parte do seu mundo, deixa-me conhecer você, talvez temos muito mais em comum.
CLARA (preocupada)
meu mundo não é fácil, não tem noção das coisas que acontece, a sua empresa é a maior causadora de tudo que sofremos.
LUCAS (pensativo)
deixa-me tentar ajudar, sei que parece loucura, mais eu tenho como ajudar vocês.
CLARA (arrependimento)
Esse beijo foi um erro, isso não podia ter acontecido, isso tudo aqui é loucura, você e eu não podemos ficar juntos, a minha mãe tem razão.
LUCAS (promete)
não faz isso clara, pelo menos sem tentar, deixa-me provar que podemos sim, ficar juntos.
Deixa eu ajudar você e a sua família.
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Atualizado até capítulo 26
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